sábado, 22 de novembro de 2008

O vexame do descuido e da incompetência


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A medíocre crise que desabrochou, depois de muito anunciada, com o gesto de irritação do presidente do Senado, Garibaldi Alves, de devolver ao Palácio do Planalto a Medida Provisória número 466 – que renovou o certificado de entidades filantrópicas e, de cambulhada, a das pilantrópicas, acusadas de desvio de verbas – o governo não tem do que se espantar e menos ainda dos seus resmungos com a reação do educado e amável senador potiguar, que conheço desde menino.

Não se governa nem faz política sem informação. E a ficha do senador Garibaldi é extensa, passa pela prefeitura de Natal, pelo governo do Rio Grande do Norte com o rabicho da reeleição e por anos de convivência com parlamentares de todos os partidos e o funcionalismo em todos os níveis.

Mas boa educação e a índole amistosa não significam frouxidão nem medo. Certamente, o Palácio do Planalto e toda a sua engrenagem burocrática não provocaram propositalmente os brios do senador. É que a acefalia sistêmica, com as constantes viagens domésticas e para os quatro cantos do mundo do presidente recordista de milhagem nas asas do Aerolula, com a agravante da freqüente companhia da ministra-chefe do Gabinete Civil, a candidata Dilma Rousseff, abre um buraco na burocracia e que precisa ser obturado, nas urgências, pela prestimosidade do segundo escalão.

Não foi exatamente o que aconteceu. Mas salta aos bugalhos atentos que a rotina palaciana virou uma bagunça. Esta não é a primeira mas a segunda vez que uma medida provisória é devolvida ao Palácio do Planalto e sob alegação de inconstitucional. Mas deixemos de firulas e vamos ao que importa. O gesto do presidente do Senado é político. Uma resposta dura e seca ao tratamento que o governo dispensa ao Legislativo.

A criação das medidas provisórias foi um erro cometido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos últimos dias do seu segundo mandato (outro erro calamitoso do mesmo autor), que com seis anos de atraso bate na caixa do peito as pancadas do arrependimento. Em declarações recentes, FHC enrola-se em contradições ao tentar explicar o inexplicável. Mas merece acolhimento a sua confissão do "grave erro" ao concordar, em 2001, no fim do mandato, com o bloqueio das atividades legislativas pelas medidas provisórias encaminhadas pelo Executivo. Ao erro do seu antecessor, Lula acrescentou o cômodo costume de entupir a pauta das duas Casas do Congresso com o chorrilho de MPs.

O presidente Lula queixa-se que almoçou com o senador Garibaldi, e ele não o avisou de que ia devolver a MP ao Planalto, a tempo de buscar a saída do jeitinho. Mas, se vozes governistas protestam contra a atitude enérgica do presidente Garibaldi Alves, é evidente a repercussão favorável na opinião pública.

E Lula nunca foi um defensor do Congresso, por ele criticado desde a sua militância como líder sindical. Eleito deputado federal pelo PT, com votação recordista, foi uma presença episódica na Constituinte de 1988 e não quis disputar novo mandato para não conviver com os "mais de 300 picaretas" do seu cálculo desqualificante.

A ambivalência do seu relacionamento com o Congresso, ou com a maioria que apóia o governo, conserva o ranço dos preconceitos. O presidente negocia bem, com generoso desprendimento, nas rodadas para a montagem da base de apoio parlamentar. E é com os pés em terra e a consciência em férias que arremata os lotes no leilão de cada legislatura. Paga o alto preço do rateio de ministérios, secretárias, autarquias, dos cargos de confiança de livre nomeação, da criação de 100 mil vagas na obesa estrutura democrática.

As MPs são uma ajuda preciosa no jogo parlamentar. Não apenas pela facilidade em legislar e trancar a pauta para barrar a votação de matérias do interesse da oposição. A melhor tática em tais casos é deixar esfriar a temperatura e buscar o atalho das fórmulas de conciliação. O governo abre brechas na sua intransigência, e o senador Garibaldi Alves apresenta as suas exigências. E é o que está sendo articulado às pressas pelos conciliadores dos dois lados.

E tudo vai acabar na santa paz do acordo, em torno de uma mesa com o cardápio potiguar da carne de sol assada com feijão verde e a jarra do suco de caju gelado.

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