sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O muro da rejeição


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Gilberto Kassab e Marta Suplicy fizeram as duas campanhas mais competentes da disputa paulistana. A do prefeito foi capaz de contaminar sua intenção de voto pela boa avaliação de seu desempenho à frente da administração municipal. A da ex-ministra conseguiu mantê-la no topo da disputa até o final do 1º turno, mas não foi capaz de atingir uma de suas principais metas, a de reduzir sua rejeição. É este o principal obstáculo à sua vitória em 2º turno.

Não faltam esforços. O bordão "Ela está mais madura e preparada" tem sido repetido à exaustão até pelo presidente da República. Durante a campanha, a candidata petista tem-se mantido exitosamente vigilante em relação às armadilhas do destempero verbal. Admite os erros de sua gestão e busca temas para ampliar o voto além do eleitorado excessivamente periferizado de 2004. Não exibe o segundo marido, usa um guarda-roupa mais austero e não tem sido vista medindo seus interlocutores.

Nada disso foi capaz de evitar que a candidata petista chegasse às vésperas das urnas com inamovíveis 35% de rejeição. Ao disputar a prefeitura em 2004, o governador José Serra encerrou na liderança o 1º turno com apenas 15% de eleitores que o descartavam por completo. Marta, que era prefeita, chegou ao início de outubro daquele ano com o dobro desse patamar de rejeição.

Não se procurem razões em sua gestão como prefeita. Marta deixou a administração paulistana com uma avaliação tão boa quanto aquela que Kassab tem hoje (48%). Sendo que a curva de rejeição de Kassab é declinante e a de Marta, sem inflexão.

Imagem não é tudo e Geraldo Alckmin está aí para provar. O ex-governador de São Paulo chega desacreditado ao final do primeiro turno desta campanha apesar de ter uma das mais baixas rejeições de toda a disputa (17%). Entre os que não o odeiam inexiste maioria suficiente disposta a votar nele.

Com a ex-ministra Marta Suplicy (PT) ocorre o inverso. Pelo menos metade daquele terço do eleitorado que vai ao 2º turno em busca de um candidato não admite votar nela. É só fazer as contas. A maior rejeição está entre os eleitores de Alckmin (62%), mas o índice também é alto no eleitorado malufista (58%) e no da candidata do PPS, Soninha Francine (39%).

Isso explica em parte porque, nas simulações de 2º turno, Kassab arrebata 70% dos eleitores órfãos de candidatos. Outra parte da explicação é que Kassab poderá ser beneficiado pela maré conservadora de um eleitorado que, satisfeito, tende a manter os atuais grupos políticos no poder municipal.

Uma terceira explicação está na própria história eleitoral da cidade. Dos cinco eleitos desde a redemocratização, dois eram malufistas (o titular, em 1992, e sua derivada, Celso Pitta, em 1996) e dois, petistas (Luiza Erundina, em 1988, e Marta, em 2000). Até o PSDB sair de sua condição de coadjuvante e vingar, em 2004, com a eleição de José Serra, em 2004, petistas e malufistas se revezaram na condição de principal cabo eleitoral um do outro.

O malufismo foi durante oito anos a melhor opção anti-petista que o eleitorado paulistano pôde encontrar e o petismo, em duas eleições, foi a alternativa que estava à mão contra a ameaça malufista. Um e outro ganharam suas eleições com a conquista do centro. Em 2004, o ocaso do malufismo e a rejeição à Marta entregaram esse centro nas mãos do PSDB.

Enquanto o Maluf dos velhos tempos faz falta à Marta, o anti-petismo ainda faz a festa do arraial demo-tucano. Associado à recalcitrante rejeição da candidata, e às poderosas máquinas municipal e estadual, poderá tornar os próximos 23 dias curtos demais para Marta Suplicy alcançar a maioria . O PT pode até convencer o presidente a desembarcar de mala e cuia na campanha martista. O que ainda não se comprovou é que ele tenha alguma coisa a ver isso.

É a política, estúpido

O marqueteiro James Carville trabalhou pela vitória de Bill Clinton sobre George Bush, em 1992. É a ele que se atribui a máxima "É a economia, estúpido", que tentava chamar a atenção dos democratas para a necessidade de focar a campanha na recessão econômica provocada por Bush pai.

Não há dúvidas de que as alternativas à crise econômica hoje domina as preocupações do eleitor americano. Mas foi preciso que a bolha explodisse em plena campanha para que se explicitasse ao mercado o caráter político da busca por suas saídas.

A longa dominância republicana do Congresso foi capaz de, por frágeis maiorias, impor Orçamentos com generosos cortes de impostos que beneficiaram os mais ricos sob a justificativa de que estes, livres de impostos e regulações, seriam capazes de gerar mais riqueza e empregos para o país. A lógica prevaleceu em detrimento do aparato social do Estado, hoje desaparelhado para lidar com a maior taxa de pobreza do país dos últimos 50 anos.

Sócio da irresponsabilidade fiscal dos anos Bush, o Congresso americano, de longe o mais forte parlamento das grandes economias mundiais, agora será chamado a arbitrar quem pagará a conta da crise. Terá que fazê-lo sob a pressão do eleitor, o que sempre melhora a democracia, ainda que a contragosto do mercado.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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