terça-feira, 11 de novembro de 2008

Caso de tolerância


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os dados da pesquisa encomendada meses atrás pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República à Universidade de Brasília para medir o apego do brasileiro aos bons costumes de natureza pública começam a ser divulgados sem revelar grandes surpresas.

A maioria se considera ética, mas admite que já deixou de cumprir a lei; metade contrataria parentes se pudesse ter acesso a uma "boquinha" e boa parte usaria dinheiro público para despesas pessoais se tivesse um cartão corporativo.

O fato de não serem surpreendentes, porém, não torna esses dados menos deploráveis.

"Se pudesse resumir a pesquisa em uma frase, eu diria que a sociedade brasileira não sabe separar o público do privado", afirma Ricardo Caldas, da Faculdade de Ciência Política da UnB e coordenador do estudo que ouviu 1.027 servidores públicos e 1.767 profissionais da chamada sociedade civil sobre os mais diversos tipos de comportamento: do nepotismo ao ato de furar uma fila, passando pelo hábito de pagar ou receber propinas.

Genericamente, o quadro captado pela pesquisa foi o da tolerância em relação a condutas desviantes, principalmente quando desvio em questão rende benefício ao interessado. Reflexo, segundo Caldas, do em tese condenado, mas, na prática ultra arraigado "jeitinho" mediante o qual as pessoas adaptam suas demandas à ineficácia do poder público e daí, transportam essa mentalidade para tudo o mais.

Havendo vantagem objetiva, vale tudo. Na essência, justamente o sentimento que presidiu as relações entre governo e sociedade depois de o PT ter se envolvido em escândalos de corrupção, mas o presidente Luiz Inácio da Silva ter saído incólume em virtude da satisfação geral com a economia.

Não há na pesquisa nada de novo exatamente porque o desapreço à ética na escala de prioridades do cidadão já ter sido recentemente submetido a teste semelhante.

Por isso mesmo resta em aberto a destinação que a Comissão de Ética Pública da Presidência pretende dar à pesquisa. O estudo foi pedido para avaliar o padrão ético do brasileiro e, com base nas informações, propor ao presidente Lula o aperfeiçoamento do Código de Conduta da Alta Administração Federal.

Código este constantemente ignorado por ministros que, sob o aval do presidente, se insurgem contra as exigências da comissão. Se hoje são ignoradas, por que haveriam de ser respeitadas, uma vez aprimoradas?

A menos que a idéia seja adequar o código ao baixo padrão de exigência, pois estatísticas se prestam a qualquer uso, dependendo do interesse do freguês.

Polícia política

Em algum momento indefinido da história os políticos passaram a freqüentar casos de polícia com assiduidade, a ponto de hoje não causar espécie a presença de excelências nos inquéritos.

Já a transformação da polícia (federal) num caso explícito de política tem um marco preciso, ou melhor, dois: o primeiro e o segundo governos Luiz Inácio da Silva.

De 2003 ao início de 2007, sob o comando de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça, a PF usou a vestimenta "republicana" com a qual foi usada como exemplo da firme disposição do presidente Lula em combater a corrupção.

As antigas brigas de grupos existiam, mas naquele período ficaram restritas ao âmbito interno por conta da habilidade do criminalista Thomaz Bastos em dar ao terreno já minado uma aparência de corporação unida em torno de um objetivo altivo de governo.

Com a saída do advogado e a entrada do militante partidário Tarso Genro no Ministério da Justiça, as desavenças foram deixadas ao sabor das vaidades alimentadas pela notoriedade da primeira fase e o ambiente se deteriorou completamente.

É quase unânime a tendência de atribuir a confusão ao descontrole do governo sobre a estrutura da PF. De fato, as coisas andam obviamente descontroladas no aparato de segurança oficial.

Mas o perfil do descontrole depende do ponto de vista do orador. A tendência da maioria é atribuir a confusão vigente à incapacidade do governo de impor sua autoridade hierárquica ao funcionamento da PF frente à independência dos diversos grupos, nesta versão largados à própria sorte.

Há, no entanto, uma outra hipótese: a de que a deformada autonomia seja conseqüência não da carência, mas do excesso de presença do governo no controle político sobre as ações da PF que, por equívocos estratégicos cometidos nessa fase de corte nitidamente ideológico do Ministério da Justiça, tiveram as vestes desprovidas da etiqueta "republicana".

Mal comparando

A Polícia Federal vai ficando muita parecida com a imagem do Ministério Público anos atrás. Protógenes inclusive é um sério candidato a sucessor de Luiz Francisco.

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