ENTREVISTA » FRANCISCO DE OLIVEIRA
Sérgio Montenegro Filho
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Autor de várias obras na área da sociologia e ciência política, o sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira – há quatro décadas radicado em São Paulo – lançou na semana passada, no Recife, um livro diferente. Em A noiva da revolução, de tom autobiográfico, ele narra episódios vividos na capital pernambucana de forma lírica, mas não abandona o cunho político, como no caso da prisão de Miguel Arraes, em 1964, e da sua, poucos dias depois. Professor titular aposentado da USP, Oliveira ajudou a fundar o PT, em 1980. Há alguns anos, rompeu com o partido – que, na sua opinião, caiu na institucionalidade –, para fundar o PSOL. Nesta entrevista ao JC, ele fala do livro, analisa o perfil do eleitor recifense e a migração das bases do PT para o Nordeste.
JC – Esse novo livro tem um tom mais lírico, parece ser uma obra autobiográfica, mas não deixa de oferecer narrativas políticas. O que o diferencia dos seus outros trabalhos?
CHICO DE OLIVEIRA – Não se pode nascer numa cidade como o Recife sem amar a poesia. É um livro sentimental. E até certo ponto é autobiográfico sim. Eu narro episódios dos quais participei. Não tem nada documentado, porque não sou historiador, nem eu tenho documentos. Mas é tudo verdade.
JC – O senhor narra, por exemplo, episódios como a prisão de Miguel Arraes em 1964...
OLIVEIRA – No episódio com Arraes, eu tinha ido ao Palácio para oferecer solidariedade a ele, para ajudar na resistência ao golpe militar, e fiquei lá até ele ser detido pelo coronel Dutra de Castilho. Dali, saí no carro de Celso Furtado (criador da Sudene) e fomos para o gabinete do general Justino Alves Bastos (comandante do 4º Exército), na rua do Hospício. Pensei que já ia sair de lá preso, mas isso só aconteceu no dia 6 de abril.
JC – O senhor fala, no livro, da relação do Recife com a Sudene, embora afirme que o “epicentro” do conflito de classes estivesse em São Paulo. Como o senhor vê a Sudene hoje, depois de ter sido extinta por FHC e recriada por Lula?
OLIVEIRA – A recriação é puro jogo de cena do governo. A Sudene não tem mais viabilidade, não é mais o momento. É uma farsa.
JC – Parece que o maior investimento do governo Lula, até agora, tem sido mesmo no campo assistencial, com o Bolsa-Família e outros projetos do gênero...
OLIVEIRA – Não, o governo federal está fazendo algumas obras no Nordeste. Tem a transposição do Rio São Francisco, que aliás, pode ser um equívoco pelo qual se pode pagar muito caro, porque ninguém sabe os efeitos disso ainda. Principalmente os efeitos ambientais.
JC – O eleitor do Recife sempre foi tido como rebelde, contestador. Mas hoje, parece que decidiu pela continuidade, mantendo o PT no poder por três mandatos. Como o senhor vê isso hoje, em comparação com os tempos em que vivia na cidade?
OLIVEIRA – É difícil dizer em uma análise superficial. Mas a política mudou no Brasil, não só no Recife. O Recife aparece com certo destaque pela comparação com seu passado. Esta era uma cidade política, que respirava política. Infelizmente não é mais assim. De qualquer forma, não se pode fazer um livro sobre o Recife sem que a política esteja no centro do assunto. Eu não vivo aqui, então meu depoimento é um pouco em falso. Mas não vejo mais posições políticas. Vejo arrumações de casas. Posições políticas havia no passado, por exemplo, quando Paulo Freire lançou o novo método de educação que abalou a pedagogia do Brasil e do mundo. Ou do MCP (Movimento de Cultura Popular, criado em 1960), que tinha um papel importante ao fazer de artes populares, do cinema, do teatro, uma vara curta para cutucar o “cão”.
JC – O Recife vai para o terceiro governo consecutivo do PT. Não é um reflexo de um eleitorado ainda de esquerda?
OLIVEIRA – O PT não é mais de esquerda. O PT foi absorvido pelo sistema brasileiro, que tem alta capacidade de digerir o que é novo. O PT foi digerido não somente no Recife, mas no País inteiro.
