domingo, 30 de novembro de 2008

Combate à sombra


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O mandato de cinco anos permitiria um acerto entre Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do PSDB. Mas pode ser um presente de grego


O famoso general chinês Sun Tzu, diferentemente de seus colegas gregos e romanos, não levava em conta apenas a superioridade numérica ou o terreno na hora de avaliar as batalhas. Ele compreendia a guerra levando em conta, também, outros fatores, dos valores morais às condições econômicas. Para ele, a verdadeira arte da guerra era aquela capaz de subjugar o exército inimigo sem lutar contra ele, invadir cidades sem sitiá-las, derrubar governos sem o uso das espadas.


A conquista


Sun Tzu não via a guerra com objetivo da destruição. Para ele, a verdadeira conquista era deixar tudo intacto e sob controle. Por isso, foi o primeiro grande estrategista militar a atribuir papel decisivo aos serviços de inteligência. Classificava os espiões em cinco categorias: nativos (gente do povo), internos (oficiais inimigos), sacrificáveis (agentes de contra-informação), vivos (os eficientes e leais) e, finalmente, os agentes duplos (espiões inimigos deliberadamente usados para troca de informações). Sem o bom emprego de agentes duplos, segundo o general chinês, era impossível ganhar a guerra.

Com o governo Lula assediado pela crise econômica mundial, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), opera como um veterano general chinês. Resolveu combater à sombra e conduzir sua candidatura a presidente da República como quem pretende tomar o poder sem o uso das espadas. Não pretende sitiar o Palácio do Planalto, evita qualquer confronto com o presidente da República. Opera no terreno governista de todas as formas, pois o que não falta entre os aliados do governo e seus próprios aliados é gente fazendo jogo duplo.

A mais bem-sucedida operação desse tipo, até agora, foi a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, na qual o governo paulista vai embolsar R$ 5,3 bilhões. Num momento em que a crise econômica ameaçava abater a indústria de São Paulo e deixar completamente descapitalizada a sua administração, Serra conseguiu socorrer as montadoras de automóveis e fazer caixa para investimentos. Os petistas de São Paulo sentiram o golpe e espernearam, mas o presidente Lula não deu bola. Aparentemente, entregou a grana com uma das mãos, mas quer tirar com a outra, por meio da reforma tributária, que transfere a arrecadação do ICMS do estado de origem para os estados de destino. Os governadores do Norte e Nordeste apóiam a proposta, enquanto os do Sudeste resistem. Bom cabrito, Serra diz que apóia a reforma e manda a bancada paulista obstruir sua aprovação no Congresso.

O desespero


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou até agora, em todos os momentos de dificuldade, que não é de cair com o barulho da bala. Insiste na candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que andava meio desidratada, à sucessão em 2010. Lula pretende fazer da crise mundial uma oportunidade para a “mãe do PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento) se fortalecer. Suas medidas anticíclicas estão garantindo aos brasileiros um Natal quase igual aos de outros anos, apesar das incertezas. Mesmo assim, o consumidor anda desconfiado. O crédito não está tão fácil como foi anunciado. Sabe-se, agora, que boa parte da grana da Caixa Econômica Federal reservada para os pequenos e médios empresários foi abocanhada pela Petrobras, que tomou emprestado R$ 2 bilhões para garantir o pagamento de impostos e, portanto, a arrecadação federal.

Sem o sangue-frio de Lula, a bancada petista no Congresso começa a dar sinais de desespero com a movimentação de Serra e a situação de Dilma. Estava tudo combinado para a entrega da Presidência da Câmara ao deputado Michel Temer, presidente do PMDB, partido onde a turma do jogo duplo é maioria. Aliado do governo Lula em nível federal e de Serra no plano estadual, Temer sofre bombardeios sistemáticos de governistas que não vêem com bons olhos a aliança, a começar pelo ex-ministro da Articulação Política Aldo Rebelo (PCdoB-SP). No Senado, o PT não abre mão da candidatura de Tião Viana (AC), mas a bancada do PMDB não fecha o acordo e ameaça lançar uma candidatura própria. Se prevalecer o jogo duplo, o petista corre risco de perder a eleição.

É nesse contexto que surge um presente de grego para Serra: o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, relator da reforma política, pretende apresentar um substitutivo que acaba com a reeleição e estabelece o mandato de cinco anos, sem reeleição, para presidente da República, governadores e prefeitos. É uma mudança de regra no meio do jogo. Supostamente, o mandato de cinco anos permitiria um acerto entre Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do PSDB. Mas pode ser o “Cavalo de Tróia” para a velha proposta do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP): o plebiscito no qual o povo decidiria se o presidente Lula deve ou não disputar um novo mandato de cinco anos. Ou seja, o terceiro.

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