quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Em tempo de guerra, nada muda


César Felício
DEU ENO VALOR ECONÔMICO


Há vasta literatura sobre como acordos táticos entre inimigos políticos se frustram diante de um clima de confronto estabelecido, com campos demarcados em grande velocidade. O parecer do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) na Comissão de Constituição e Justiça sobre o fim da reeleição e a coincidência de mandato em eleições majoritárias, exatamente por trazer em si pontos que interessam tanto ao governo quanto à oposição, tem tudo para se converter em uma iniciativa natimorta.

Entre deputados veteranos na discussão da reforma política, um pacto entre tucanos e petistas com vistas a 2010 e eleições futuras é recebido com um ceticismo semelhante ao que cercava as conversações sobre a paz mundial entre a União Soviética e os Estados Unidos, nos tempos em que a guerra fria inspirava roteiros de cinema e ditaduras no Terceiro Mundo.

A proposta do petista amplia o mandato presidencial de quatro para cinco anos e acaba com a recondução. Abriria caminho assim para um acordo interno no PSDB entre José Serra e Aécio Neves. Em tese, possibilitaria ainda uma tentativa de Lula voltar ao Planalto, findo o seu mandato, a médio, e não a longo prazo. É um roteiro que entusiasma alguns petistas, tucanos e integrantes do DEM que só aceitam externar sua aprovação sob reserva. Em campo aberto, a idéia é torpedeada exatamente por estabelecer vantagens mútuas.

Dentro do PT, a reação foi imediata. Em sua página na Internet, o ex-ministro José Dirceu, inelegível até 2014, mas com influência considerável dentro do partido, partiu para o ataque. "Trata-se de um grave erro", escreveu Dirceu no começo de sua análise, que encerra afirmando: "Não dá para entender porque o PT insiste nessa tese". Dirceu não vê a possibilidade de um acordo Serra/Aécio como um chamariz para negociar o que quer que seja com a oposição, mas como um "risco".

Entre os tucanos também é a desconfiança que predomina, por motivos análogos. "A proposta pode parecer terrivelmente tentadora, mas é perigosa. Acabar com a reeleição e aumentar o mandato é um casuísmo que favorece fundamentalmente o PT. Eles ganhariam tempo para construir uma candidatura presidencial, porque outras questões podem surgir, como a prorrogação do mandato do próprio Lula", diz o deputado Edson Aparecido (PSDB-SP).

Protagonista da polêmica, João Paulo Cunha busca oferecer garantias. Diz que a oposição poderá colocar a trava que julgar necessária para impedir que os mandatos atuais sejam de alguma maneira rediscutidos. É um aceno que poderia ser recebido com mais credibilidade caso já existisse alguma base de entendimento entre os que disputam o poder. Travas legislativas não têm o poder de brecar uma discussão política, adverte o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

Com a mesma reserva se discute na Câmara a possibilidade de se criar uma brecha para que se permita ao parlamentar a troca de partidos. Os deputados não se conformam com a restrição criada pela Justiça Eleitoral que abriu espaço para a perda de mandato caso um eleito troque de partido. Alegam que as mudanças em massa de sigla já haviam se reduzido, desde que a Câmara alterou seu regimento e determinou que, para efeito de cálculo do horário eleitoral em rádio e televisão e distribuição do poder dentro da casa, valeria o tamanho das bancadas logo após as eleições, e não no momento da posse dos parlamentares. Mas a criação da "janela da infidelidade" é vista com desconfiança. A reação parte de deputados como Miro Teixeira, representante de um partido particularmente sangrado por evasões partidárias, e de siglas de oposição, como o PSDB e o PPS. Teme-se uma campanha dos grandes partidos da base governista para conseguir novos adeptos. Não é um temor infundado, dada a prática dos partidos aliados ao Planalto não só no governo Lula como também ao longo de toda a administração do antecessor tucano.

A consequência da falta de entendimento entre o governo e a oposição, neste instante, é a construção de um momento raro de estabilidade institucional. Desde a redemocratização, todas as eleições presidenciais, exceto a última, foram realizadas com regras diferentes. A de 1989 introduziu os dois turnos, por temor a uma vitória da esquerda. A de 1994 o mandato presidencial de quatro anos, pela mesma razão. A de 1998 o direito à reeleição. A de 2002, a verticalização das coligações, que não existirá em 2010. E ao longo de 2009, sem soluções casuísticas à vista, projeta-se o desenrolar de dois exaustivos dramas: a dificuldade tucana em superar suas divisões e o vazio que se ergue diante do PT com a futura ausência de Lula como opção eleitoral.

César Felício é repórter de Política.

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