sábado, 18 de outubro de 2008

A linha torta da coerência


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Por uma esperta e oportuníssima coincidência, o presidente Lula estava no outro lado do mundo, em Maputo, capital de Moçambique, trocando amabilidades com o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, numa dessas meia horas que marcam a vida, enquanto o Brasil atravessa momentos que custam a sumir no buraco da memória.

Más notícias para a véspera do segundo turno, com a candidata petista Marta Suplicy despencando nas pesquisas e o Fernando Gabeira sustentando a duras penas a liderança.

O nosso palavroso presidente às vezes tropeça nos calhaus das contradições.

Aproveitei o dia chuvoso para botar ordem na bagunça dos recortes de jornais e revistas e acabei por separar algumas dezenas de registros de improvisos, entrevistas, declarações, frases e sentenças do presidente mais loquaz da história deste país. Como não há espaço para reproduzir todas as pérolas da facúndia presidencial, espremi o suco de uma seleção.

É justo que comece por algumas jóias da coroa da imprensa. Para poupar espaço, omito as datas e cenários da antologia:

1 - "Eu nunca vi tanto preconceito. Porque se a imprensa brasileira tivesse comigo apenas o tratamento republicano, nada mais do que isso... Não queiram uma imprensa chapa branca, mas não quero também uma imprensa contra".

2 - "Se eu puder um dia vou publicar um livro sobre alguns articulistas deste país para mostrar a quantidade de coisas que publicam sobre mim e a minha família". E, adiante: "Vocês não sabem o que é um fardo de governar este país com uma parte da elite preconceituosa".

3 - "Pela primeira vez na história, fizemos coisas que não estavam previstas acontecer. A imprensa brasileira poderia dar esta contribuição aos leitores, porque não é possível a gente viver a vida toda subordinada à futrica".

4 - "Se tem uma coisa que ficou provada nessa eleição é que neste país existe mais povo que formador de opinião".

O fumante desdenha a lei de combate ao fumo: "Eu defendo, na verdade, o uso do fumo em qualquer lugar... Na sua sala certamente eu não fumarei, porque eu respeito o dono da sala. Mas, na minha, sou eu que mando".

Num desabafo de modéstia: "Qualquer que seja o meu sucessor vai ter um problema sério: terá que fazer mais do que um metalúrgico".

Na surpreendente defesa da união civil dos homossexuais, em entrevista à TV Brasil: "Temos que acabar com a hipocrisia, porque a gente sabe que existe. Tem homem morando com homem, mulher morando com mulher e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária".

Antes de ter siso poupado de assistir pela televisão o empate da Seleção de Dunga com a Venezuela, foi absolutamente preciso no seu pessimismo com a decadência do futebol brasileiro:

"Quando vejo o Messi – na minha opinião o melhor jogador do mundo, hoje – perder a bola e sair correndo atrás do adversário até tomar a bola ou fazer falta e vejo os nossos perderem a bola, cruzarem os braços e falarem ‘o cara da defesa que tire’"... Em outra ocasião, o desabafo amargo e preciso: "Lamentavelmente, o Brasil não tem mais o melhor futebol do mundo".

Severo nas críticas aos adversários políticos e tolerante com os que pulam a cerca, Lula já foi um crítico sem papas na língua no julgamento do Congresso: "O Congresso é uma instituição válida, mas precisa ser renovada por gente comprometida com a classe trabalhadora. Eu acho que lá a maioria é picareta".

E, na mesma batida: "De todos os deputados do Congresso Nacional, há pelo menos 300 picaretas".

Sobre o antecessor FHC e sua mais ácida implicância, não mede as palavras: "Quando precisou comprar votos para aprovar a reeleição, o presidente comprou". E, no embalo: "Temos que criar a medalha Joaquim Silvério dos Reis e entregá-la para o presidente, que é o grande traidor da independência do país".

Agora, o outro lado da benevolência: "Quem não votou no Jader Barbalho, no Pará, em 1978, para deputado federal?", perguntou o presidente em comício com público a favor.

E até da Índia mandou o seu receado à candidata do PT ao governo de São Paulo: "Anota aí no seu caderninho: a Marta vai ganhar. A campanha está só no começo". Na verdade, entra na última semana, com o prefeito Gilberto Kassab (DEM) liderando as pesquisas com confortável diferença.

Palavras, palavras o vento leva...

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