sábado, 29 de novembro de 2008

As marcas no longo caminho


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Há 60 anos, no dia 27 de novembro de 1948, a contar do registro na carteira profissional, passando por jornais, revistas, rádios e televisões, acompanho a política nacional como repórter, cronista, chefe de seção e diretor da sucursal do Estadão.

Na verdade, não estou contando os meses de batente na velha A Notícia, de Candido de Campos e Silva Ramos, em que me submeti ao teste de foca e pau para toda a obra, desde a rotina das salas de imprensa de ministérios às chegadas de novos hóspedes para o Jardim Zoológico. A Notícia de então era reconhecida como uma escola prática de jornalismo, antes da exigência de diploma de nível universitário. Caí, e de cabeça, na reportagem política por obra do acaso, em episódio contado e recontado. Esbarrei com um inesquecível personagem, o empresário Ivo Borcioni, de quem ouvi a história fantástica de uma tentativa de suborno, envolvendo altas autoridades do governo do presidente Dutra, na transação da venda de dormentes para a Central do Brasil.

A manchete na primeira página do vespertino estourou na tribuna da Câmara, com a oposição e o governo trocando desaforos. Deu em nada, tal e qual acontece até hoje. Aliás, agora muito mais do que ontem, pois o progresso marcha em cadência acelerada. De meados do governo do presidente Dutra até hoje, venho acompanhando – na sucessão das esperanças que sempre anunciam as solenes promessas de um regime democrático, firme como a rocha, e nos percalços ditatoriais – a série de erros que deflagraram as crises e as recaídas no arbítrio.

Alguns cortes são de solar evidência, como a volta triunfal de Getúlio, na rota aberta com as intrigas da turma da Copa e da Cozinha do governo Dutra e o suicídio que virou o país e o udenismo de Café Filho que abriu a canela para os 5 anos em 5 de JK. O pé-de-valsa, que aliviou a tensão e devolveu a alegria à população, abriu frentes em todas as áreas: da Copa do Mundo de 58, da bossa nova, das risadas e do permanente bom humor, escorregou na precipitação. Inaugurou Brasília, em 21 de abril de 1960, antes de estar pronta, e pagou o preço das mordomias, das vantagens, das exigências absurdas para pavimentar o JK-65. Como nas caçadas de paca, deixou aberto o carreiro para o golpe e a ditadura militar.

A história do aloprado Jânio Quadros é uma inacreditável novela de farsas, desatinos e faniquitos que termina com o golpe fracassado da renúncia com sete meses de mandato, armado com a traição do Jan-Jan do conluio com Jango Goulart e que por muito pouco não ensangüenta o país com o confronto militar.

Carlos Castelo Branco, o maior repórter político do Brasil e que foi assessor de Jânio, presta no seu livro A renúncia de Jânio, de leitura indispensável, o seu depoimento de quem viu por dentro os meses de governo do extravagante personagem. E sem arranhar a ética avançou até o limite do narrador e analista do que testemunhou: o clima de intriga palaciana em que fica transparente a tentativa do golpe, como idéia fixa, para a volta nos braços do povo e com plenos poderes. O povo enganado não saiu de casa. E Jânio teve um fim melancólico.

Jango não sossegou enquanto não antecipou o plebiscito para derrubar o parlamentarismo híbrido, que era a sua proteção. Com o presidencialismo restaurado com cola, esticou a corda até ser deposto pelo golpe de 1° de abril de 1964. Passamos pela provação dos quase 21 anos da ditadura militar, com o rodízio dos cinco generais-presidentes. A nova democracia, que aí está, depois da frustração com o martírio e morte de Tancredo Neves, a Constituinte de 1988 pendulando entre o centrão e a esquerda e o mandato difícil do presidente José Sarney. A crise do curto governo de Collor de Mello e os dois anos e quatro meses sem turbulência do correto governo de Itamar Franco. Dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso e seis anos do Presidente Lula.

Afinal, valeu a pena? Inútil chorar as mágoas passadas. Mas é inevitável a comparação para quem tanto viu e tanto viveu entre a fase de ouro da eloqüência parlamentar dos 14 anos em que freqüentei a Câmara e o Senado até a mudança para Brasília e a chocante evidência de que o atual Congresso dos escândalos, da farra das mordomias, da semana de três dias úteis, da verba indenizatória, da bagunça partidária, é o pior desde o fim do Estado Novo. Mas, como choraminga o Orlando Silva, o maior cantor brasileiro de todos os tempos: "Ninguém foge ao seu destino...".

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