sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Papéis trocados

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A disparada do presidente Lula nas pesquisas, léguas à frente da maioria absoluta, saltando acima do sarrafo dos 80%, carimba a sua liderança com as marcas de autenticidade da sua origem humilde do filho da dona Lindu, nascido na zona da seca nordestina do município pernambucano de Garanhuns e que viajou para São Paulo, aos cinco anos, nos galeios de um caminhão, o típico pau-de- arara.

O mais é sabido, tantas vezes tem sido recontado pela mídia. Mas, nem tão nítida a excepcionalidade do único, ou do primeiro líder que emergiu das camadas mais pobres da população para chegar ao pódio da Presidência da República. Fenômenos eleitorais, como o embirutado Jânio Quadros ou o meteoro Fernando Collor de Mello emergiram da larga faixa da classe média.

Lula esconde o seu deslumbramento, que confere no diálogo mudo com o espelho, cultivando a popularidade com inegável garra e competência e a obstinação de quem olha para as lonjuras do futuro.

Com as mãos ardidas pelos bolos da palmatória, sem falsos arrependimentos ou recuos do estilo petista, tento o dever profissional da especulação para entender o paradoxo dos papéis trocados no enguiço da candidatura da ministra Dilma Rousseff, lançada pelo presidente e por ele paparicada com o desvelo com que cerca a sua cria em fase aziaga.

Se Lula necessita da popularidade para enfrentar a crise da economia do mundo e que arranha a nossa porta com o risco de derrubá-la, a ministra-candidata não ata nem desata e entrou na área cinzenta do vai ou racha. Há tempo para a reação até meados do próximo ano, quando a campanha esquenta e começa a apartar os favoritos ou o favorito da turma que vai ficando pelo caminho.

Por enquanto, os sinais são de advertência, não de alarme. A tragédia da enchente que registrou mais de uma centena de mortes, destruiu casas e derrubou morros, desfigurou cidades inteiras nos estados de Santa Catarina, Espírito Santo e Rio de Janeiro abriu outra frente de emergência que impõe a divisão de verbas destinadas às obras do PAC. E não se enxerga mais do que alguns palmos adiante com o agravamento dramático da quebradeira pelo mundo afora, manchando as expectativas com a eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos e com as muitas reuniões de dirigentes, como a que reúne na Bahia a cúpula do Mercosul, com o presidente Lula a todo pano nas articulações para recompor divergências e aparar arestas com os vizinhos continentais.

A ministra-candidata desta vez ficou em Brasília, com a responsabilidade de substituir o presidente num dos mais embaraçosos momentos dos seus seis anos de mandato. Com o Congresso em fim de sessão legislativa e passando a impressão que tenta superar a sua marca de recordista como o pior desde o fim da ditadura militar.

O descaro com que suas excelências sustentam que a criação de mais 7.343 vereadores em todo o Brasil não implicará em aumento de despesa porque as câmaras municipais vão continuar a receber os mesmos repasses é uma potoca que desconcerta o mais cínico dos mentirosos. Para encerrar a choradeira dos candidatos a vereador sem votos, basta a pergunta: alguém neste país está sentindo falta de vereadores? Lá é verdade que também não há notícia de reclamação pela escassez de senadores, deputados federais e estaduais.

A crise no Legislativo, como nos demais poderes é ética. A gastança é um dos seus aspectos mais visíveis e cada vez mais ostensivo. E o governo puxa a fila com criação de cargos para distribuir com os cupinchas e o aumento das despesas, como milionário perdulário e irresponsável.

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