sábado, 4 de outubro de 2008

Distribuição de lucros


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As disputas eleitorais em São Paulo têm tanto peso, são tão importantes na ordem geral das coisas da política que produzem ganhos suficientes para serem distribuídos até entre os perdedores.

Quem consegue chegar até lá já é por definição um vencedor. Vejamos o caso de Geraldo Alckmin, a quem se atribui a posse do troféu “dano irreparável” caso o eleitor não lhe dê amanhã uma chance de concorrer na final de 26 de outubro com Marta Suplicy.

Se terminar beirando os 20% como prevêem as pesquisas, na sua condição de vivente alimentado a votos, o tucano terá muito mais do que teria se tivesse ficado quieto no aguardo da legenda do PSDB para concorrer ao governo de São Paulo em 2010.

Exibiu-se teimoso, maculou a imagem de bom moço, passou a campanha às tontas sem saber direito qual história deveria contar no palanque, mas se exibiu. De todo modo está na boca do povo.

Contra isso há o argumento de que, sem a vaga no segundo turno, terá perdido a batalha interna para o governador José Serra. Além de uma meia-verdade, a assertiva parte de uma premissa falsa, pois Geraldo Alckmin nunca teve nem disputou a supremacia da influência na máquina do PSDB.

Nas duas vezes em que bateu de frente com Serra o confronto não chegou a se realizar. Em 2006, o então prefeito queria ser candidato a presidente, mas resolveu pular fora por avaliar que corria o risco de repetir 2002, quando ignorou as resistências, foi abandonado por sessões inteiras do partido e terminou vítima da teimosia e do excesso de confiança nos índices das pesquisas.

Em 2008, Serra poderia ter enfrentado Alckmin na convenção do PSDB e ganhado com as mesmas armas que levaram Gilberto Kassab do ostracismo à ante-sala do time de estrelas da política. Mas o custo seria enorme: ficaria com a fatura do “racha”, contrataria novos obstáculos internos e prejudicaria a “naturalidade” da construção da futura candidatura presidencial.

Geraldo Alckmin conseguiu se impor duas vezes sem medir forças, só contando com a prudência estratégica do adversário.

Portanto, ganhou mais do que se tivesse ido para casa depois de deixar o governo de São Paulo, ficando à espera do que dificilmente viria. O entendimento com o grupo do governador, como se vê pelos termos em que se expõem essas relações, era a aposta menos rentável no campo das probabilidades.

Alckmin investiu muito além da medida de seus atributos - basicamente, dois: a condição de herdeiro de Mário Covas e uma suposta “predestinação” ao sucesso - e nem de longe pode dar-se por insatisfeito com a colheita.

Na pior das hipóteses, depois de amanhã terá atrás de si a cúpula do tucanato a reverenciar o valor de seu apoio. Na melhor, será dono de um passaporte ao paraíso.

A respeito de Kassab, sequer cabe análise nesse panorama visto sob a ótica das derrotas de cada um, porque seus ganhos são óbvios demais para quem entrou nessa quase por acaso, praticamente empurrado pelo então presidente do PFL, Jorge Bornhausen, para a vice de José Serra na municipal de 2004.

Marta Suplicy também está plenamente credenciada a participar do jogo do contente, mesmo que a maré do favoritismo vire no segundo turno e ela fique sem a prefeitura e, talvez, até sem a possibilidade de voltar ao ministério.

No cenário de deserto de nomes do PT para enfrentar Serra na preliminar em curso, Marta já fez um bonito danado. Carregou o partido na ponta das preferências a campanha toda e mostrou que, não obstante a rejeição quase matadora, é senhora de vários milhões de votos.

Perdendo, põe esse capital num belo estandarte, dá argumento para o PT paulista pôr em movimento a articulação de sua candidatura para governadora ou presidente em 2010 e ainda contará com a vantagem de se livrar de experiências já vividas.

Digamos que hoje interesse muito mais a Marta Suplicy uma disputa bem travada do que um resultado que a prenda às obrigações de ser prefeita. Se não conseguir ganhar, ainda assim o PT lhe será devedor, pois sem ela hoje muito provavelmente estaria fora da competição em São Paulo.

Se juntarmos a isso a posição lamentável do candidato do partido no Rio e a anulação da identidade petista em Belo Horizonte, enxergamos com nitidez a dimensão do serviço que Marta Suplicy - perdendo ou ganhando - prestou ao PT pelo simples fato de ser candidata.

E, por que não dizer, a si - por motivos quase iguais aos de Alckmin, guardadas todas as diferenças -, por renovar o patrimônio imobilizado desde a derrota de quatro anos atrás, e ao presidente Lula.

Com toda sua popularidade, ele não pôde circular à vontade na segunda e na terceira maiores cidades do País por conta da insuficiência de desempenho do PT. Na primeira, conseguiu fazer o papel de grande cabo eleitoral graças a Marta.

Contas pagas, no segundo turno, porém, a história será outra. Lula vai calibrar sua presença: nem tão perto que seja obrigado a dividir a derrota nem tão longe que fique impedido de repartir a vitória.

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