sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Truques da numerologia eleitoral


Wanderley Guilherme dos Santos
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A redução da taxa de ansiedade do eleitorado e dos candidatos já vencedores deve muito à eficiência do Tribunal Superior Eleitoral na totalização e divulgação do resultado praticamente final das eleições municipais. Sobrou a angústia partidária de eleitores e candidatos de pouco mais de 20 cidades com população acima de 200 mil habitantes. A nota triste, como sempre, é o desapontamento dos perdedores, cuja explicação para o fracasso varia tanto quanto os motivos que levaram os eleitores a recusá-los.

Como de costume, os números brutos dão lugar a agregações e cálculos de porcentagem muito interessantes. Todas as descrições em termos proporcionais são, na maioria, tecnicamente legítimas. Por exemplo, agregar o número de prefeituras ganhas por partido em nível estadual, ou mesmo regional; outra forma seria somar os votos nominais dos partidos, por Estado ou região, e verificar a quanto correspondem do total de votos válidos do Estado ou região. Não é surpreendente que os resultados da segunda operação ordenem os partidos vencedores de modo diferente da ordenação obtida com o primeiro cálculo. E são inúmeras as formas válidas de agregar dados brutos e dispô-los em números proporcionais.

Ocorre algo semelhante quando as comparações entre partidos se fazem por consulta a resultados de eleições anteriores, em busca de tendências. Implico com a denominação de "tendência" aplicada somente a quatro resultados, as eleições de 1996, 2000, 2004 e 2008. Exceto em casos absolutamente consistentes, e ainda assim cautelosamente, é ilegítimo, ou, pelo menos, bastante ousado, afirmar que a série de quatro resultados revele tendências. Darei um exemplo.

Unânime é a apreciação de que o PMDB saiu largamente vencedor na conquista por prefeituras, o que é correto, e, diz-se, renasceu. Bem, conforme os melhores dados que me são disponíveis (11/10) sobre número de vereadores eleitos a história é outra. Em 2008, o PMDB elegeu cerca de 8.492 vereadores, número não muito diferente das eleições de 2004, quando elegeu 8.310 candidatos municipais. Se o desempenho de 2008 for comparado com o de 1996, porém, que resultou em 13.091 vereadores eleitos, o feito deste ano não significa, em qualquer interpretação sóbria, um renascer.

A bem da verdade, dos quatro maiores partidos aqui considerados, PMDB, PSDB, PT e DEM, todos, à exceção do PT, obtiveram um sucesso bem mais modesto do que em 1996. Mas todos, igualmente, exceto dois, alcançaram resultados oscilantes. Houve eleição em que o resultado foi superior ao da eleição anterior. As exceções foram o PT, cujo número de vereadores eleitos é crescente, e o DEM, cujos resultados são sistematicamente inferiores à eleição anterior. Vale esclarecer que o total de vereadores eleitos pelo PT (4.173), em 2008, ainda foi inferior ao total conquistado pelo DEM (4.821). Na verdade, extraordinários foram os resultados, já nas eleições para prefeitos, do PC do B e do PSB. Ainda assim, eu hesitaria em diagnosticar tendências com base nesses resultados.

Existe uma medida, que chamo de "taxa de produtividade relativa", de aplicação muito simples. Verifica-se o número de candidatos vitoriosos e o tomamos como proporção do número de candidatos com que o partido concorreu. Assim, se um partido apresentou dez candidatos e elegeu cinco, obteve uma razoável produtividade relativa de 50%. Se outro partido elegeu igualmente cinco candidatos, mas havia concorrido com apenas sete, sua produtividade relativa foi de 71%, bem mais elevada do que a do outro partido.

É claro que há limites para a interpretação dessa taxa, pois um partido que elege um candidato, tendo concorrido com dois, obterá uma taxa de produtividade relativa igual a 50%, o que, obviamente, não o coloca no mesmo escalão do partido lá de cima.

A correção para essa dificuldade consiste em medir a "produtividade bruta" dos partidos, revelada pelo número de candidatos eleitos dividido pelo total de cadeiras em disputa. Claro, no exemplo acima, a posição do partido que elegeu apenas um candidato não terá a mesma produtividade bruta daqueles que elegeram cinco. Mas os dois que elegeram cinco candidatos, cada um, terão o mesmo peso, medido pela "produtividade bruta" de ambos.

Tenho essas taxas calculadas para a Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas, por Estado e incluindo todos os partidos, desde as eleições gerais de 1986. Por esses cálculos se descobre que o PC do B, por exemplo, seguia a mesma estratégia do ex-PFL: apresentar poucos candidatos e concentrando neles seus votos.

Durante algum tempo, a produtividade relativa do DEM não ficou muito atrás de sua produtividade bruta, enquanto dispôs de um eleitorado relativamente fiel. À medida que seu eleitorado diminui, a estratégia deixa de operar e, embora obtendo uma produtividade relativa razoável, seu peso bruto na Câmara dos Deputados começa a decrescer. O PC do B, sempre com uma produtividade relativa elevadíssima, mantinha um perfil de pequeno partido, embora, por sua disciplina, com freqüência desempenhava papéis muito importantes nas coalizões parlamentares.

Os exercícios de estatística descritiva e a aplicação de algumas medidas aos resultados eleitorais são úteis ao organizar, para o eleitorado, a enorme quantidade de dados que as urnas produzem. E cada eleitor tem a medida de sua preferência, da vitória do candidato em que votou às esperanças que aumentam ou diminuem com o resultado agregado que lhe chega.

A interpretação dessas simples estatísticas é que são elas. O que os números, brutos ou porcentuais, têm de inteligibilidade, as interpretações, em alguns casos, só são convincentes aos iniciados em lógicas tortuosas. Minha opção é pelo bom senso, porque, antes de tudo e todos, quem entende de eleição é o eleitor. Segundo, porque só o eleitor sabe por que votou como votou. Terceiro, porque eleitor não tem dogmático compromisso com sua biografia eleitoral. Tanto pode manter a mesma escolha da eleição anterior (mesmo quando se trata de dois turnos) como pode mudá-la sem aviso e sem prestar satisfação a ninguém.

Em geral, o que melhor prevê o resultado de uma eleição são os resultados da eleição imediatamente anterior. Grandes mudanças não são o padrão normal de eleições. Em segundo lugar, existe o desempenho de quem ocupa o cargo em disputa: se o eleitor está satisfeito, tende a segui-lo, se não, votará adversariamente. Esses padrões não são inflexíveis, mas são um bom ponto de referência para o futuro próximo. Finalmente, a capacidade de persuasão do candidato independe de suas propostas de governo. Ponto final. É o resultado dessa alquimia do eleitor que os institutos de pesquisas buscam captar, nem sempre com sucesso. Não se trata, em geral, de deficiência ou má-fé dos institutos. É porque, como disse, quem entende de eleição é o eleitor.

Aqui não foram considerados os fatores econômicos e os intermediários de votos, a posição dos meios de comunicação e algumas outras variáveis que interferem muito nas campanhas eleitorais. Mas sobre essas os eleitores não têm o menor controle.

Wanderley Guilherme dos Santos, membro da Academia Brasileira de Ciências, escreve quinzenalmente neste espaço.

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