domingo, 9 de novembro de 2008

Serra: “Torço para que o pior da crise tenha passado”


Entrevista: José Serra
Maria Isabel Hammes e Sebastião Ribeiro
DEU NO ZERO HORA (RS)


Considerado um dos maiores vencedores das eleições de 2008 por conta da conquista da prefeitura paulistana pelo seu afilhado político Gilberto Kassab (DEM), o governador de São Paulo, José Serra, parece avesso a análises políticas.

Em entrevista telefônica concedida a Zero Hora, o principal nome do PSDB para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez cerimônia para cortar a conversa quando o assunto foi a eleição de 2010. Questionado sobre a possibilidade de concorrer, deu uma guinada na entrevista.

– Você sabe que fizemos um programa aqui muito interessante para professores? – esquivou-se, referindo-se ao financiamento para que docentes paulistas comprem laptops.

Economista formado pela Universidade do Chile e com mestrado e doutorado nos Estados Unidos, o governador paulista brincou que está de férias da profissão, e se esforçou para se apresentar como administrador eficiente e desenvolvimentista. Não deixou, no entanto, de estabelecer o contraponto à atual política econômica do governo federal.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – O governo federal tem apresentado uma série de medidas para dar liquidez e destravar o crédito, como liberar R$ 4 bilhões para financiar a compra de veículos. As medidas foram suficientes ou o crédito ainda está empoçado?

José Serra – O crédito está empoçado, sem dúvida. Aí tem de usar as instituições públicas: Banco do Brasil, Nossa Caixa. Com a taxa de juros do Brasil, é muito mais fácil pegar o dinheiro e, em vez de emprestar, aplicar em juros. Temos a maior taxa de juros do mundo. Aliás, é o único país com uma taxa assim, porque todos os outros países baixaram no meio da crise, e o Brasil, não.

ZH
– O senhor teria feito diferente?

Serra – Teria diminuído (a taxa de juros).

ZH – O Brasil não estaria em pior situação sem as medidas apresentadas pelo governo?

Serra – São bem-intencionadas, mas tem de se ficar mais em cima e atuar mais diretamente.

ZH – O senhor é um estudioso da crise de 29. Há comparação entre aquela crise e a atual?

Serra – A crise de 29 se prolongou por uma década. Não sei se a atual terá essa profundidade. Isso ninguém sabe, a incerteza é muito grande. No Brasil, a crise impactou por escassez de crédito e também por causa da política anterior do Banco Central de juros siderais e taxa de câmbio arrochada. Os exportadores começaram a perder dinheiro e foram criados mecanismos de compensação. Então, o exportador começou a antecipar receita de exportação com empréstimo. Digamos: vendo o produto e vou receber em fevereiro. Pego dólar hoje, troco por reais e aplico na maior taxa de juros do mundo. E, no final do processo, quando vou comprar dólar para pagar a quem emprestou, compro um dólar mais barato por causa da sobrevalorização. Esse esquema eliminou o cálculo econômico da transação, que envolve produção, custo, produtividade. Criou um esquema de especulação, ou melhor, financeiro com o beneplácito do BC. No momento em que, em vez de ganhar dinheiro vendendo, você ganha especulando, pode cometer exageros. Mas isso foi conseqüência da política errada do Banco Central.

ZH – O Banco Central acertou em ter uma política dura que possibilitou o aumento das reservas e, com isso, deixou o Brasil em posição mais confortável?

Serra – Bom, mas as reservas, se não tivesse arrocho cambial, seriam até mais elevadas. Porque já estamos com déficit em conta corrente. O Brasil conseguiu o milagre de produzir déficit de conta corrente no balanço de pagamentos com alta de preços dos nossos produtos de exportação. Isso é uma façanha mundial, um caso para se fazer tese de mestrado. Como um país gera déficit comercial tendo alta dos preços dos seus produtos?

ZH – Analistas já dizem que o pior da crise passou. O senhor concorda?

Serra – Não sei. Torço para que o pior da crise tenha passado. Agora, acho que aqui dentro temos de fazer o máximo para manter linhas de crédito, manter investimentos públicos, que é o que estamos fazendo no Estado. E ajudar na mobilização do crédito. A intenção do Ministério da Fazenda é a melhor possível, e a gente tem de ajudar e colaborar.

ZH – Economistas dizem que com eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, agora que já se sabe o programa dele, isso pode ajudar a debelar a crise.

Serra – Tomara. Espero que estejam certos. A mudança de presidente em si não resolve. Tomara que venha um programa econômico mais consistente. Na campanha, Obama não apresentou nenhuma idéia nova a esse respeito. Nem o candidato derrotado John McCain.

ZH – Muitos especialistas consideram que os efeitos da crise são para o ano que vem. E o senhor?

Serra – Também acho que efeitos da desaceleração vão ser sentidos a partir do primeiro trimestre do ano que vem. Mas não tenho acompanhado as projeções do PIB (Produto Interno Bruto). Porque prever PIB a gente faz quando é obrigado a fazer. Como estou de férias da profissão de economista (risos), fazer previsão é sempre muito incômodo. Vai ter desaceleração, mas o tamanho eu espero que seja pequeno.

ZH – O senhor lançou um programa para estimular compra de tratores. Como pode ser importante para o Rio Grande do Sul?

Serra – Metade da produção nacional de tratores vem do Rio Grande. Nesse programa, combinamos com a Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) um desconto médio de 20% nos equipamentos por conta da quantidade. A exigência é ter um índice de nacionalização de 60%. A Nossa Caixa vai colocar R$ 400 milhões para crédito. A taxa de juros vai ser subsidiada pelo Estado. Demanda (para compra de máquinas) tem, o que não tem é crédito.

ZH – Como o senhor avalia a série de medidas apresentada pelo governo para destravar o crédito?

Serra – Nós (Estado de São Paulo) vamos apresentar um programa para veículos, semana que vem, pela Nossa Caixa. Não posso dizer ainda o montante, mas vai ser grande, substancial.

ZH – O governo Lula está com alta aprovação popular, mas ainda não tinha enfrentado crise econômica. Isso muda alguma coisa no cenário para a eleição de 2010?

Serra – Não vou analisar isso.

ZH – Mas a vitória do prefeito Gilberto Kassab (DEM) à prefeitura de São Paulo não lhe fortalece?

Serra – Foi uma vitória dele, porque fez uma boa gestão. Houve uma aprovação da gestão, que uma parte foi minha, porque fui prefeito por 15 meses e, de alguma maneira, delineamos o programa de governo, embora Kassab tenha feito inovações, ampliações. Ele foi eleito por causa disso, não por causa de 2010. Agora, acho que é um pouco cedo para dar volta nisso (no tema da eleição). Não para a imprensa. Agora, quero me concentrar no governo e nas coisas que estamos fazendo. Você sabe que fizemos um programa aqui muito interessante para professores? É assim: todas as professoras que quiserem se inscrevem para comprar laptop. Negociamos com produtores desconto que chega a 38%, a Nossa Caixa financia a professora, e ela paga no máximo R$ 60 por mês, com juro zero.

ZH
– Como o senhor tem acompanhado daí o governo da Yeda Crusius?

Serra – Tudo que sei é que Yeda faz excelente administração na área econômico-financeira.

ZH – Mas tem dificuldade de conseguir apoio político e popular.

Serra – Política é outro departamento, mas acho que pouco a pouco vai avançando.

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