domingo, 23 de novembro de 2008

Tarda, não chega, mas pode chegar

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Antes tarde do que nunca, diz o provérbio. Mas quando o tempo tarda e nada acontece, o nunca triunfa. Assim foi o governo Lula com as reformas estruturais: o tempo passou, o governo se acovardou e o nunca saiu vencedor. Se elas já faziam falta antes, fazem muito mais agora com a crise econômica que se aproxima. Mas na terça-feira o ministro da Justiça, Tarso Genro, fez um estranho mea-culpa: foi um erro incluir direitos trabalhistas na Constituição, arrependeu-se.

“A reforma trabalhista é muito importante. Não se trata de flexibilizar direitos. Há novas formas de trabalho e de produção. Sem mudanças a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) será cada vez menos aplicável e ao lado dela se criará um vácuo”, argumentou, para espanto de empresários que foram ouvi-lo em debate promovido para Confederação Nacional da Indústria. Com menor espanto, no mesmo dia, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, também defendeu a aprovação das reformas tributária e trabalhista como armas para enfrentar a crise econômica global.

A tributária está no Congresso e o governo batalha por sua aprovação. Mas dois ministros de Estado defenderem a reforma trabalhista no mesmo dia só pode conduzir a uma intrigante dúvida: expressam idéias pessoais, isolados do resto do governo, ou estariam disparando balão-de-ensaio combinado com o presidente Lula para introduzir o tema em debate e testar reações?

Herique Meirelles não surpreende. Afinal, ele não é petista e, como presidente do BC, é sua obrigação defender o que é melhor para o País, e não sair por aí fazendo proselitismo político.

Mas Tarso Genro é um disciplinado quadro do Partido dos Trabalhadores (PT), líder de uma corrente à esquerda que vê os direitos trabalhistas como intocáveis. Por que reintroduzir no cenário um tema já morto, sepultado por sindicalistas da CUT e pelo PT no natimorto Fórum Trabalhista? Estaria atuando a mando de Lula?

Antes mesmo de assumir o governo, em 2002 o ex-ministro Antonio Palocci convenceu Lula da necessidade das reformas. Como a previdenciária era a mais difícil, Lula tratou de conceber logo a proposta sem maiores discussões, mas confiou-a à pessoa errada: inábil e fraco, o ex-ministro da Previdência Ricardo Berzoini construiu um projeto tímido, capenga e até hoje não aplicado porque depende de regulamentação. Errou novamente ao criar um fórum com empresários e trabalhadores para discutir as reformas sindical e trabalhista. Resultado: perdeu tempo em desentendimentos intermináveis, o fórum foi desfeito e as duas reformas fracassaram.

Começou o segundo mandato e pôs em pauta um segundo projeto para a Previdência, desta vez focado nos trabalhadores regulados pelo INSS. Mas como Lula e companheiros demoram a aprender com os erros, reprisou o fracassado Fórum Trabalhista para debater e formular a proposta. Resultado: novo fiasco, o fórum foi desfeito sem acordo e Lula desistiu da idéia de reformar a Previdência e dar racionalidade aos seus gastos.

Depois de seis anos de mandato, o governo Lula não fez nenhuma das reformas estruturais. Desistiu, confiando no inconfiável: que a insustentável corrente da felicidade, que levou prosperidade ao mundo nos últimos anos, seria interminável. O crescimento econômico se daria mesmo sem reformas.

Agora que chegou a hora da verdade e, no mundo, bancos quebram, bolsas despencam, o desemprego se alastra e a recessão leva à falência monstros sagrados como a GM americana, Tarso Genro (ou seria Lula?) faz sua autocrítica, fala em arrependimento por não ter enxergado o que há anos está escancarado: as relações de trabalho mudaram, a automatização trouxe formas novas de produção, empresas ignoram a CLT e aplicam sua própria lei, metade dos trabalhadores atua sem nenhuma proteção legal e o governo não fiscaliza, porque descumprir a CLT virou regra, deixou de ser exceção.

Uma reforma trabalhista só não interessa a sindicalistas pelegos sustentados com dinheiro público do Ministério do Trabalho. Ela é necessária para atrair investimentos, reduzir o custo de produzir no Brasil, atualizar regras de relações de trabalho e incluir trabalhadores excluídos da lei.

Lula tem à frente dois anos de mandato, uma crise econômica que promete ser longa e cacife político de sua popularidade em alta. Três ingredientes que deveriam estimulá-lo a sair da inércia e não delegar a Tarso Genro, mas chamar a si a responsabilidade de liderar e conduzir a reforma trabalhista.

*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ

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