terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A desmemória

Lícia Peres
DEU NO ZERO HORA

“Para que não se esqueça.
Para que nunca mais aconteça.”

Após 40 anos da edição do AI-5, um dos símbolos mais perversos da ditadura militar, que autorizou o fechamento do Congresso, a suspensão do direito de cidadania, a cassação dos mandatos, a demissão e aposentadoria de funcionários, a instituição da censura prévia, que atingiu a imprensa, o cinema, o teatro, a música, instalando um ambiente de perseguição e medo que marcou esse tempo como dos mais atrozes da nossa história, constata-se que 82% dos brasileiros a partir dos 16 anos o ignoram. Ao admitirem o fato de nunca terem ouvido falar do Ato Institucional nº 5, evidenciam as falhas do sistema educacional brasileiro. A pesquisa publicada na Folha de S. Paulo do dia 13/12 demonstra algo que, mais do que deprimente, é trágico e carrega ainda uma certa ironia: a despolitização do nosso povo. E então nos vem à lembrança um dos slogans do autoritarismo repetido incessantemente para justificar a intervenção nos sindicatos e entidades estudantis, as prisões e torturas: Estudante é para estudar, trabalhador é para trabalhar. Assim, o fazer ou participar de atividade política era constantemente desestimulado. Tratava-se de algo indesejável e passível de punição. A meta era objetivamente a despolitização, principalmente dos jovens que sequer tinham acesso aos livros indispensáveis à sua formação acadêmica, muitas vezes obtidos clandestinamente. Tristes tempos.

Convicta da necessidade de divulgar informações sobre esse período, a Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura, instituída pelo governador Olívio Dutra nas comemorações dos 20 anos da anistia, trabalhou durante vários anos, organizando dados, promovendo exposições, palestras e cursos em Porto Alegre e no Interior. Recentemente nos afastamos, ao constatar a inexistência de apoio para a continuidade da nossa atuação. Mas, buscando contribuir para a constituição de uma democracia consolidada, na qual o respeito aos direitos humanos passasse a representar valor irrenunciável, entreguei em 15 de agosto de 2008 carta ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que expressava também o entendimento do ex-presidente da Comissão Bona Garcia e do professor de História Enrique Padrós, sobre medidas que poderiam ser adotadas pelo governo federal:

1 – Direito à verdade

A total abertura dos Arquivos de Segurança Nacional, assegurando o direito à verdade com o acesso da sociedade a todas as informações.

2 – A consolidação de uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos

a) Ação conjunta dos ministérios da Justiça, da Educação e da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, para que na rede pública de ensino fossem recomendados livros sobre o golpe de 64, que, mesmo parte da História do Brasil, são pouco divulgados. Grande parte da juventude desconhece os fatos. Assim, as novas gerações tomariam conhecimento das causas e conseqüências do período ditatorial na sociedade brasileira.

b) Elaboração de material específico para qualificação do magistério, de modo a capacitá-lo a um adequado tratamento do tema.

Exemplos: guias e cartilhas específicas sobre fontes de informação (filmes, depoimentos, livros, peças teatrais e as leis repressivas da época).

A gravidade dos dados publicados na referida pesquisa escancara a necessidade inadiável de enfrentar-se o desafio do desconhecimento histórico para que a realização do processo democrático não seja obstaculizada por uma educação insuficiente e pelo descompromisso com a memória.

*Socióloga, ex-presidente do Movimento Feminino pela Anistia

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