domingo, 28 de dezembro de 2008

Keynesianos vs. Neoclássicos na Crise

Tony Volpon
Economista filiado ao PPS


Muito bem vindo o artigo do Flavio Basílio da UnB no Valor de hoje: “Neoclássicos versus keynesianos e a crise”. Apesar do que eu considero alguns erros de representação, ele condensa bem as diferentes visões e recomendações sobre a crise atual, como os perigos, ao meu ver, de um certo pensamento que se diz keynesiano, e que esta “em alta” pela ido de Guido Mantega a Fazenda como as mudanças no IPEA que levaram muitos deles ao Instituto.

Sendo um texto “polemico” encontramos nele a mais usada, e abusada, estratégia retórica, a de simplificar a representação do seu “inimigo” para poder facilmente derrubá-lo. Veja como os tais “ são neoclássicos” retratados:

A evolução da Teoria Quantitativa da Moeda, particularmente a sua nova versão ancorada no arcabouço wickselliano, tem como conseqüência natural a proposição de que a poupança determina o investimento. Sob este referencial, o foco principal de análise é baseado na determinação dos preços, e não da renda nacional. O preço fundamental é aquele que garante o equilíbrio entre poupança e investimento, ou seja, a taxa de juros. Segue-se, portanto, que se o país cresce pouco é porque não tem poupança suficiente para estimular o investimento adicional requerido, e não tem poupança porque a taxa de juros é baixa.

Não é fácil determinar aqui sobre quem Flavio esta falando. Quando fala sobre a “nova versão” da teoria wickselliana, me faz pensar imediatamente da teoria monetária nova-keynesiana que, se inspirando em Wicksell, abandonou a abordagem centrada na quantidade/oferta de dinheiro e passou a analisar o nível de juros diretamente como determinante da inflação. Essa é hoje a abordagem “padrão”, inclusive no desenho do sistema de metas de inflação, e tem no livro-texto de Woodford (“Interest and Prices” : Foundations of a Theory of Monetary Policy”) sua mais conhecida representação.

Se fosse isso tudo bem, mas não consigo ver o que a teoria monetária nova-keynesiana tem a ver com a afirmação, um tanto (e talvez propositalmente por estratégia retórica) contraditória que para a economia crescer, tem que AUMENTAR a taxa de juros. Lendo esse texto, com usa ligação entre crescimento e taxa de juros, me lembrei também dos modelos canônicos de crescimento econômico de Solow, Ramsey, Koopmans, onde a acumulação de capital acontece se a produtividade marginal do capital esta acima do parâmetro de preferência intertemporal dos agentes, o que pode ser “interpretado” como dizendo que haverá crescimento e investimentos líquidos se o retorno sobre investimento for maior que a taxa de juros vigente, mas ambem não me parece que seja isso que Flavio esta representando.

Agora vamos ao que supostamente representaria o pensamento de Keynes:

Do outro lado do flanco de batalha, Keynes, em sua obra magna "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", constrói o argumento de que a poupança, ao invés de constituir-se no pré-requisito do investimento, como propõe a economia neoclássica, é, na verdade, seu resultado. Essa mudança ocorre porque a variável central no pensamento keynesiano não são os preços e sim o produto real. Em uma economia monetária ou empresarial, a decisão de investir não depende da disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é, acesso aos meios de pagamento.

Digo “supostamente” porque lembro o que meu professor de Teoria Macroeconômica em Mcgill, A. Asimakopulos, ele mesmo estudante da Joan Robinson, me confidenciou, tem um pensamento econômico completo em quase cada capitulo da Teoria Geral. Mas o que dizer sobre essa afirmação?

Vemos nela o que eu acho o maior perigo desssa linha de pensamento "keynesiano". Para simplificar, ela postula que o investimento gera sua própria poupanca. Ora, assim sendo o problema sempre se resume a falta de investimentos. Não aprece existir aqui nenhuma restrição, seja de recursos disponíveis ou no âmbito externo.

A verdade é que enquanto tal idéia foi de fato articulada por Keynes, ela só representa uma verdade em uma economia já em condições depressivas, com muitos recursos sem uso. Ai sim podemos falar de ineficiência de demanda e investimento. Ai sim “financiamento” mais do que poupança é a variável chave. Tentar generalizar esse caso para qualquer outra situação é tanto perigoso como uma muito errada leitura de Keynes, como veremos abaixo.

