segunda-feira, 17 de novembro de 2008

De olho na crise


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Os Estados Unidos acabam de mostrar nas urnas que são o país onde tudo é possível (inclusive no bom sentido), mesmo que a título precário. Foi o próprio Barack Obama quem se lembrou da frase a que sua vitória deu novo e mais amplo sentido. A dois anos de distância da sucessão presidencial, ao brasileiro de classe média basta por ora a certeza de que as reformas de fundo político são viáveis e, portanto, dignas de prioridade. Que se apresentem. As mais urgentes viriam a calhar nos dois anos que faltam para a sexta sucessão presidencial pelo voto direto. Será marca histórica. Sob a Constituição de 1946, chegamos a quatro, e a crise não esperou mais para fazer o serviço sujo. Falta consolidar a etapa da eleição presidencial, acrescida (em operação de contrabando político) do segundo mandato a ser removido na limpeza ética, sempre adiada.

Com a crise financeira ninguém contava, nem mesmo os pessimistas exacerbados desde que o presidente Lula, todos os meses, esbanja simpatia da opinião pública. Não estavam preparados para tanto. Já os favorecidos não estavam se sentindo bem desde que a História, depois de presenteá-los com a bonança do capitalismo por cima das fronteiras, lhes preparou a cilada. A crise financeira– de fora para dentro e de dentro para dentro – pode não se dar bem e estranhar a sucessão presidencial de 2010. Para afugentar sombras do passado, Lula foi espairecer no exterior. Ao contrário dos Estados Unidos, onde tudo é possível, tudo no Brasil é mais imprevisível do que possível. A crise financeira veio de fora para dentro do país, e gerou uma incógnita: quem responde por ela? Quem vai enxotá-la?

O presidente Lula já deu a sua contribuição ao despachar para as calendas gregas o terceiro mandato. O resto é com os políticos que vivem a mais baixa cotação na opinião pública desde que as pesquisas passaram a fazer parte do equipamento democrático. O brasileiro gostaria mesmo era de verificar que reformas no Brasil não são inviáveis. E, se não fosse pedir demais, conhecer a razão pela qual tantos políticos são a favor das reformas e, mesmo assim, na hora de passar do cochicho ao voto em plenário, as propostas são historicamente empilhadas. Servem apenas para solfejos de oratória parlamentar fora de moda porque acabam abatidas em pleno vôo por fatores aleatórios. O exemplo clássico, digno de figurar nos manuais, é a dificuldade de relacionamento do brasileiro com o parlamentarismo, vítima da eterna unanimidade disposta a barrar mais democracia do que dispomos.

Com esta crise financeira ninguém contava, exceto os pessimistas de sempre e os oposicionistas eventuais, aflitos para verem o presidente Lula pelas costas e o despejo do PT. Por sua vez, Lula & Cia estavam certos de que a História, depois de bonificá-los com as facilidades do capitalismo neoliberal, lhes reservasse uma dessas. A questão foi apresentada de fora para dentro e armou uma armadilha: quem responde pela crise? Quem vai providenciar a retirada da intrusa antes que a sucessão presidencial se precipite?

É certo que as duas – a crise financeira de fora para dentro e a sucessão de dentro para dentro – poderão estranhar-se antes da hora. Ao contrário dos Estrados Unidos, tudo entre nós é mais imprevisível do que possível. O Brasil não convidou a crise financeira para passar por aqui a caminho dos países que se prepararam para merecer sua presença ilustre. Nem pensar em nova doutrina continental, tipo "um por todos e todos pela crise". Lula tratou de ficar de fora sem entender, depois de fazer o dever de casa, o papel que lhe foi atribuído. Faz de conta que a crise não tem a ver com o Brasil nem com ele. Considera seu governo aparelhado para o que der e vier, se é que chegará por aqui. O que está na agenda é a sucessão presidencial com voto direto, pela sexta vez sem registro de contestação legal nas cinco anteriores. É saldo histórico. Por enquanto, os dois lados – governo e oposição – vão se comportando à altura (que não dá vertigem) da crise sem densidade dramática. O presidente Lula vai deixar de fazer hora extra no exterior e empenhar-se aqui mesmo em regime de dedicação exclusiva. Quem sabe em favor das reformas políticas para as quais o tempo é suficiente, se não faltar vontade. Com a sucessão no horizonte, um toque dramático poderá devolver à política a temporada de grandes espetáculos.

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