segunda-feira, 27 de outubro de 2008

As novas condições macroeconômicas para 2009


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A piora da crise financeira em outubro levou a uma nova revisão para baixo do crescimento mundial em 2009. As previsões mais recentes apontam para um quadro grave, de recessão profunda, inclusive no mundo em desenvolvimento. Os mercados de ações finalmente arbitraram as expectativas de lucros das empresas para este cenário de crescimento e continuaram em queda vertiginosa. O ano novo vai se iniciar sob o impacto de uma destruição nunca vista de riqueza financeira no mundo.

Esta revisão abrupta das perspectivas de crescimento mundial mudou o cenário para os países emergentes, causando um colapso de confiança no mercado de títulos de crédito. Depois da venda agressiva de ações estamos assistindo agora uma fuga a qualquer preço dos instrumentos de dívida privada e soberana de países como o Brasil. Os títulos soberanos estão sendo negociados com um prêmio de risco de 7% e no caso de empresas privadas - inclusive nossos grandes bancos - este prêmio chega a 9%. Na prática, isto significa que não existe mais a possibilidade de acesso a estes mercados em 2009.

Além disso, a grande correção no valor do dólar das últimas semanas levou a uma desvalorização de mais de 40% nas moedas dos países emergentes como o Brasil. Foi um movimento geral e que atingiu inclusive moedas fortes como o euro e a libra. Outra face deste movimento do dólar é o fato de que os preços internacionais das principais commodities exportadas pelo Brasil, bem como das principais matérias primas por nós importadas, caíram quase na mesma proporção. Ou seja, em reais os preços estão relativamente constantes. Além disso, é um movimento de apreciação da unidade de conta global contra todas as moedas (menos o yen), o que implica (além do efeito deflacionista global) que em relação a nossos parceiros comerciais a desvalorização do real é bem menor.

Estes fatos novos não estão sendo considerados por muitos analistas, que continuam raciocinando como se o choque externo gerado pela queda do real tivesse o mesmo efeito inflacionário das experiências passadas. Por exemplo, o modelo de inflação construído pelo Banco Central do Brasil tem este defeito - ou "flaw" para usar um termo recente de Alan Greenspan - e que pode levar a uma superestimação da inflação em 2009.

É claro que há riscos inflacionários importantes, mas é preciso entendê-los corretamente. O efeito macroeconômico mais importante para a inflação decorre da redução de nossos termos de troca com o exterior. Tal redução deriva da queda dos preços dos principais produtos primários de exportação, que será apenas em parte mitigada por menores preços das matérias-primas que importamos em volume expressivo. A conseqüência desta redução dos termos de troca é uma menor capacidade de importar da economia brasileira.

Ora, o aumento continuado e expressivo de nossas importações era o elemento mais importante que vinha permitindo um crescimento da absorção interna pelo menos 3 pontos percentuais acima do PIB potencial sem criar grandes tensões inflacionárias. Tudo o mais constante, portanto, será necessária nos próximos meses uma forte redução do consumo das famílias, do investimento privado e dos gastos totais do governo, de modo a alinhar o crescimento da demanda doméstica com o PIB. Se isto não ocorrer, a inflação vai se acelerar de forma vigorosa. É aí que está o risco inflacionário principal.

Outra razão para este alinhamento é o ambiente global hostil que enfrentaremos em 2009. Neste mundo mais pobre e menos brilhante em termos de movimento de capitais, não mais será possível incorrer em déficits crescentes na conta corrente, como foi o padrão brasileiro em 2007 e 2008. Se esta situação persistir poderemos enfrentar muito rapidamente questionamentos quanto a nossa solvência externa, problema que não temos ainda hoje.

Neste cenário, como o governo não dá sinais de redução de seus gastos, todo o ajuste de demanda deverá ser suportado pelo setor privado. Se as condições fossem normais, a conclusão inescapável seria um forte ajuste de juros pelo Banco Central. Mas as condições não são normais, por uma razão muito simples: está ocorrendo um fenômeno importante de descontinuidade no mercado de crédito no Brasil. Em função da grave crise de confiança na economia, os bancos brasileiros, depois de pelo menos dois anos de expansão de quase 30% no volume de crédito ofertado, pisaram de forma violenta nos freios. Não por opção, mas por necessidade.

Preocupados com os efeitos de uma rápida desaceleração da economia em função da crise externa os bancos estão adotando - corretamente - uma posição extremamente conservadora em sua política de operações. Contribuiu para isto o problema gravíssimo criado pelas perdas com derivativos cambiais incorridas por um grupo grande de empresas brasileiras. Em resumo, o crédito ficou mais escasso e caro em um momento em que empresas e consumidores operavam com grande entusiasmo e confiança no futuro. O resultado será uma queda expressiva da atividade econômica, dos investimentos e do consumo, em linha com o que será preciso que ocorra para o ajuste macroeconômico em 2009. Em outras palavras, a interrupção do canal de crédito fará grande parte, senão todo o trabalho de contenção de demanda, que em outra situação deveria estar a cargo da política monetária.

Na próxima semana o Copom vai realizar sua penúltima reunião do ano enfrentando um de seus maiores desafios. Como decidir em um ambiente de muitas incertezas quanto ao futuro da economia no Brasil e no mundo? Além disso, os distúrbios chegaram ao comportado mercado de DI na BM&F que já precifica mais de 17% a.a. nas operações de juros futuros. Na prática já ocorreu um aumento brutal do custo do dinheiro para as empresas brasileiras.

Por tudo, me parece que a decisão mais correta e sensata será uma parada no processo de aumento dos juros pelo menos até a próxima reunião em dezembro. O profundo corte na oferta de crédito bancário e comercial pode ser suficiente para reduzir a demanda interna e ancorar as expectativas de inflação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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