quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os três desafios de Obama


Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Foi a vitória da esperança. Mas não devemos nos enganar: é pouco provável que Obama venha a ser um bom líder para o mundo

A VITÓRIA de Barack Obama resgatou a democracia americana depois de 30 anos de exclusão interna e prepotência internacional. Dois grandes "setores" foram vitoriosos: dentro dos EUA, os pobres e os trabalhadores; fora, o mundo inteiro que, estigmatizado pela perspectiva imperial americana, apoiou o candidato democrata. Foi uma vitória extraordinária, que emocionou todos porque era a vitória da esperança. Entretanto, não devemos nos enganar: é pouco provável que Obama venha a ser um bom líder para o mundo.

São três os grandes desafios que enfrentará o novo presidente: reverter o aumento da desigualdade nos Estados Unidos; abandonar a atitude imperial de seu país em relação ao resto do mundo; e associar-se às demais nações na superação da grande crise financeira atual. No plano interno, embora em uma eleição majoritária o candidato precise limitar as definições ideológicas para conquistar o centro, creio que o governo Obama será, afinal, um governo progressista. Não só as posições que assumiu, mas, principalmente, os apoios apontam nessa direção.

Segundo a National Election Pool, Obama teve apoio de 88% dos progressistas, enquanto McCain tinha a seu favor 78% dos conservadores; o apoio de 95% dos negros e de 66% dos hispânicos, contra 55% dos brancos para McCain; de 66% dos jovens de 18 a 29 anos, enquanto McCain tinha 53% dos acima de 65 anos.

Os Estados Unidos são hoje uma sociedade atrasada: uma democracia liberal, enquanto os grandes principais países europeus já são democracias sociais. Ainda que, no exercício do poder, a influência da ordem estabelecida seja maior do que a dos eleitores, Obama terá suficiente legitimidade política para se manter fiel aos seus compromissos nessa área e reverter o aumento da desigualdade.

No plano da crise financeira internacional, tudo dependerá da autonomia do novo secretário do Tesouro em relação ao sistema financeiro e à ideologia neoliberal.

Se, de um lado, ele for capaz de fortalecer os grandes bancos em relação aos demais agentes do sistema financeiro e regulá-los muito mais cerradamente, e, de outro, não hesitar em defender os consumidores e mais amplamente a economia real, em vez de deixá-la ao sabor de um mercado pretensamente auto-regulado, poderá ser bem-sucedido. Terá ainda que enfrentar as pressões protecionistas, que não serão poucas.

Minhas expectativas, entretanto, são otimistas. O neoliberalismo e a teoria econômica ortodoxa ficaram desmoralizados com a crise financeira, abrindo espaço para políticas keynesianas pragmáticas. Já no plano das relações internacionais, não há indicação de que o nacionalismo norte-americano possa deixar de ser imperial. Em seu belo discurso da vitória, Obama falou inúmeras vezes em "nação", mas só uma em "paz", e lembrou que seu país enfrenta "duas guerras", ignorando que não são de defesa, mas de agressão.

Os americanos não compreenderam que, no início do século 21, não há mais espaço para um imperialismo do tipo que a Grã-Bretanha e a França exerciam no final do século 19.

O século 20 foi de grandes atrocidades, mas foi também o século em que: a) a democracia se tornou o regime político dominante no mundo; b) o colonialismo deixou de ser rentável e todas as colônias se tornaram Estados nacionais; c) a globalização comercial abriu todos os mercados; d) muitos países emergentes aproveitaram a oportunidade para crescer rapidamente e se tornaram concorrentes dos países ricos; e e) a criação das Nações Unidas significou um primeiro passo na direção da criação de um sistema político mundial. Todas essas mudanças fortaleceram o nacionalismo ao mesmo tempo em que deslegitimaram e inviabilizaram o imperialismo que, no fim do século 19, era ainda visto como uma forma "natural" de relação entre povos.

Os Estados Unidos, entretanto, ao se tornarem hegemônicos em 1945 e unipolares em 1989, não compreenderam que seu nacionalismo não podia ser imperial. Instituições que definam as regras do jogo competitivo e um líder político que contribua para sua definição são necessários, existindo, portanto, espaço para a liderança americana.

Mas o nacionalismo legítimo é democrático e liberal; é um nacionalismo que não pretende apontar um caminho único para o mundo, mas definir o espaço de um grande jogo em que todas as nações possam ganhar.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da FGV-SP, é colunista do caderno Dinheiro . Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).

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