domingo, 30 de novembro de 2008

O Brasil precisa de nova estratégia


Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Como o crédito externo estará muito difícil, a nova estratégia econômica requer mais poupança doméstica

COM A ABERTURA da conta de capitais no início da década de 90, o Brasil adotou uma estratégia econômica dependente da poupança externa e do estímulo fiscal. Todos sabemos que o estímulo fiscal atingiu seu limite ainda no governo FHC e, mesmo com os superávits primários, vem provocando efeitos negativos, com o aumento da dívida pública pressionando a taxa de juros e com elevações sucessivas na carga tributária, ambos deprimindo a taxa de investimento. A expansão fiscal foi ao limite político no ano passado, como ficou evidenciado com a derrubada da CPMF.

Desde a década de 80 até meados de 2007, os indicadores de liquidez global e de oferta de crédito vinham aumentando fortemente, muito acima do crescimento do PIB. Assim, o Brasil adotou a estratégia de ampliar o consumo recorrendo à poupança externa. Entretanto apoiando o outro pé em gastos do governo, portanto, em déficits públicos, o Brasil não conseguiu tirar proveito da liquidez internacional. Com a incidência de crises que se traduziam em paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior e sua reversão, o que tivemos no Brasil foram sucessivos ciclos de recuperação e crises econômicas com fortes elevações da taxa de juros.

O último surto de excesso de liquidez global traduziu-se de forma diferente para o Brasil, na medida em que desencadeou também forte elevação no preço das commodities. Com a melhoria nas contas do governo desde 2004, o Brasil tirou proveito dessa liquidez e acelerou seu crescimento econômico. Esta crise financeira nasceu e atinge em cheio os Estados Unidos, centro financeiro que sugava o excesso de poupança dos países asiáticos, multiplicando e bombeando liquidez para o resto do mundo. É esse sistema que entrou em colapso e levará anos para ser saneado.

Países asiáticos, a exemplo da China, deverão utilizar o excesso de poupança para financiar política fiscal visando estimular a demanda doméstica e manter seu crescimento. Com a crise, a liquidez desapareceu, as taxas de juros de mercado estão subindo, e a oferta de crédito é escassa. Mantida a atual estratégia, a economia brasileira deverá sofrer forte freada, e a taxa de crescimento do PIB, estimada em 5,2% para este ano, deverá cair provavelmente para 2% no próximo. A crise será profunda e prolongada, e tudo indica que trará de volta uma maior supervisão e uma maior regulação do setor financeiro e o fim de um modelo de negócios financeiros que gerava excesso de liquidez.

O longo ciclo de expansão de liquidez global chegou ao fim e, com isso, a possibilidade de o Brasil poder contar com financiamento externo ficará muito difícil nos próximos anos. Tudo indica que 2008 será o último ano de um modelo de crescimento que podia recorrer à liquidez internacional para contornar as elevadas taxas de juros domésticas e financiar os investimentos e o próprio consumo. O Brasil precisa definir uma nova estratégia econômica que requer elevação da poupança doméstica. Simultaneamente, com a crescente resistência política à elevação da carga tributária e a obrigatoriedade de gerar superávits primários, o governo tem de ajustar seu consumo às novas condicionantes.

Yoshiaki Nakano, 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

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