quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Sem fazer nem acontecer


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Pode haver um governante igual, mas, mais rápido no gatilho que o presidente Luiz Inácio da Silva quando se trata de chamar o adversário para a briga eleitoral, no Brasil, ainda está para nascer.

Ainda em 2003, com um ano de antecedência, Lula lançou a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, à reeleição e, de lá para cá, não deixou passar em branco nenhuma chance de criar atrito com a oposição.

Reflexo natural no político forjado na lógica do embate. Mas, nesse período como presidente, Lula não usou esse atributo nem exibiu a mesma destreza na resolução de contenciosos de natureza governamental.

Em todos - dos escândalos de corrupção ao início da crise econômica mundial, passando pelo apagão aéreo - o presidente se omitiu o quanto pôde.

Agora segue o mesmo roteiro nos casos mais recentes: o confronto entre ministros, Poderes e corporações envolvendo assuntos delicados como a Lei de Anistia e o conflito de atribuições entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência.

Enquanto o cenário se agrava, as partes sobem o tom, constroem o impasse, o presidente silencia. Ou por outra: fala muito, mas não entra em nenhum desses assuntos a respeito dos quais se evidencia a necessidade da palavra de um árbitro.

O País não sabe o que pensa Lula sobre a hipótese de a Agência de Inteligência da Presidência da República entrar na Justiça contra uma “batida” da PF nos escritórios da Abin, muito menos tem idéia da opinião do presidente a respeito da barafunda explícita reinante no aparato de segurança. É resultado do descontrole administrativo ou fruto do excesso de controle político-partidário?

De vez em quando a assessoria presidencial divulga uma notícia aqui e ali dando conta da insatisfação de Lula: seja com o bate-boca geral, ou com a atuação de algum personagem específico.

O desagrado tanto pode se referir à ausência de perícia do ministro da Justiça no manejo da crise, quanto à abundância de posições discordantes sobre a punição de torturadores da ditadura; tanto faz, os “recados” do Palácio do Planalto são sempre vagos.

Como se ocorrências de governo pertencessem a uma dimensão diferente daquela onde atua o presidente da República.

Há boatos e reclamações a mancheias sobre a permanência de Tarso Genro à frente do Ministério da Justiça, mas o Planalto não confirma nem desmente, simplesmente ignora. Deixa o ministro exposto à chuva e não ajuíza uma solução.

Sobre a punição aos torturadores, consta que a idéia do presidente é deixar que o Supremo Tribunal Federal decida. Certo, mas seria perfeito se alguém informasse, então, o motivo do debate, considerando que exercícios dialéticos ficam bem na oposição.

Aos governos cabem atos concretos. Se o presidente Lula deixa prosperar o combate verbal, supõe-se que haja uma razão. Talvez queira mudar a Lei de Anistia, reabrir a discussão na sociedade, refazer o pacto firmado há 30 anos no início do processo de redemocratização.

Se não é esse, então qual é o objetivo? Mexer num vespeiro dessas proporções sem um plano seria uma atitude juvenil e voluntarista não partisse ela do poder público. Partindo, soa a irresponsabilidade institucional, acrescida de um toque involuntário de crueldade.

O tema fere sensibilidades, envolve vidas, revolve o passado, desperta esperanças, estimula sentimentos profundos, alimenta manifestações, mobiliza muita gente. Não é justo que, no fim, tudo caia no vazio, o rumo inexorável de questões postas em debate sem quê nem para quê.

Quando dirigente do PT, a omissão ante qualquer litígio mais pesado conferia a Lula a aura de divindade que, com ela, transitava acima das brigas de tendências.

No governo, a passividade majestática resulta em inércia, prima-irmã da falta de firmeza e ousadia para fazer acontecer o que for: a retomada da ordem na polícia, as reformas necessárias ao desenvolvimento de fato ou a adaptação, em termos claros, do contrato firmado entre sobreviventes de uma guerra aos tempos de paz democrática.

Pátrio poder

Ex-presidente da República, o senador José Sarney não crê em ações independentes de escalas hierárquicas no aparelho de Estado.

Não acreditou em 2002, quando a apreensão de uma pilha de dinheiro no escritório do genro Jorge Murad, pela Polícia Federal, acabou com a candidatura da filha Roseana à Presidência; não acreditou recentemente, quando veio a público que o outro filho Fernando Sarney é alvo de inquérito na Divisão de Repressão a Crimes Financeiros da PF.

Há seis anos, o então candidato oficial do governo Fernando Henrique, José Serra, ficou sem o apoio do pai irado.

Hoje, no que depender da ajuda do pai magoado, o candidato oficial do PT à presidência do Senado, Tião Viana, ficará sem o cargo, bem como o Palácio do Planalto não conseguirá apaziguar os ânimos da base governista na disputa.

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