sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O pacote anônimo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O presidente Lula tem uma solene implicância com a palavra pacote. O enjeitado substantivo não deve ser mencionado nas reuniões palacianas convocadas exatamente para tratar da sua montagem, com o elenco das medidas urgentes que bloqueiem o risco de que a crise que arruina as instituições financeiras dos Estados Unidos contaminem o Brasil, com efeitos calamitosos para os planos armados para garantir a popularidade presidencial, as obras do PAC e a eleição da ministra-candidata Dilma Rousseff, em 2010.

Na consulta aos dicionários para catar sinônimos que não arranhem os ouvidos presidenciais, o resultado é mofino: embrulho soa como deboche, trouxa piora o soneto.

Ora, fica mais difícil para a equipe econômica passar para o distinto público que no próximo domingo, dia 5, votará nos 5.562 municípios para eleger os prefeitos e vereadores, obedecer ao pé da letra às ordens contraditórias do presidente. Da recomendação terminante de que "o Natal está aí, cuidem do crédito para os exportadores, para os industriais, para os agricultores e para as pessoas físicas", sem esquecer a continuidade das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que "não podem ser ameaçado pelos efeitos da crise internacional".

Trata-se de uma mágica a exigir prodígios de habilidade dos ministros da área econômica. De alguma forma facilitada pela aterrissagem presidencial na constatação de "não podemos fingir que não existe uma crise". No que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, emendou como o eco que amplia o som: "Haverá pacote, mas nos Estados Unidos. Quem precisa de um pacotão são os americanos. Pacote é coisa do passado".

Se o equilíbrio na corda frouxa exige cautela e vista apurada para acompanhar a evolução da crise no mundo e as suas repercussões no nosso país, as eleições municipais chegam em boa hora para aliviar as aflições do Planalto. Os resultados do primeiro turno, que devem ser conhecidos na noite de domingo, garantem munição para abastecer o paiol com as especulações sobre o segundo turno. Outubro está com a agenda completa.

E daí até o fim do ano, só o imprevisto atrapalharia a temporada de repouso dos parlamentares, com as férias do Congresso, o Natal, a passagem ano. Se as urnas não prometem sustos que desestabilizem o esquema oficial, o presidente certamente aproveitará os seu vagares para as articulações que recomponham os estragos na máquina de apoio parlamentar, sem grandes mudanças no núcleo de confiança. E é inútil tentar antecipar o que só a contagem dos votos revela.

Lula já mostrou o seu repertório de esperteza e a sua facilidade em distribuir recompensas e agrados para os injustiçados pelo voto. E o que realmente conta são os grandes Estados e o conjunto da obra.

As contradições entre o que o presidente apregoa e a realidade não atravessam o escudo que protege a sua popularidade. Entre êxitos inegáveis como da Bolsa Família, da disparada dos índices de redução da pobreza e tudo o mais que tem sido balado pela maior máquina de propaganda de todos os tempo, o contraste com os desafios que permanecem intocados escorrem como água morro abaixo, pelo desligamento da opinião pública.

O inchaço das áreas urbanas com a migração interna que não cessa nem é acompanhada pelo governo, do município ao federal, infartado pelo monstrengo ministerial e que agora explode com o colapso do transito nas grandes e médias cidades. A pilhagem do aumento suspeito das multas não disfarça a situação calamitosa da rede rodoviária nacional, largada às traças. O mesmo quadro da rede portuária, da saúde pública, da educação. E nas favelas dominadas pelo tráfico de drogas, a polícia só entra nos blindados e caveirões.

Como a hiena da anedota, nós estamos rindo de quê?

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