quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O desafio da transferência de voto

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O presidente Lula mergulhou novamente na banheira de águas aromatizadas com os sais que aliviam tensões e perfumam o corpo com a última pesquisa da seqüência que registra a disparada da sua popularidade para as alturas do recorde nacional.

Os 73% que qualificam o seu governo como ótimo e bom segundo o Ibope, e os 71,1% que o aprovam de acordo com o Sensus, em pesquisas encomendadas pelas confederações nacionais da Indústria (CNI) e dos Transportes (CNT), só perdem para os 84% e 80,3% da aprovação recordista da sua avaliação pessoal.

As rosas também picam a pele com os seus espinhos. Por enquanto, um simples arranhão que não chega a provocar insônias. Mas, enquanto Lula dispara, a sua candidata, ministra Dilma Rousseff, não consegue levantar vôo e quase não sai do lugar.

Quer dizer, não é bem assim. Na pesquisa em que o favorito, governador José Serra, de São Paulo, chega perto da maioria absoluta com 46,5% das intenções de voto, a ministra-candidata chega aos dois dígitos, com 10,4%, atrás da ex-senadora Heloisa Helena, do PSOL, com 12,5%. E na pesquisa em que o candidato é o também tucano governador Aécio Neves, de Minas, ele lidera com 25,3%, seguido pela ex-senadora Heloisa Helena, com 19,1%. A ministra Dilma, com 12,9%, mantém a terceira posição.

A esta altura da pré-campanha, que só deve embalar lá por meados de 2009, é simples desqualificar com um piparote os índices desfavoráveis das pesquisas. Ora, se pesquisas nada valem a mais de dois anos de distância das urnas de 2010, então por que empresas e partidos gastam fortunas para encomendá-las e a mídia abre espaço para o registro e as análises dos percentuais?

Nem tanto ao mar nem os pés no buraco. Na alma em festa do presidente Lula não há lugar para pessimismo. Mas, quando o bom senso o aconselhou a sepultar as suspeitas manobras da turma que lota o governo e ensaiava o terceiro mandato, as especulações sobre a sua sucessão começaram a carambolar nas suas especulações. Nos quadros do PT, com os desfalques dos derrotados nas urnas e dos salpicados pelos escândalos de todos os tamanhos, inclusive os acusados de formação de quadrilha, só em última instância cogitaria de apostar uma ficha num dos salvados do incêndio com queimaduras que o tempo cura.

Não foi necessário cansar os miolos para chegar à decisão de correr o risco de lançar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para a aventura de bancar uma candidata que nunca disputou uma eleição e que começaria concorrendo à Presidência da República, por onde os bem-sucedidos terminam a carreira.

Lula ainda não descartou a sua candidata preferida. Mas, as barbas grisalhas que emolduram o seu rosto já não posam para a foto da certeza. Depois de vários lançamentos informais nos giros para as visitas às obras do Projeto de Aceleração do Crescimento, o PAC, que dividirá as verbas com as emergências da recuperação das áreas devastadas pelos temporais que inundaram vastas áreas de Santa Catarina, do Espírito Santo e do Estado do Rio, ficou mais reticente.

Não desmente, mas não afirma. Dissimula com as ponderações de um óbvio irrespondível. A ministra-candidata terá que fazer a sua parte. Além da silhueta esbelta com severa dieta, do sorriso que enfeita o rosto e alivia a rigidez da tensão, tomou gosto pelo palanque e não recusa microfone.

A crise econômica que assombra o mundo ainda não chegou às preliminares da sucessão. Por enquanto. E o otimismo presidencial não vai além do possível. Se o terceiro mandato não vingou, Lula não pretende passar o resto da vida conversando fiado com os amigos de São Bernardo do Campo.

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