JC – O PT, no início, cresceu muito no Sudeste e no Sul, principalmente em São Paulo e Porto Alegre. Agora, tem perdido muitas eleições regiões, enquanto ganha no Nordeste. Qual a razão dessa inversão do eleitorado petista?
OLIVEIRA – Houve uma transferência de bases. A importância do PT em São Paulo definhou porque as bases sindicais definharam, e o PT foi criado basicamente por sindicalistas. Os sindicatos não têm mais garra, foram cooptados e transformaram-se em correias de transmissão do governo. No Nordeste, há o Bolsa-Família e as outras políticas de institucionalização da pobreza que fazem efeito desruptivo na política. O preço a pagar, a longo prazo, por essa anulação da política vai ser caro.
JC – No livro, o senhor fala na questão das lutas de esquerda e direita no Recife. Elas não existem mais?
OLIVEIRA – O Recife do Século 20, ao meu ver, é uma “invenção” da esquerda. Dos anos 50 para a frente, a esquerda pernambucana, ampla, tendo como núcleo o Partido Comunista, a esquerda católica, os socialistas, formam a Frente do Recife e rompem com as formas de clientelismo, até a eleição de Miguel Arraes em 1962, para o governo do Estado. Aí, veio o golpe militar, e ficou impossível reconfigurar tudo isso. A ditadura durou 20 anos, plantou novas estruturas sociais, mudou muito a relação entre as classes e o Recife pagou particularmente caro, porque sua base popular sumiu. Não tem mais povo, tem massa de manobra. E com isso não se faz política, faz favor.
JC – Esse é o seu primeiro livro nesse tom diferenciado, mais autobiográfico. É todo baseado em memórias?
OLIVEIRA – Não. Elegia para uma re(li)gião (lançado em 1977 e relançado este ano) já tinha muito da experiência que eu vivi com a criação da Sudene até a derrota de 1964. Mas este agora é mais descaradamente autobiográfico, mais descaradamente sentimental. Eu não escondo nada, está tudo escrito.
Sérgio Montenegro Filho
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Autor de várias obras na área da sociologia e ciência política, o sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira – há quatro décadas radicado em São Paulo – lançou na semana passada, no Recife, um livro diferente. Em A noiva da revolução, de tom autobiográfico, ele narra episódios vividos na capital pernambucana de forma lírica, mas não abandona o cunho político, como no caso da prisão de Miguel Arraes, em 1964, e da sua, poucos dias depois. Professor titular aposentado da USP, Oliveira ajudou a fundar o PT, em 1980. Há alguns anos, rompeu com o partido – que, na sua opinião, caiu na institucionalidade –, para fundar o PSOL. Nesta entrevista ao JC, ele fala do livro, analisa o perfil do eleitor recifense e a migração das bases do PT para o Nordeste.
JC – Esse novo livro tem um tom mais lírico, parece ser uma obra autobiográfica, mas não deixa de oferecer narrativas políticas. O que o diferencia dos seus outros trabalhos?
CHICO DE OLIVEIRA – Não se pode nascer numa cidade como o Recife sem amar a poesia. É um livro sentimental. E até certo ponto é autobiográfico sim. Eu narro episódios dos quais participei. Não tem nada documentado, porque não sou historiador, nem eu tenho documentos. Mas é tudo verdade.
JC – O senhor narra, por exemplo, episódios como a prisão de Miguel Arraes em 1964...
OLIVEIRA – No episódio com Arraes, eu tinha ido ao Palácio para oferecer solidariedade a ele, para ajudar na resistência ao golpe militar, e fiquei lá até ele ser detido pelo coronel Dutra de Castilho. Dali, saí no carro de Celso Furtado (criador da Sudene) e fomos para o gabinete do general Justino Alves Bastos (comandante do 4º Exército), na rua do Hospício. Pensei que já ia sair de lá preso, mas isso só aconteceu no dia 6 de abril.
JC – O senhor fala, no livro, da relação do Recife com a Sudene, embora afirme que o “epicentro” do conflito de classes estivesse em São Paulo. Como o senhor vê a Sudene hoje, depois de ter sido extinta por FHC e recriada por Lula?
