sábado, 22 de novembro de 2008

Momento conservador


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Os cientistas políticos Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, e Cesar Zucco, do Iuperj, acabam de divulgar um estudo sobre as eleições municipais deste ano que inclui seu possível impacto nas eleições de 2010. Ao contrário da tendência predominante, os autores consideram que, muito embora os resultados finais possam não indicar tendências suficientes para se fazer uma relação direta entre eles e a sucessão presidencial, as eleições municipais são "a oportunidade que têm as distintas facções dentro dos maiores partidos, e dos partidos menores entre si, para mostrar sua força antes do início formal do processo de escolha das candidaturas presidenciais".

Eles destacam que, nos pleitos locais, potenciais presidenciáveis esforçam-se para exibir sua capacidade de influenciar as elites e a opinião pública, esforço que revela a viabilidade eleitoral de governadores, prefeitos de grandes cidades, senadores, ministros e de alguns outros poucos presidenciáveis avulsos.

O papel das eleições municipais no ciclo da eleição presidencial seria, assim, duplo: uma barreira preliminar de entrada no mercado de oferta de presidenciáveis e um mecanismo de geração de informação a respeito da correlação de forças intrapartidárias.

Os autores consideram que os resultados são compatíveis - embora não constituam prova cabal - com uma interpretação segundo a qual as eleições municipais são a parte mais visível de um processo que se assemelha a uma primária americana para escolher candidatos presidenciais. Eles seriam um filtro que permite às elites partidárias pré-selecionar os candidatos, oferecendo também amplas oportunidades para que vários setores da opinião pública se façam escutar no processo de escolha.

Eles identificam um "momento conservador" na política brasileira, com o PT acomodado à condição de partido do "establishment". Hoje, dizem os autores, o PT, uma agremiação marcadamente radical na sua primeira década de existência, pouco difere, em suas ações como partido governativo, do PMDB, do PSDB e do ex- PFL.

Esse momento conservador na política brasileira, segundo os autores, reflete o fato de que não apenas Lula e o PT se sentem confortáveis dentro do figurino institucional do país, mas também que o bem-estar material trazido pelo crescimento econômico acabou por ajudar os titulares do Poder Executivo municipal em geral no seu esforço de reeleição.

Dadas a alta popularidade de Lula, o crescimento econômico e o impacto do Bolsa Família, era legítimo, segundo eles, esperar que as eleições municipais de 2008 pudessem fugir do figurino tradicional e que o pleito para cargos locais fosse nacionalizado, o que não ocorreu. O resultado obtido pelo PT foi semelhante aos obtidos por outros partidos presidenciais.

O desempenho do PMDB o manteve na posição de maior partido do país no plano municipal. Os partidos da base aliada de Lula tomaram mais prefeituras da oposição do que os partidos da oposição tomaram da base.

Para os autores, apesar de todos os sinais de debilidade dos partidos brasileiros (baixa identificação partidária do eleitorado, intensa migração partidária, ausência de programas claros e campanhas centradas nos candidatos), há algumas arenas nas quais os partidos importam. Uma delas é o papel de escolher e apoiar candidatos a presidente.

Eles ressaltam que a Constituição de 1988 confere aos partidos o monopólio da representação política, fortalecido pela exigência de tempo mínimo de filiação a uma legenda para que se possa ser candidato a qualquer cargo eletivo e pela alocação do tempo de propaganda no rádio e na TV.

Assim, os futuros candidatos à Presidência surgirão, inevitavelmente, de dentro dos quadros partidários, concluem os autores. O que confere importância às eleições regionais é o fato de que as maiores agremiações são geralmente estruturadas em torno da máquina política das seções de alguns estados importantes. Por exemplo, o PSDB é, historicamente, controlado por SP, MG e CE; o PT, por SP e RS; o PMDB, por SP, MG, RS e RJ; o DEM, por BA, PE e SC; o PDT, por RJ e RS.

Os autores consideram que Lula soube jogar bem esse difícil jogo de xadrez em dois tabuleiros, ainda mais se comparamos as suas ações em 2004 com as deste ano. Os autores citam exemplos dessa mudança, atribuindo-as à ação de Lula: o número de candidatos próprios sem coligação lançado pelo PT em 2008 foi 50% menor do que em 2004, o que reflete uma maior tendência à formação de alianças. Além disso, em 2004, o PT e o PMDB se aliaram em 1.543 cidades. Já em 2008, esse número pulou para 1.840.

Os autores não se furtam a tentar desvendar o que classificam de a maior interrogação deixada pelas eleições de 2008: "Para onde irá o PMDB?". Segundo eles, os dados sugerem um forte alinhamento do PMDB com o PT, mas como as alianças entre PSDB e PMDB tampouco são desprezíveis, não é possível chegar-se a nenhuma conclusão definitiva, o que de certa maneira reflete o comportamento político ambíguo do PMDB.

Muito embora o PT tenha participado de mais de 40% das vitórias de candidatos do PMDB, o PSDB esteve presente em cerca de 32% delas. As nuances por estado são importantes nesse contexto.

Em Minas Gerais, por exemplo, em que pese a alta visibilidade da aliança PT-PSDB contra o PMDB em Belo Horizonte, o PMDB esteve freqüentemente aliado com ambos os partidos, com leve predomínio para o PSDB, ressaltam os autores.

Como um todo, nos maiores estados, a freqüência de alianças entre esses três grandes partidos foi bastante equilibrada, com leve preponderância de alianças entre o PMDB e o PSDB. Na maioria dos estados do Norte-Nordeste, no entanto, o PMDB está muito mais fortemente aliado ao PT. (Continua amanhã)

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