segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Irracionalidade e proibição


Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A necessária regulação do sistema financeiro envolve a simples proibição do uso de muitas inovações financeiras

DESDE O final dos anos 1970, os agentes do setor financeiro vêm criando "inovações" financeiras. Aproveitando o grande prestígio que a palavra inovação ganhou a partir da teoria de Schumpeter sobre o empresário, os financistas denominaram as operações financeiras que foram criando -muitas delas eminentemente especulativas- de inovações, que, assim, se equiparariam às inovações empresariais. Está, porém, presente em muitas delas uma irracionalidade fundamental que não decorre de não serem bem reguladas, mas simplesmente de serem permitidas.

São práticas piores do que os jogos em cassino, porque ali o jogador só perde o dinheiro que apostou mais o crédito que o cassino na hora lhe oferece, enquanto no caso dos derivativos financeiros o operador pode perder muitíssimo mais. Só essa possibilidade pode explicar o que aconteceu com o Citibank. No fim de 2006, esse banco valia US$ 274 bilhões no mercado de ações; na última semana, antes de novo socorro do Fed, seu valor na Bolsa havia caído para US$ 20 bilhões.

Como pode ocorrer uma queda tão grande de valor? Não foi a simples queda da Bolsa americana -de 50% desde 2006. Não conheço quais foram as operações que, no caso desse banco, levaram-no a essa situação lastimável, mas posso dar dois exemplos de como operações "conservadoras" no mercado de futuros podem levar a prejuízos extraordinários.

Primeiro exemplo: suponhamos que eu tenha R$ 5 milhões aplicados em títulos brasileiros e que, prevendo uma maior apreciação do real, que está a R$ 2 (previsão que muitas empresas fizeram no início deste ano), peça a uma corretora de valores que venda dólares futuros no valor de R$ 40 milhões (ou US$ 20 milhões) -valor próximo da alavancagem máxima permitida dados os R$ 5 milhões. Se, de repente, no meio do contrato, o real se deprecia em 25%, subindo para R$ 2,50 por dólar, eu perderia esses 25%, ou seja, R$ 10 milhões (na verdade, perco no limite de meu patrimônio devido à exigência de margem pela Bolsa).

Segundo exemplo: suponhamos que eu necessite de um empréstimo de R$ 10 milhões, mas o juro está alto (18%), e quero reduzi-lo para a metade economizando R$ 900 mil. Para isso, vendo uma opção de compra de dólares cujo prêmio estimo corresponder a esse valor. Como, nesse momento, para cada contrato do equivalente em dólares de R$ 10 milhões, o preço do prêmio da venda da opção é de R$ 50 mil, eu terei de vender opção de valor equivalente em dólar de R$ 180 milhões para recuperar os R$ 900 mil. Se o dólar se deprecia em 50%, passando de R$ 1,60 para R$ 2,40, eu terei perdido R$ 90 milhões.

A simples possibilidade de haver operações financeiras como essas é irracional. Sua alavancagem é infinita. E sua irracionalidade pode ser também demonstrada comparativamente às alçadas que os bancos estabelecem para seus gerentes. Enquanto essas limitam fortemente o risco de o banco emprestar, meros operadores financeiros podem realizar operações com derivativos que arriscam valores infinitamente maiores do que essas alçadas. A necessária regulação do sistema financeiro, portanto, envolve, entre outras medidas, a simples proibição do uso de muitas inovações financeiras.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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