terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Magistrados do ES entregam corruptos


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

É bem provável que a prisão do presidente e de outros dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo seja apenas a ponta de um novelo que vai terminar em juízes do primeiro grau. O certo é que se trata da continuidade de um processo no qual as instituições estaduais estão passando por reestruturação e limpeza, como prova o auxílio que magistrados - isso mesmo, magistrados - capixabas deram aos agentes federais. Um apoio decisivo para a rapidez e o sucesso da "Operação Naufrágio".

Esse processo começou em 2002, quando se tornaram evidentes os indícios de que as instâncias legais do Estado que abriga um dos principais portos do país haviam sido tomadas pelo crime organizado. O então presidente Fernando Henrique Cardoso ainda dispunha do recurso da opção mais drástica, a intervenção pura e simples no Estado. Mas como bom tucano, tinha dúvidas e abriu um debate no governo sobre o caráter democrático da medida. Optou-se então pelo envio de uma força tarefa integrada por agentes e procuradores federais.

Com problemas nos três poderes e nas instituições em geral, havia cobrança da sociedade civil. Um juiz que lutava contra o crime organizado fora executado. Para disputar as eleições de 2002, o atual governador Paulo Hartung (PMDB) teve de se desligar do PSDB, que era controlado pelo então governador, José Ignácio - também objeto das investigações da força tarefa (Ignácio era um problema já há muito tempo, mas os tucanos que dirigiam então o partido fingiam que nada viam, como fazem agora em relação aos governadores encrencados no Tribunal Superior Eleitoral).

A força tarefa logo começou a meter o bedelho nas questões relativas ao Executivo e ao Legislativo. Para resumir a história - importante para situar o atual cerco ao Judiciário capixaba -, o eterno presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, teve o mandato cassado e passou duas vezes pela cadeia. Também foi preso o coronel que chefiava a banda podre da Polícia Militar. Um novo grupo, integrado pelo PT e auxiliares de Hartung, assumiu o comando da Assembléia. Nos primeiros anos, devolveu dinheiro do Orçamento ao Executivo - só em 2009 a Assembléia terá um orçamento nominal igual ao último executado por José Carlos Gratz, em 2002.

"Hoje o Espírito Santo tem um Executivo e um Legislativo reorganizados", diz o governador Paulo Hartung. Mas o trabalho da força tarefa, que ainda se estendeu até o início do governo Lula, identificou problemas, mas não conseguiu avançar as investigações no Judiciário. Mas no início deste ano, numa operação realizada no porto de Vitória para apurar a importação ilegal de carros de luxo (investigação que envolveu o filho de um governador tucano, Ivo Cassol), a Polícia Federal atirou no que viu e acertou no que não viu: a ponta que faltava no vasto esquema de corrupção montado no Espírito Santo

A "Operação Titanic", que apurava a importação ilegal dos carros de luxo, grava integrantes do Judiciário negociando sentenças. As gravações deram origem à "Operação Naufrágio". Elementar. Para a PF, é claro. Mas coisas surpreendentes já haviam começado a acontecer.

"Fredinho", como o filho do presidente do TJ-ES é chamado, já havia sido denunciado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por um magistrado. Mas não parou por aí: quando a "Naufrágio" entrou em ação, magistrados do Espírito Santo se despiram do espírito de corpo, resolveram falar o que sabiam e deram informações que aceleraram o trabalho da Polícia Federal, limpo, discreto até o momento da prisão dos envolvidos, e eficiente.

Os agentes da Polícia Federal receberam informações precisas sobre o que ocorria nas entranhas do TJ-ES. É evidente que a "Operação Naufrágio" não pegou tudo, mas trincou, com a conexão dos desembargadores, que havia escapado ilesa da investida da força tarefa de 2002. A expectativa dos capixabas agora é de que a operação seja aprofundada, porque há muitos outros problemas, especialmente no primeiro grau. E uma das primeiras conseqüências será a realização de concurso público para o Judiciário por instituições externas, antiga reivindicação da OAB local (para burlar a lei do nepotismo, há indícios de que desembargadores locais manipulavam as provas dos concurso para empregar parentes)

"Todos os Estados têm problemas, deformações e desvios a serem resolvidos", diz o governador Paulo Hartung. "Mas com o apoio da sociedade e das instituições locais e nacionais é possível resolvê-los". Segundo Hartung, "além de ser um dever ético, isso tem um ganho econômico, torna o Estado mais competitivo ao olhar dos investidores, numa visão de futuro, no qual as instituições têm mais valor que os homens".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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