OLIVEIRA – A recriação é puro jogo de cena do governo. A Sudene não tem mais viabilidade, não é mais o momento. É uma farsa.
JC – Parece que o maior investimento do governo Lula, até agora, tem sido mesmo no campo assistencial, com o Bolsa-Família e outros projetos do gênero...
OLIVEIRA – Não, o governo federal está fazendo algumas obras no Nordeste. Tem a transposição do Rio São Francisco, que aliás, pode ser um equívoco pelo qual se pode pagar muito caro, porque ninguém sabe os efeitos disso ainda. Principalmente os efeitos ambientais.
JC – O eleitor do Recife sempre foi tido como rebelde, contestador. Mas hoje, parece que decidiu pela continuidade, mantendo o PT no poder por três mandatos. Como o senhor vê isso hoje, em comparação com os tempos em que vivia na cidade?
OLIVEIRA – É difícil dizer em uma análise superficial. Mas a política mudou no Brasil, não só no Recife. O Recife aparece com certo destaque pela comparação com seu passado. Esta era uma cidade política, que respirava política. Infelizmente não é mais assim. De qualquer forma, não se pode fazer um livro sobre o Recife sem que a política esteja no centro do assunto. Eu não vivo aqui, então meu depoimento é um pouco em falso. Mas não vejo mais posições políticas. Vejo arrumações de casas. Posições políticas havia no passado, por exemplo, quando Paulo Freire lançou o novo método de educação que abalou a pedagogia do Brasil e do mundo. Ou do MCP (Movimento de Cultura Popular, criado em 1960), que tinha um papel importante ao fazer de artes populares, do cinema, do teatro, uma vara curta para cutucar o “cão”.
JC – O Recife vai para o terceiro governo consecutivo do PT. Não é um reflexo de um eleitorado ainda de esquerda?
OLIVEIRA – O PT não é mais de esquerda. O PT foi absorvido pelo sistema brasileiro, que tem alta capacidade de digerir o que é novo. O PT foi digerido não somente no Recife, mas no País inteiro.
JC – O PT, no início, cresceu muito no Sudeste e no Sul, principalmente em São Paulo e Porto Alegre. Agora, tem perdido muitas eleições regiões, enquanto ganha no Nordeste. Qual a razão dessa inversão do eleitorado petista?
OLIVEIRA – Houve uma transferência de bases. A importância do PT em São Paulo definhou porque as bases sindicais definharam, e o PT foi criado basicamente por sindicalistas. Os sindicatos não têm mais garra, foram cooptados e transformaram-se em correias de transmissão do governo. No Nordeste, há o Bolsa-Família e as outras políticas de institucionalização da pobreza que fazem efeito desruptivo na política. O preço a pagar, a longo prazo, por essa anulação da política vai ser caro.
JC – No livro, o senhor fala na questão das lutas de esquerda e direita no Recife. Elas não existem mais?
OLIVEIRA – O Recife do Século 20, ao meu ver, é uma “invenção” da esquerda. Dos anos 50 para a frente, a esquerda pernambucana, ampla, tendo como núcleo o Partido Comunista, a esquerda católica, os socialistas, formam a Frente do Recife e rompem com as formas de clientelismo, até a eleição de Miguel Arraes em 1962, para o governo do Estado. Aí, veio o golpe militar, e ficou impossível reconfigurar tudo isso. A ditadura durou 20 anos, plantou novas estruturas sociais, mudou muito a relação entre as classes e o Recife pagou particularmente caro, porque sua base popular sumiu. Não tem mais povo, tem massa de manobra. E com isso não se faz política, faz favor.
JC – Esse é o seu primeiro livro nesse tom diferenciado, mais autobiográfico. É todo baseado em memórias?
OLIVEIRA – Não. Elegia para uma re(li)gião (lançado em 1977 e relançado este ano) já tinha muito da experiência que eu vivi com a criação da Sudene até a derrota de 1964. Mas este agora é mais descaradamente autobiográfico, mais descaradamente sentimental. Eu não escondo nada, está tudo escrito.
