quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tensões eleitorais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS


É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis
As eleições municipais deste ano estão transcorrendo em um ritmo peculiar. Não que seja inteiramente diferente do que tivemos em outras. Mas que há coisas inesperadas nestas, isso não se pode negar.

Eleições locais costumam ser marcadas por um nível de volatilidade maior do que é característico das estaduais e, particularmente, das nacionais. Nas escolhas de prefeito, os eleitores tendem a se comportar de maneira menos previsível, mais sujeita a oscilações repentinas. Nelas, não valem regras que se aplicam bem às outras.

Se pensarmos nas eleições de presidentes e governadores que fizemos depois da redemocratização, são raras aquelas em que houve fenômenos de “última hora”, com a arremetida de um candidato na reta final. Supondo que as pesquisas de intenção de voto estavam corretas, elas contam-se nos dedos.

Ao contrário, nas municipais isso acontece com freqüência. É como se os eleitores ficassem na espreita, aguardando a véspera da eleição para se decidir. Nessa hora, processos eleitorais que pareciam correr em trilhos conhecidos dão um tombo nos analistas e nos pesquisadores.

Este ano, algo assim aconteceu nos três maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Mesmo o que ocorreu no quarto maior, Salvador, tem aspectos semelhantes.

Em todas essas cidades, tivemos o crescimento de candidaturas, nos dias finais, que nem os próprios candidatos e seus assessores imaginavam. Ninguém de bom senso, na campanha de Gilberto Kassab, por exemplo, diria que ele ficaria à frente de Marta Suplicy no primeiro turno. Muito menos que, nas pesquisas feitas esta semana, ele abriria a vantagem que agora tem sobre ela.

No Rio, já se podia esperar o crescimento de Gabeira, mas poucos antecipavam que ele se igualaria a Eduardo Paes tão cedo, como mostraram pesquisas feitas três ou quatro dias depois da eleição. Para quem tinha sido saudado como grande novidade lá atrás, quando se lançou candidato, e ficou sumido em modestíssimos 5% durante quase três meses, Gabeira é uma surpresa de crescimento na hora certa.

Belo Horizonte tem um fenômeno semelhante, na candidatura de Leonardo Quintão. Impulsionado por um estilo de campanha que não deu certo em nenhum outro lugar, emocionalizada e sentimental, ele teve mais votos até que os previstos pelas pesquisas de boca-de-urna. Como Kassab, teve um desempenho que nem ele esperava, a não ser em sonhos.

Surpresas como essas criaram o quadro para um reinício de campanha em um tom vários decibéis acima do que tivemos, nessas cidades, no primeiro turno. Depois de uma modorrenta discussão de propostas, quase sempre indiferenciadas, e da apresentação enfadonha de currículos, agora a briga esquentou.

É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis.

Comparações críticas, cobranças agudas, denúncias e questionamentos do passado e do presente de adversários não são imorais nas disputas democráticas, até porque quem as faz se expõe ao julgamento dos eleitores. Em países de larga tradição democrática, são mais comuns que imaginamos.

Talvez venha da fragmentada e conturbada experiência que temos com a normalidade da democracia essa aversão que nossa cultura política atual tem aos conflitos nas eleições. Espera-se dos candidatos uma espécie de falsa cordialidade, o tal debate em “alto nível”.

Que discutam, que até briguem, se quiserem. As leis estão aí e quem as descumprir pagará o preço. Quem decide são os eleitores, que são perfeitamente capazes de fazer suas avaliações, em campanhas geladas, mornas ou pegando fogo.

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