terça-feira, 28 de outubro de 2008

Mudando de conversa


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O PT não esperava arrasar quarteirões em massa País afora. Sabia que as eleições municipais em alguns locais, como São Paulo, seriam uma parada dura e que poderia haver derrotas significativas aqui e ali.

O Palácio do Planalto tampouco imaginava que o partido seria um sucesso absoluto de bilheteria e já previa que talvez fosse um fracasso junto à crítica, aí entendida como tradução do eleitorado de classe média para cima, mais escolarizado e bem informado que vem se distanciando do partido.

Mas nem o partido nem o governo estavam preparados para colher das urnas tantos resultados adversos, ao ponto de o desfecho da eleição deixar o presidente Luiz Inácio da Silva desprovido de discurso.

Sem uma vitória importante para pôr na conta de sua popularidade (Luiz Marinho ganhou em São Bernardo ao custo de muito dinheiro, empenho e, ainda assim, só no segundo turno), Lula não teve outra saída a não ser improvisar uma fala de magistrado; isso depois de ter falado como militante partidário até as pesquisas revelarem os primeiros indícios de más notícias.

De acordo com o novo script, o presidente nunca foi um partidário da tese da transferência de votos, jamais perdeu a noção de que eleições municipais dizem respeito exclusivo a temas de interesse local, nem por um momento quis dar ao pleito um caráter plebiscitário de forma a produzir uma sentença de rejeição aos seus adversários e muito menos pretendeu estabelecer relações de causa e efeito entre as eleições de 2008 e a disputa presidencial de 2010.

Ontem Lula deu logo o passo adiante anunciando uma reunião de prefeitos eleitos em janeiro para “orientá-los” sobre a aplicação dos recursos do PAC e convidando a todos para, juntos, firmarem um pacto de combate ao analfabetismo.

Uma agenda tão inusitada quanto vazia: verbas orçamentárias (a razão social da marca fantasia “recursos do PAC”) não dependem de orientação do presidente da República e pactos são entidades de plantão destinadas a preencher vazios até a ocorrência de idéias mais criativas.

Aqui, a urgência é a mudança de assunto. Qualquer coisa é melhor que a análise fria e realista do resultado da eleição, principalmente frente à expectativa criada pela sobrevalorização do capital político/eleitoral do campo governista.

Por isso o PT prefere ater-se aos resultados numéricos, citar porcentuais de crescimento de prefeituras ocupadas pelo partido ou pela “base aliada”, fazendo de conta que a eleição de 13% a mais de vereadores no País e a reeleição de 56% dos prefeitos petistas é tão ou mais importante que a redução da presença petista nos redutos de maior peso político.

O PT ganhou em muitas cidades, é verdade. Mas não ganhou nas cidades em que gostaria e está fora daquelas onde seria preciso para firmar hegemonia, coisa que obviamente não se faz no comando de pequenas capitais nem de municípios geográfica e/ou politicamente periféricos.

A contabilidade miúda não reduz o impacto da derrota de Marta Suplicy em São Paulo para um político praticamente desconhecido, cuja candidatura passou meses sendo semeada no ambiente de guerra de extermínio interno do PSDB.

Não há fabulação em torno de PAC ou de pactos que possa competir com o fato de governo tão poderoso terminar a eleição no Rio na base da disputa voto a voto e sendo representado por um candidato recentemente perdoado pelo presidente por ter sido chamado dos piores qualificativos. Isso depois de ter tido todo o plantel de aliados eliminado na primeira fase.

Impossível também esconder atrás de porcentuais o papel de caudatário do PMDB que conseguiu impor ao presidente Lula a regra da neutralidade e, com isso, posar diante de muitos eleitorados (sendo o caso da Bahia o mais eloqüente) como o verdadeiro canal de mobilização de benefícios federais.

Outra tarefa inglória a que se atribuem agora o governo e o PT é a da eliminação da figura da ministra Dilma Rousseff como candidata predileta do presidente Lula à sucessão de 2010.

Segundo a versão em vigor desde domingo à noite, o presidente Lula não apenas jamais pretendeu transferir votos como nunca pretendeu fazê-lo para Dilma e, por isso, não se pode dizer que a queda da “tese do poste” tenha enfraquecido a futura candidatura. Qual candidatura?

A mesma celebrada até há poucas semanas. A mesma que estaria agora sendo oficialmente lançada se o PT estivesse ocupado em comemorar exaustivamente os resultados e não preocupado em justificá-los à exaustão.

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