sábado, 29 de novembro de 2008

As águas vão rolar


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O desfecho da participação do senador José Sarney no veto à candidatura do petista Tião Viana para a presidência do Senado seguiu o roteiro previsto na semana passada pela cúpula do PMDB, que só via um jeito de resolver a questão: Sarney recusar ser candidato em qualquer hipótese e atuar como coordenador das adesões a Viana.

Em tese, isso aconteceu. Já no início da semana, o senador Sarney assegurou à direção do partido que não está no páreo e, ato contínuo, foi a Tião Viana emprestar o seu apoio e aconselhá-lo a levar em frente seu projeto.

Se a motivação foi ou não uma conversa franca com o presidente Luiz Inácio da Silva, não importa.

Fato é que tudo ocorreu conforme haviam antecipado os caciques que viam no encontro com Lula a única possibilidade de Sarney expor as verdadeiras razões do desagrado, falar francamente do propósito do PMDB em assumir o controle total do Congresso pondo em risco o equilíbrio da base governista e definir se pretende ou não assumir o cargo.

Na hipótese de negativa, seria convidado por Lula a coordenar a campanha de Tião Viana. O noticiário registrou que o grande fiador da mudança do cenário foi o presidente do PMDB, Michel Temer.

Pouco provável, uma vez que é parte, candidato a presidente da Câmara e, além disso, não dispõe de intimidade, estatura, confiança e poder suficientes para levar Sarney a esta ou àquela definição. De duas uma: ou o gesto de Sarney foi sincero ou não foi produto do apelo de Temer.

Os próprios senadores de vários partidos vêem com desconfiança essa paz antecipada e tão satisfatória para grupos até outro dia abertamente insatisfeitos.

O senador Heráclito Fortes, do DEM, diz do alto de décadas de política, boa parte ao lado de Ulysses Guimarães: “Alguma coisa não combina, porque estão todos muito felizes: Tião Romero (Jucá, líder do governo no Senado), Sarney, Renan (Calheiros, o foco inicial da infecção). Quando é assim, alguém está enganando alguém ou todos estão enganando a todos.”

Convidado a apostar em quem será o próximo presidente do Senado, Heráclito não hesita: “José Sarney.” Como? “Não sei, tem muita água ainda para rolar daqui até fevereiro (data da eleição).”

Já o senador pemedebista Jarbas Vasconcelos, um dissidente de oposição, acredita no que vê pela absoluta impossibilidade lógica de se eternizar a enganação que, mais cedo ou mais tarde, teria de expor seus objetivos.

“Se Sarney já disse a todo mundo que não é candidato, liberou Tião para tocar a candidatura, não há mais espaço para recuo. Compreendo que o jogo das falsas aparências seja um método em uso, mas não entendo que integrantes de um grupo possam patrocinar engodos mútuos sem o risco de perder tudo. Há um momento em que as coisas são mesmo como parecem.”

Aposta de Jarbas para o próximo presidente do Senado? “Tião Viana.”

Portanto, com Michel Temer eleito presidente da Câmara. Isso, se o “outsider” Ciro Nogueira não repetir, em outros termos, a trajetória de seu antigo padrinho político, Severino Cavalcanti.

Noves fora todos os relatos e avaliações, fica-se com a nítida impressão de que o que está havendo no Congresso não é bem uma briga entre PT e PMDB.

O conflito instala-se mesmo dentro do partido, contrapondo as bancadas da Câmara e do Senado. Pela disputa do poder dentro do que resta do governo Lula. A constatação desmente a tese de que o PMDB está unido com o governo.

Com o governo, de fato, está todo, mas não unido. Inclusive porque houve, do primeiro para o segundo mandato de Lula, uma inversão de influência. Na primeira fase, Sarney e Renan comandaram do Senado toda a ocupação da máquina administrativa pelo partido. Indicavam, aconselhavam o presidente, eram os interlocutores de todas as demandas.

Depois da reeleição, a balança passou a pesar em favor da bancada da Câmara. Um exemplo simples: Sarney é respeitado no Palácio do Planalto, Renan Calheiros é visto como um estorvo, mas Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional, é o grilo falante com cadeira cativa autorizada junto aos ouvidos do presidente.

Basta ver: o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, falou mal da Funasa, se indispôs com a bancada de deputados, de forma implícita foi convidado a guardar a viola em receptáculo bem fechado.

Quer nos parecer que o PMDB no Senado insiste na presidência não por ambição desmedida de ocupar também a presidência da Câmara. Mas para tentar podar o aumento de poder da bancada, inviabilizar a candidatura Michel Temer manifestando a ele todo apoio e, de posse do álibi, mandar a conta à tesouraria (no bom sentido) do PT.

Pensando bem

Se o governador Aécio Neves estaria cogitando da hipótese de deixar o PSDB porque o partido está dividido entre a candidatura dele a presidente e a do governador José Serra, o que encontraria no PMDB, um partido unido?

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