quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O PSDB, o DEM e a antropofagia eleitoral


Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A vida do PSDB não está nada fácil. A briga do candidato tucano à prefeitura de São Paulo, Geraldo Alckmin, para chegar ao segundo turno das eleições a qualquer preço, está adicionando nome e sobrenome a uma crise de identidade séria, profunda e que poderá ter enormes repercussões nas alianças, nos compromissos e até nas chances eleitorais do partido nas eleições de 2010. Alckmin agrega ingredientes a essa crise, mas o simples fato de ele ter poder para isso já é um indicativo de que o PSDB vive grandes impasses.

Ao fim e ao cabo, Alckmin acabou sendo a expressão, a representação física de uma opção ideológica que obriga o PSDB, local ou nacionalmente, a se unir e ao mesmo tempo disputar poder com o DEM. A aliança entre o PSDB e o DEM ficou pouco funcional, visto que a unidade dos dois não significa agregar duas faixas de eleitores diferentes; a disputa entre o PSDB e o DEM tornou-se antropofágica.

O candidato tucano à prefeitura é um político que, perto das estrelas do partido, estaria fadado a permanecer nos limites da política paulista, em especial no interior do Estado, onde tem, de fato, um eleitorado para chamar de seu. Quanto mais o partido foi para o centro, todavia, mais atraiu Alckmin para o cenário nacional.

Não existem grandes diferenças ideológicas, ou táticas, entre Alckmin e os tucanos do PSDB nacional de hoje. Foram eles que ascenderam quando as estrelas do partido - os chamados cardeais - ocupavam governos estaduais para se credenciarem a postular a Presidência da República, ou se aposentavam (ocorreram as baixas também - as maiores foram a do governador Mário Covas e a do ministro Sérgio Motta). Foram eles que passaram a ocupar os postos de comando do partido quando o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), numa coalizão às avessas, assumiu completamente o conservadorismo do parceiro PFL (hoje DEM), em vez de trazê-lo para o centro, e transferiu para o ministério quadros do PSDB que seriam vitais naquele momento para manter algum elo da estrutura burocrática tucana com a social-democracia.

A qualidade dos políticos que estão no comando partidário hoje não é muito superior à de Alckmin. Eles são o produto das mesmas opções feitas pelo partido quando estava no poder. Na oposição, em algum momento isso teria que repercutir no equilíbrio de poder interno. Era inevitável.

Com um perfil certamente menos cosmopolita e de menor preparo que outros quadros paulistas, ainda assim Alckmin expandiu a sua liderança no Estado - e de alguma forma foi estimulado pelo grupo que hoje se opõe a ele, certo de que o ex-governador manteria a mesma dobradinha que fez com Covas, em que um fazia política nacional, o outro política local. Os cardeais do partido, por horror a disputas internas ou por falta de entendimento do que representaria ceder a hegemonia a uma ala conservadora ideologicamente e afeita à política tradicional, abriu facilmente espaço para a expansão da liderança de Alckmin também a nível nacional. Hoje, qualquer marola do ex-governador no horário eleitoral gratuito, numa disputa local, tem repercussão nacional. O ex-governador, que faz política local, tornou-se, por inércia, uma personalidade nacional.

Quando era situação, o PSDB facilmente acomodava esses impasses ideológicos via política tradicional. Aliás, a guinada conservadora e a aliança com o PFL facilitavam isso. Na oposição, e principalmente na oposição a Lula, essa deixou de ser uma solução possível. O PSDB e o DEM, afinal, não estão no governo federal e não detêm a máquina que lhes permitiria operar essa política. Além do mais, a política tradicional está de cabeça para baixo, quer pela popularidade de Lula na população normalmente atraída pela política de compadrio - o que reduziu os espaços de influência especialmente do DEM no Nordeste -, quer pela política de complementação de renda, que tem desintermediado o voto do pobre. Fazer política tradicional nos Estados e municípios, nessa conjuntura, também não é muito fácil. Na população de maior renda e maior escolaridade, o PSDB e o DEM estão disputando voto a voto - isso é claro nas últimas pesquisas eleitorais da capital paulista. O impasse é claro: os quadros que estavam solidamente instalados na máquina burocrática do partido quando FHC deixou o poder não tinham vínculos orgânicos com a social-democracia, tinham um perfil ideológico e uma prática política assemelhados aos do PFL, e, uma vez destituídos da máquina de governo, não conseguiram fugir do modelo de oposição udenista.

Essa é a argamassa que modela o partido nesses seis anos de oposição. E não é à-toa que o PSDB não consegue se contrapor ideologicamente à popularidade de Lula. A oposição udenista é a oposição do discurso, do ataque pessoal, da manobra, da "onda de pânico". Uma das contra-indicações desse padrão de oposição é que o discurso do ataque pessoal torna-se padrão. E da cada vez maior semelhança ideológica com o DEM, é que, numa disputa eleitoral, não é possível diferenciar o discurso, já que os partidos não são diferentes. Prevalece, então, o ataque pessoal. Espera-se que, até 2010, o PSDB tenha resolvido esse impasse. Senão, será a nacionalização do bate-boca.


Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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