Qual entao seria as solucoes para atual crise vindo desses paradigmas opostos?
No caso dos neoclássicos:

Os economistas neoclássicos, se forem coerentes com o referencial teórico que defendem, não terão o que falar sobre a crise financeira. Isso porque a crise não tem espaço no referencial neoclássico, uma vez que os mercados financeiros são sempre eficientes e garantem a perfeita alocação dos recursos

De novo, quem são esses crentes puro na eficiência dos mercados? O que aconteceu com toda a literatura nova-keynesiana sobre assimetria de informação nos mercados de trabalho, ou sobre estrutura de mercados não perfeitamente competitivos? De novo, é meio difícil dizer quem é esses neoclássicos...

Ai lemos isso tambem:

De qualquer sorte, dado que a crise financeira requer proposições de política econômica, a corrente neoclássica, obviamente, defenderá a necessidade de um forte ajuste fiscal por parte do governo com o objetivo de aumentar a poupança doméstica, liberando, dessa forma, recursos adicionais aos empresários. Acrescenta-se que a autoridade monetária deverá manter um austero controle da inflação. Para isso, é imperativo que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros em 13,75%. Em primeiro lugar porque dessa forma, as expectativas de inflação convergem para a meta. Em segundo lugar, porque quanto maior a taxa de juros, maior será a poupança e, conseqüentemente, maior será o investimento

Aqui Flavio confunde duas coisas. Uma é a, ao meu ver correto, reconhecimento que nessa crise temos uma queda do produto potencial pela imposição exógena de restrições a renda e financiamento externo. Sendo assim, uma recomposição da demanda interna para privilegiar investimentos seria benéfico, o que implica cortar o consumo do setor publico onde possível. Isso tudo não tem nada a ver diretamente com a questão das metas de inflação, e absolutamente nada com a idéia que maior os juros, maior a poupança e então os investimentos.

Qual seria a proposta keynesiana?

A corrente keynesiana, por sua vez, advogará que o governo, em um cenário de crise, deverá elevar os gastos de investimento com o objetivo de estimular a demanda agregada. Em especial, o governo deverá efetuar aportes significativos de capital, por intermédio do Tesouro Nacional, ao BNDES com o objetivo de restabelecer e fortalecer as linhas de crédito às empresas, em especial ao setor exportador, sob pena de no futuro próximo estarmos sujeitos a uma nova crise do balanço de pagamentos

Como de praxe, parece que a resposta a tudo é maiores gastos públicos. (queria ver uma vez alguém dessa escola defender corte de gastos públicos em alguma situação!...) De novo, devemos perguntar: A economia brasileira esta em depressão? Com as expectativas do governo sendo um crescimento de 4% ao ano, precisamos adotar políticas feitas para economias em forte recessão?

O que fica totalmente fora de qualquer articulação aqui é a questão externa, ou quase. A queda na demanda e nos preços das importações brasileiras merece a seguinte analise:

Além disso, verifica-se que os preços das commodities e, em especial o preço do petróleo, estão despencando no mercado internacional....Além disso, o governo deve se preparar para a anunciada crise do balanço de pagamentos. Para isso, deve desenhar um plano B que incorpore controle de capitais com vistas a evitar a escalada do dólar, tal como já foi defendido neste espaço por outros economistas keynesianos.

Não fica claro no texto porque vamos ter tal crise, mas contra qualquer idéia que devemos trabalhar para ter uma política econômica que torna os equilíbrios internos e externos compatíveis, vemos a velha afirmação que basta tacar controle de capitais para resolver o problema.

Infelizmente vemos nesse oportuno texto dois vícios da escola pós-keynesiana brasileira.

Primeira, a presunção que o que vale em uma economia recessiva, vale o tempo todo, o que leva a estes sempre advogarem a mesma coisa: aumento dos gastos públicos. Segundo, a também usual afirmação que basta tascar “controle de capitais” sobre a economia para resolver qualquer problema de restrição externa. Gostaria de convidar qualquer um desses economistas a apresentar tal programa de “controle” detalhado para passar por uma boa analise. Veríamos rapidamente que este ou não funcionaria, ou teria efeitos colaterais extremamente nocivos se fosse grande e forte o suficiente para realmente “resolver” a restrição externa.

Concluo que não é por ai. Não temos dos nossos keynesianos, e esse texto é de fato uma boa e completa exposição desse pensamento, um diagnostico correto da crise atual ou um programa para enfrentá-lo.

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