Luiz Arraes:sou o oitavo filho dos dez que meu pai,Miguel Arraes ,teve.Li o novo livro de Francisco de Oliveira.Reli a segunta parte -Elegia para uma Re(li)gião num exemplar da biblioteca de meu pai,com anotações em quase todas as páginas feitas por ele.Considerava-o possívelmente a melhor análise feita sobre o assunto até então.
ResponderExcluirO Professor Francisco de Oliveira não esconde ninguém que seu livro não tem o rigor exigido paara um estudo acadêmico.
Em primeiro lugar gostaria de informá-lo que ,se algo irritava meu pai- foi esta denominação de Mito.Mito é o que não se explica.O próprio Professor dá o motivo logo adiante quando trata do assunto quando nos dá o exemplo de sua empregada.
Quando da morte de meu pai o Professor tratou o assunto com muita "légereté" como dizem os franceses.Disse que era um bom contador de história.Considero até hoje este comentário algo ofensivo.
O professor não consegue esconder também algo como um desprezo ,seja de natureza intelectual seja de naturaza política,quando se refere à meu pai na primeira parte de seu livro.
Não podendo-o fazer às claras(o livro sendo sobre uma época em que o clima deretratado se passava no que Callado chamou "O tempo de Arraes" e o segundo volume sendo dedicado a ele,meu pai),esconde com comentários passageiros.
O profesor é inegavelmente um dos grandes pensadores do Brasil.Tem um problema,creio eu:abusa dos adjetivos.Abusa deles mesmo em se tratando de um livro confessional e não de um estudo sociológico.
Era o que tinha a dizer.
Deixo meu e-mail:lularraes@hotmail.com
Luiz Arraes.
PS:quero acrescentar que não estou censurando ninguém.Estou dizendo,sem auto-censura o que penso.
Luia Arraes:gostaria de acrescentar algo mais para ilustrar o que estou escrevendo.
ResponderExcluirO professor orgulha-se de ser testemunha do golpe de estado,estando ao lado do governador.Seu comentário a respeito deste fato histórico é muito curioso.Ele apenas comenta que através de um telefonema de Jango,numa ligação de péssima qualidade percebeu que o presidente havia detectado medo em meu pai.Não seria nenhuma vergonha.
Sugiro a leitura de outro intelectual,este de dimensão infinitamente superior à do professor-ele concorda com isto,acredito-, Celso Furtado que em sua longa autobiografia retrata o mesmo momento,ele também estava presente,de maneira totalmente diferente.O mesmo contava Pelópidas,nosso tão querido Pelópidas,quando relatava a reação altiva e digna de meu pai diante dos militares.
O professor quer transformar meu pai em um "Forrest Gump".Fruto das circunstâcias.Não preciso,acredito citar a mais famosa frase de Ortega y Gasset.Ele o vê como alguém sem estatura,intelectual ou política,que foi lançado para a história pelo acaso.
Não sómente esquece de relatar as reações de Miguel Arraes nessas circunsâncias como revela um completo desconhecimento da trajetória do governador Arraes.
Meu pai preparou-se para ser o que foi.Quando detectava uma lacuna aprofundava o assunto de maneira concentrada.
Esta é a razão dele ter escrito algo em torno de 20 livros no exterior(inéditos no Brasil),de ser articulista permanente do "Le Monde Diplomatique" e ocasionalmente do "Le Monde".
Tenho muito mais a dizer.Prefiro esperar alguma interlocução com algum leitor deste blog para continuar.
Para concluir:detectei no livro(primeira parte) diversos erros (mais de vinte) sobre datas,locais e pessoas.Tenho tudo anotado.Se for do interesse do profesor Oliveira,no caso de uma segunda edição,posso manar as correções.
Luiz Arraes
LUIZ ARRAES:Não quero ficar falando no vazio.Ainda que sem contestação estou deixando registrado o meu modesto pensar.O professor,em 1964, era já destacado pela sua inteligência rápidamente detectada por dois homens(ele haverá de se lembrar.Não serei eu a fazê-lo).Esses dois homens tiveram importante papel na formação dele.Depois veio a carreira acadêmica onde ele encontrou espaço para fazer crescer sua podrosa inteligência.
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