terça-feira, 23 de setembro de 2008

O fim do mundo


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. "Se não aprovarem o pacote até sexta-feira, não teremos segunda-feira", comenta um executivo financeiro brasileiro diante das negociações que se desenrolam no Congresso em Washington. Esse é o tom catastrófico, com a previsão do fim do mundo, que está sendo usado pelas autoridades econômicas dos Estados Unidos na tentativa de colocar contra a parede a maioria democrata, de cuja adesão depende a aprovação das medidas. O Partido Democrata está em uma sinuca de bico. Se não aprovar o pacote de U$700 bilhões do governo, que tem o objetivo de reorganizar o mercado financeiro, mas ninguém sabe que resultado terá, será culpado pela crise que inevitavelmente virá, com conseqüências imprevisíveis, até mesmo não termos uma segunda-feira no dia 29 de setembro.

Se, no entanto, aprová-lo nos termos em que foi para o Congresso, os democratas estarão se submetendo ao rolo compressor republicano, o que já se mostrou altamente prejudicial quando ajudaram a aprovar o Patriotic Act, em conseqüência dos atentados de 11 de setembro de 2001, e depois foram acusados de terem dado suporte a atitudes radicais do governo, inclusive escutas ilegais e torturas a presos políticos.

Aprovar poderes ilimitados para o secretário do Tesouro, mesmo que tenham perspectiva concreta de poder a partir de 15 de janeiro do ano que vem, sem que os cidadãos comuns que não conseguem pagar suas hipotecas tenham algum tipo de alívio, seria dar um aval ao governo republicano que causou toda essa tragédia econômica.

Aprovar um socorro aos bancos e banqueiros que quebraram, sem limitar seus ganhos daqui para frente seria o mesmo que admitir que ninguém tem que ser punido pela ganância e pela irresponsabilidade que o candidato democrata Barack Obama aponta como as verdadeiras razões da crise.

O pacote de socorro que o governo republicano montou no último fim de semana tornou-se o ponto central da campanha presidencial, e nem mesmo o candidato oficial, o republicano John McCain, encontra ambiente político para dar um aval cego à administração Bush.

Ele criticou o governo por não ter se adiantado à crise, e disse que não é possível dar um poder tamanho ao secretário do Tesouro Henry Paulson, que, pelo projeto apresentado, poderia definir unilateralmente o que fazer com o dinheiro aprovado pelo Congresso e seria inimputável em qualquer instância judicial.

McCain está propondo que uma comissão de "notáveis", mesmo que partidários, tenha a incumbência de acompanhar e fiscalizar as decisões da Secretaria de Tesouro durante os dois anos estimados para a limpeza do mercado financeiro.

Obama também não está disposto a dar "um cheque em branco" para a administração Bush, e leva a discussão para a proteção aos mutuários da casa própria. O que retirará de sua candidatura a ameaça de ser considerada co-responsável por qualquer medida impopular que venha a ser tomada pelo governo na defesa dos interesses de Wall Street, que Obama coloca como contrários aos interesses da "Main Street" (rua principal), ou seja, a população de maneira geral, que não tem dinheiro aplicado, mas sofre com as conseqüências da crise na economia real.

Há também um consenso entre os candidatos de que uma nova regulamentação do mercado financeiro deverá surgir dessa crise, com um acompanhamento mais próximo e mais firme de agências reguladoras, novas ou mais provavelmente as já existentes, mas com poderes reforçados e, mais importante até, falando entre si, para que o acompanhamento do que acontece no mercado tenha mais transparência. E as informações possam ser consultadas pelos participantes do jogo, sejam os investidores pessoas físicas, sejam as empresas.

Uma das razões por que os próprios bancos pararam de emprestar dinheiro entre si, na semana passada, foi que não havia informações confiáveis no mercado sobre que instituições tinham crédito podre, e em que quantidade.

Parece inevitável que o mercado financeiro não seja mais o mesmo daqui para frente, e que alguns investimentos desapareçam, por falta de ambiente propício a alavancagens estratosféricas como vinha acontecendo.

Um tema que já se discute abertamente, mas não agrada aos participantes do mercado financeiro, e muito menos aos candidatos, é a conseqüência de todo esse movimento de salvamento na economia real.

O próximo presidente, a ser eleito em novembro, receberá o país com o enorme déficit fiscal ocasionado pela guerra do Iraque e aumentado pelo pacote que está em debate no Congresso.

O programa de impostos que os dois candidatos apresentaram já não tem mais nada a ver com a realidade, nem os cortes prometidos por Obama para as classes mais baixas, nem o aumento apenas para os mais ricos.

Também McCain não poderá manter sua promessa de permanecer na política de Bush de incentivar as classes produtoras cortando impostos, e nem garantir que não aumentará os impostos de ninguém.

Parece inevitável, embora dificilmente o tema venha a ser puxado por qualquer dos candidatos, que um aumento de impostos em 2010 aconteça diante do aumento dos gastos públicos já contratados.

Como o orçamento de 2009 já estará aprovado pelo Congresso com base na proposta do atual governo, a calibragem desse aumento terá que ser feita no segundo ano da próxima administração, quando já teremos uma idéia de como o novo governo estará lidando com a "herança maldita" recebida da gestão Bush.

Isso na suposição de que o pacote será aprovado ainda esta semana, e que o fim do mundo não chegará na próxima segunda-feira.

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