segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Estado e a violência


Claudia Costin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Em matéria recente sobre diagnósticos e propostas de campanha para as eleições deste ano, o Estadão comenta a contínua queda dos índices de homicídios na cidade de São Paulo. Os números são surpreendentes: passamos de 52,58 mortes por 100 mil habitantes, em 1999, para 14 no ano em curso. A melhoria dos índices, comemorada pelo governo federal como resultante da melhoria da economia e pelo governo estadual paulista como fruto do esforço em aprimorar o desempenho das polícias, é conseqüência, na verdade, de múltiplos fatores, que certamente incluem esses dois. A pobreza diminuiu, a classe média aumentou, assim como o emprego formal, e a polícia conta, de fato, com instrumental melhor para sua atuação.

Esta melhoria merece ser comemorada, mas deve trazer, como bem mostra a matéria do jornal, um aprofundamento da análise que permita uma intervenção pública mais efetiva. Há uma regionalização do crime, em que bairros com pior infra-estrutura são os que apresentam maior número de mortes violentas. Outras formas de violência, como roubos, furtos e agressões, prosseguem a taxas elevadas. Também prospera o tráfico de drogas, que sustenta o crime organizado. Aqui, a matéria enfatiza o papel das prefeituras em prevenção, especialmente combatendo a existência de guetos de pobreza e desigualdade.

No mesmo dia em que saiu a matéria do Estadão, noticiava-se que 13 pessoas ficaram feridas, entre elas uma criança de 11 anos, depois que uma granada explodiu na saída de um baile funk na Favela de Antares, no Rio de Janeiro. A explosão teria sido causada por um traficante que, dançando com o artefato na mão, deixara a granada cair acidentalmente. Em conseqüência, outros responsáveis pelo tráfico o condenaram à morte.

Na verdade, o problema da violência exige uma abordagem que integre diferentes políticas públicas e níveis de governo. Comecemos pelo fator mais simples: há fortes evidências de que o crescimento econômico tem forte impacto sobre a violência e o crime. Não é por acaso que os países mais pobres do mundo, como mostra Paul Collier em seu excelente Bottom Billion, são os mais sujeitos a guerras civis - 73% da população dos países que reúnem os 980 milhões de pessoas que se tornaram aprisionadas na pobreza, segundo o autor, esteve recentemente em guerra civil ou ainda está. Quando não se tem esperança de um futuro melhor, a violência pode parecer um caminho interessante e mesmo uma oportunidade de negócio e poder.

Além da economia, o investimento em educação gera possibilidades de reverter o quadro de “guerras urbanas”, em especial se a educação puder ser percebida pelos mais pobres como de alta empregabilidade. Nesse sentido, chama a atenção relatório do Centro Paula Souza que demonstra que seus formandos em cursos superiores de tecnologia apresentam 92% de índice de empregabilidade nas áreas em que estudaram e os de ensino médio profissionalizante, 86%. Há uma demanda importante por esse tipo de profissional e aumentar a atuação do poder público nesse segmento faz muito sentido.

A política cultural pode contribuir também, ao ampliar as percepções sobre fontes de lazer, não as restringindo ao clássico boteco do fim de semana, causa principal dos conflitos com morte entre jovens de sexo masculino. Mas a cultura ajuda inclusive a tornar menos restrito, e potencialmente menos sujeito à violência, o uso do tempo livre dos jovens de classe média. Falta de acesso à cultura pode ser um dos fatores que levam alguns jovens de elite a associar prazer apenas com velocidade, brigas, humilhação e agressões a prostitutas ou empregadas domésticas, ou consumo de substâncias alucinógenas. O contato com as artes, ao mobilizar energias criativas de jovens de diferentes segmentos sociais, seja para o usufruto ou para o protagonismo cultural, pode ser um elemento importante na prevenção de violência. Os esportes desempenham papel assemelhado. Crianças e jovens que, após a escola, podem praticar, com regularidade, esportes que permitam que se destaquem e obtenham um lazer agradável são, comprovadamente, menos sujeitos ao recrutamento do narcotráfico.

Mas há algo de muito concreto que prefeitos de megalópoles podem fazer para eliminar focos de violência associados ao crime organizado: garantir uma forte presença do Estado em áreas onde hoje existe um poder paralelo a fornecer “serviços públicos”, como a Máfia fazia em seus áureos tempos. Traficantes em diferentes capitais do País cuidam das viúvas, oferecem emprego, lazer (como o baile em que a bomba explodiu por descuido) e poder à juventude e autorizam, se conveniente, a entrada do poder público para vacinar as crianças, de ONGs ou igrejas que aceitem a regra do silêncio ou mesmo se ponham a serviço dos grandes chefes. Isso não pode ser aceito! O Estado tem um papel a cumprir e não pode conviver com a existência de territórios sem lei.

Nesse aspecto, Bogotá nos dá um exemplo a ser copiado. No combate aos narcotraficantes, fez uma intervenção em áreas por eles controladas, instalando ali bibliotecas-modelo, escolas modernas construídas e geridas por organizações sociais, centros desportivos e culturais e, naturalmente, presença visível e atuante da polícia.

É fundamental não tolerar essa lógica perversa da violência que destrói vidas e dissemina insegurança. E o enfrentamento dessa visão distorcida demanda a promoção de uma ética do esforço, o respeito às leis e regras sociais básicas, a valorização do trabalho do policial (que aparentemente não ousamos fazer, por associarmos essa idéia à ditadura) e o investimento em políticas públicas integradas, em especial uma educação de qualidade que promova empregabilidade e autonomia.

Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita e professora do Ibmec-SP, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária da Cultura do Estado de São Paulo

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