quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um copo pela metade


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Forte no jogo político pelo alto, Dilma tenta se tornar uma candidata robusta na base, o que não aconteceu até agora. É aí que entra o marketing

A grande popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo atingiu 64% de avaliação positiva (bom e ótimo), é um assunto fora de discussão. O mesmo não acontece com a possibilidade de transferir esse prestígio para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), na sua sucessão em 2010. É como um copo pela metade. Os governistas dizem que está quase cheio; a oposição, quase vazio. Que variáveis podem de fato encher ou esvaziar o copo de Dilma? São sobretudo três: o cenário econômico, a política de alianças e a pegada eleitoral da candidata.

A estratégia

Para o diretor-presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, o copo está quase vazio. Ele não acredita na possibilidade de Lula transferir seu prestígio para Dilma. “Lula tem uma trajetória única. Escapou de morrer de fome no Nordeste, viajou de pau-de-arara para São Paulo, foi engraxate, perdeu um dedo no torno mecânico, comandou greves quando ninguém vazia isso, foi preso pela ditadura, fundou um partido, disputou e perdeu três eleições para presidente da República e venceu duas”, resume. Qual a ligação de Dilma com a história de Lula? Quase nenhuma. Isso significa que ela não tenha uma biografia política? É claro que não. Mas tem uma história diferente, é a jovem estudante que virou guerrilheira, foi presa e torturada, cuja maior proeza foi “expropriar” o cofre do ex-governador paulista Ademar de Barros, criador do “rouba mas faz”. Sua militância política nem de longe será capaz de produzir um carisma semelhante ao de Lula.

Como, então, encher o copo de Dilma? Primeiro, garantindo um cenário econômico que lhe seja favorável, com a inflação sob controle, o país crescendo, os programas sociais aos mais pobres e grandes obras para todo lado. Tal cenário favoreceria o continuísmo, o desdobramento da gestão de Lula com a eleição de uma pessoa identificada com suas realizações. Segundo, com a aglutinação das forças políticas que apóiam o governo em torno de Dilma, o que implica em consolidar seu nome nas bases do PT, fazer uma boa amarração com o PMDB e outros partidos aliados e remover a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB). Terceiro, com o marketing político, transformar a executiva da burocracia estatal, perfil de Dilma, na “fazedora de obras” e no trator eleitoral.


As contingências

Com a régua e o compasso do Palácio do Planalto, essa arquitetura pode até dar certo, pois o ambiente é favorável. Mas também pode dar errado. Toda a estratégia sofre fricção, mesmo a bem sucedida. É no seu curso que os obstáculos aparecem. Um problemão é a mudança no cenário econômico. Até aqui, o Brasil tirou de letra a crise financeira norte-americana, mas a situação está ficando cada vez mais estranha. A economia brasileira enfrenta razoavelmente bem a turbulência, mas os prognósticos são de que o país crescerá menos nos próximos anos. Tudo vai depender da China. Se continuar crescendo, o Brasil terá mais chances de manter a economia aquecida.

A segunda contingência é a unidade do bloco governista. O PT reivindica a cabeça de chapa porque é o partido do presidente e sairá das eleições mais robusto. Mas é cedo para falar em uma onda vermelha que varre o país. A cúpula petista espera conquistar as prefeituras de Rio Branco, Porto Velho, Palmas, Fortaleza, Recife e Vitória com facilidade. Porém, terá que suar a camisa para ganhar em Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Se conseguir, é o suficiente para impor a candidatura de Dilma aos aliados e remover a candidatura de Ciro Gomes (PSB). Entretanto, isso não significa garantir o apoio do PMDB, partido que gosta de cristianizar os candidatos e apoiar aquele que está ganhando. A legenda tradicionalmente deriva nas eleições de acordo com as conveniências locais de seus caciques.

E falta o principal: combinar com o eleitor. Segundo Montenegro, Lula pode transferir por gravidade de 12% a 15% de intenções de voto para Dilma, não mais do que isso. É o tal copo pela metade. O risco é de uma escolha errada. Forte no jogo político pelo alto, Dilma tenta se tornar uma candidata robusta na base, o que não aconteceu até agora. É aí que entra o marketing político. Se fracassar, por mais incrível que hoje pareça, a oposição terá chances reais de vitória.

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