segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Entre dois caminhos


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A rejeição do terceiro mandato foi, até agora, o ponto mais alto da biografia do presidente Lula, cuja popularidade ampla o dispensa de comparecer com nome e sobrenome completos toda vez que é referido. O gosto pelo populismo ficou compatível com os padrões democráticos. E a rendição à Constituição valeu por um atestado de bons antecedentes históricos. Ao sair do governo (no prazo legal), dará um grande passo, maior do que as pernas, na direção da História. A não ser que Lula faça meia-volta e reconheça razão nos aloprados que não perderam a esperança do terceiro mandato e resistem em silêncio à candidatura de Dilma Rousseff. Por entendê-la solução de algibeira, a social-democracia não sairá da toca senão para emitir apartes nas relações entre o governo e a crise financeira. O PSDB está investindo na omissão. Realmente, Lula sacou do bolso a candidatura quando se sentiu ameaçado pela horda queremista que queria empurrar-lhe o terceiro mandato. Só uma crise de proporções assustadoras, portanto, pode restaurar o debate equivocado e interromper a paz política.

A candidatura Dilma Rousseff nasceu de alternativa fictícia, sem salvar as aparências. A ministra ocupou um espaço criado pela invasão da tribo queremista, que se adiantou aos fatos quando ainda era cedo demais para tais desatinos. O terceiro mandato não amadureceu e, por ser colhido verde, se deteriorou. A democracia admite até hipocrisia, mas requer pudor. Com a expectativa de favores e o prestimoso coração presidencial, a candidatura da ministra se propagou como gripe importada. Era cedo demais para candidaturas ou muito tarde para mudar as normas legais a tempo de levar a república a velhos impasses. A candidatura feminina teve o mérito de ser novidade, mas o projeto do terceiro mandato já estava enraizado. Ficou um espaço de ninguém.

O que segurou a alternativa Dilma Rousseff foi o espírito de acomodação possível longe da eleição. Por ser solução unilateral e pessoal, a candidatura empurrou para o segundo plano o terceiro mandato e agora, à sombra da crise internacional, o sofá tem o papel principal. De olho na situação internacional, os arautos do terceiro mandato só pensam em tirar, silenciosamente, proveito da crise. Dobrar o presidente fica para depois. Primeiro, convencer a ministra. Mas quem penduraria o guizo no pescoço da gata? Preocupação supérflua. A candidata foi escolhida pela lealdade com que serve à república para evitar o que seria, dos males, o menor, desde que sem retrocesso político: a ultrapassagem pelo acostamento. Com a mesma coerência, a ministra Dilma Rousseff, assim como aceitou, devolveria a quem de direito (e, num certo sentido, até de direita) a prova de confiança presidencial para livrar a república de percorrer o sinistro túnel mal iluminado do começo ao fim.

A crise financeira internacional está querendo tirar proveito da intimidade (que não é nova) com as economias em desenvolvimento. Enquanto as bolsas de valores se alvoroçam e as falências fazem o espetáculo digno de Nero, de harpa em punho, a crise joga com as hipóteses tradicionais. A primeira é se a política seria capaz de garantir a responsabilidade democrática na encruzilhada histórica da economia e a segunda pode ser a delegação da responsabilidade política às razões de mercado. De um jeito ou de outro, a democracia será posta em questão pelo que sobrar da crise pela qual a economia está passando. Assim como se foi quando a democracia estava com toda a corda (ainda não é movida a quartzo), o perigo do terceiro mandato pode ser pressentido pelo lado oposto e voltar à cena por força das expectativas sociais, sindicais e estudantis. A ilusão do terceiro poderá subir de cotação se a crise durar mais do que a sucessão presidencial pode esperar. E, principalmente, se o otimismo oficial não for capaz de distinguir entre o pior e o melhor. Estaria dado o primeiro passo na direção contrária à democracia, sob a promessa de retroceder logo. A crise alcançaria os subúrbios do apocalipse, se a situação se aproximasse desse ponto difícil de localizar. E aí o presidente Lula teria de optar entre o caminho mais longo para sair da crise e o mais curto para entrar na História.

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