quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O fator Palin


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


ST. PAUL, Minnesota. A política americana, que girou nos últimos meses em torno do democrata Barack Obama, agora tem outro parâmetro, a governadora republicana do Alasca, Sarah Palin. Diante das posições políticas dos dois, pode-se dizer que houve um retrocesso no processo, que antes era polarizado entre o progressista Obama e o conservador liberal McCain. O fato de dois políticos novatos e inexperientes terem condições de vir a ocupar a Presidência da maior potência mundial pode ser um sinal de decadência, mas pode também significar uma ansiedade por mudança, uma necessidade de começar de novo. Obama e Palin são políticos distintos entre si, e aparentemente é descabido compará-los. Mas só aparentemente. Na verdade, a escolha de Sarah Palin não apenas minimizou os previsíveis efeitos do sucesso da convenção dos democratas em Denver como dominou a cena política, a ponto de o próprio Obama ter caído na armadilha de discutir quem era mais experiente.

Ele já havia ganhado um inesperado presente com a escolha de Palin, que retirou da campanha de McCain a tese da inexperiência. Mas quis ir além, e foi infeliz. Comparou sua experiência nos últimos dois anos de campanha com a de Palin à frente da prefeitura de Wasilla: a pequena cidade do Alasca tem cerca de 50 empregados na prefeitura, e Obama tem 2.500 na sua campanha. O orçamento de Wasilla é de US$12 milhões, enquanto Obama tem o triplo disso por mês na sua campanha.

Uma disputa "risível", respondeu a campanha de McCain, lembrando que Palin está à frente de um estado que tem um orçamento de US$10 bilhões e uma reserva estratégica de petróleo, ampliando a importância de um estado que tem, na definição do "The New York Times", um quarto da população do Brooklin.

O "fator Palin", como está sendo chamada a chegada ao protagonismo político nacional da governadora do Alasca, seria "uma rajada de ar fresco" na política republicana, da mesma maneira que os democratas se referiam a Obama no início das primárias.

Palin é uma espécie de "caçadora de marajás", que derrotou no Alasca a velha guarda da política republicana, corrupta e ineficiente, e assumiu o governo como um trator, enfrentando o lobby das petrolíferas, obrigando-as a pagar mais impostos, mas em troca defendendo a ampliação das áreas de exploração.

Se sua maneira desassombrada de fazer política lhe valeu um lugar destacado, trouxe-lhe também problemas, que agora ameaçam a meteórica carreira e podem trazer problemas para a campanha conservadora. Ela está respondendo a um processo de abuso de poder por supostamente ter demitido o comissário de segurança pública, Walter Monegan, que não teria querido demitir um subordinado, ex-cunhado de Palin que estava em litígio com a irmã da governadora num processo tumultuado de divórcio.

Membro destacada da igreja evangélica Assembléia de Deus, militante antiaborto e a favor da abstinência sexual antes do casamento, Palin trouxe para o debate político suas posições morais e questões familiares, como seu filho Trig, que tem Síndrome de Down, e a gravidez de sua filha de 17 anos.

Sua defesa da manutenção da gravidez pode lhe trazer bons frutos eleitorais, ao mesmo tempo em que está revivendo a dubiedade de Obama com relação ao aborto.

Quando foi questionado sobre sua posição sobre o aborto pelo pastor Rick Warren, da Saddleback Church, num debate que foi televisionado, Obama tentou contornar o tema delicado: "Penso que, tanto da perspectiva teológica quanto da científica, está acima das minhas possibilidades responder especificamente".

Da mesma maneira que Obama tinha um pastor polêmico, Palin também tem, só que, enquanto o democrata teve que ser ágil para se livrar do reverendo Jeremiah Wright, da Igreja Batista da Trindade Unida de Cristo, de Chicago, para não se contaminar com seu radicalismo, Palin não parece querer se distanciar do pastor Ed Kalnins, da Assembléia de Deus de Wasilla, que diz que os críticos do presidente Bush "serão enviados para o inferno"; que a Guerra do Iraque é uma guerra "pela fé" contra os terroristas da Al Qaeda; e que Jesus também utilizava a guerra para defender seus princípios.

A governadora do Alasca também gosta de misturar política e religião. Falando recentemente para uma turma de formandos na Assembléia de Deus de Wasilla, ela disse que a Guerra do Iraque era "messiânica" e que os Estados Unidos agem com a bênção de Deus.

Para Obama, aceitar as críticas de Wright aos Estados Unidos traria prejuízos políticos em parte junto aos seus eleitores, mas sobretudo daria munição aos seus adversários. O pastor Jeremiah Wright disse, por exemplo, que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 foram uma retaliação à política externa dos Estados Unidos, e pediu que as pessoas presentes na igreja falassem "Deus amaldiçoe a América" no lugar do tradicional "Deus abençoe a América", num sermão gravado e que passou várias vezes na televisão.

Mas Sarah Palin só ganha politicamente entre os republicanos grudando sua voz à do pastor de sua igreja, reforçando o eleitorado evangélico que estava descontente com McCain. Esse ganho político para os republicanos, no entanto, pode ser menor do que a perda de credibilidade. As pesquisas de opinião mostram que, até o momento, os eleitores consideram que McCain é uma escolha menos arriscada do que Barack Obama.

Com a possibilidade de Sarah Palin assumir a Presidência, em caso de McCain, que fez 72 anos semana passada, vir a ter problemas de saúde, a escolha de Palin torna-se pelo menos tão arriscada quanto, no quesito falta de experiência, sem levar em conta a qualidade da proposta dos dois. Resta saber de que lado a maioria do eleitorado está em questões como a Guerra do Iraque ou o aborto.

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