terça-feira, 14 de outubro de 2008

É a economia


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Mesmo tendo apresentado novos pontos de um plano econômico que pode ser considerado populista, que tem mais o claro objetivo de reforçar sua situação eleitoral na classe média do que resolver a crise, o candidato democrata Barack Obama saiu na frente de seu adversário republicano, John McCain. Na verdade, os candidatos à Presidência dos Estados Unidos continuam sem conseguir passar para os eleitores uma segurança sobre como vão encarar a crise econômica que herdarão da gestão Bush mas, pelo menos, Obama já apresentou algumas propostas concretas. A única de McCain, anunciada no último debate, foi de que o governo compre as hipotecas de alto risco e as coloque no mercado a preços acessíveis, um programa de US$300 bilhões. Dentro do próprio Partido Republicano, a proposta provocou controvérsias, com o candidato recebendo críticas por essa interferência governamental na economia.

As propostas de Obama, anunciadas ontem, complementam outras medidas anteriores, como o corte de impostos para 95% das famílias, promessa que ele mantém, mas o plano não parece realista, pois o cálculo de sua assessoria é de que gaste cerca de US$175 bilhões, sendo US$60 bilhões com as novas medidas.

O projeto do candidato democrata prevê um desconto de US$3 mil nos impostos das empresas para cada emprego criado no país nos próximos dois anos.

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e atualmente sócio de um fundo de investimentos em Nova York, vê "uma certa lógica" nas propostas de Obama, embora ressalve que "a experiência com subsídios para emprego não é muito boa, a dificuldade não é só dar emprego, mas retê-lo".

O candidato democrata propôs ainda uma moratória de 90 dias nas execuções hipotecárias para os proprietários que moram em casas hipotecadas, e a permissão para que as famílias retirem US$10 mil das suas contas de aposentadoria, sem pagar taxas.

Paulo Vieira da Cunha acha que "certos estímulos", que podem ser considerados populistas, seriam uma medida correta "porque, afinal de contas, você está gastando trilhões para fazer um resgate financeiro que está protegendo uma camada bastante abastada da população, além da previdência privada, que é muito importante nos Estados Unidos".

Mas considera o pacote "muito pequeno, são medidas tímidas, US$60 bilhões é pouco para o problema das hipotecas, para colocar um piso no valor do preço dos imóveis". Vieira da Cunha lembra que existem cerca de 1,5 milhão de casas não vendidas, gerando pressão deflacionária no mercado habitacional.

Os empréstimos para estados e municípios, também previstos no pacote de Obama, fazem sentido para Vieira da Cunha "porque existe estrangulamento de crédito e, daqui a pouco, não vão poder pagar polícia, lixeiro". Ele acha que "tem uma certa racionalidade o Tesouro entrar nesse tipo de conta, por que ele está dando um empréstimo baseado em receitas tributárias futuras".

A dificuldade, ressalta, lembrando experiências no Brasil, é controlar esse mecanismo para não deixar que essa renegociação se espalhe pelo sistema financeiro.

Paulo Vieira da Cunha acha que se os dois candidatos fossem mais explícitos em suas plataformas econômicas, ajudariam a crise de confiança que atinge o sistema financeiro. Para ele, as medidas anunciadas pelos governos europeus, que deram um ânimo renovado ao mercado financeiro, "têm fundamentos corretos".

Ao garantir todos os pagamentos interbancários numa medida extrema, analisa Vieira da Cunha, "obviamente mesmo os bancos que estão falidos estão sendo mantidos vivos, num processo onde não precisa nenhuma discriminação ao empréstimo entre bancos. Isso põe um chão, você sabe que é verdade que nenhum banco na Europa vai falir".

Essa, porém, é uma "situação insustentável ao longo de vários meses", diz ele, pois gera "toda uma série de incentivos perversos", mas, no curto prazo, dá a tranquilidade necessária. Além do mais, Paulo Vieira da Cunha lembra que, na Europa, "eles têm essa tradição de estatizar bancos. Nos EUA é muito mais difícil o setor público administrando os bancos, é uma decisão muito mais violenta".

"Na Inglaterra, há a garantia de que os bancos serão privatizados depois e, no resto da Europa, era normal bancos estatizados até 30 anos atrás". Nos Estados Unidos, Vieira da Cunha diz que não há nem mesmo instrumentos para que funcionários do Fed (o Banco Central americano) ou do Tesouro administrem bancos, como pode ser feito na Inglaterra.

"Você tem que recapitalizar os bancos com as estruturas de propriedade e gerencial que existem, uma situação horrorosa, pois você tem que chamar a própria gerência que quebrou o banco e dizer que vai colocar mais dinheiro para eles continuarem a administrar o banco".

Ele não acredita que o pior já tenha passado, mas admite que "existe, neste momento de incerteza enorme, a questão de sentimento. Se todo mundo achar que a situação está melhor, pode acontecer".

Mas a primeira hipótese com que Paulo Vieira da Cunha trabalha é que "essa melhora se deve também a muita gente que está querendo sair. Muitos fundos que estão precisando vender ativos porque as pessoas querem sair. Isso é o que vai acontecer. Ao longo desta semana, as pessoas vão começar a vender, vão trazer os mercados para baixo novamente e vão começar a testar".

Ele considera que a situação, sobretudo nos EUA, continua "muito delicada". No caso do Brasil, diz que estão sendo tomadas medidas bastante fortes "para tentar colocar um chão", lembrando que o Brasil sofreu mais do que qualquer outro lugar, com uma queda de quase 60% na Bolsa. "E obviamente chega um ponto em que isso pára, você começa a ter comprador a um preço irrisório. Mas ainda é melhor ser cauteloso".

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