quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Sai o otimismo, entra a incerteza

Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio
Colaborou Daniel Pereira

Em 2008, Lula aproveitou a força da economia e os altos índices de popularidade para deixar a oposição à

Por definição, a incerteza inspira dúvida ou gera diferentes interpretações. Em geral, é provocada por alguma mudança brusca, como uma borrasca no horizonte, por exemplo. Marcado pelo otimismo, 2008 foi um “feliz ano velho”, para tomar emprestada a expressão cunhada pelo escritor Marcelo Rubens Paiva. Bombou a economia e a vida da maioria das pessoas melhorou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a oportunidade. Manteve o governo na ofensiva política e deixou a oposição à deriva. O resultado das eleições municipais revelou inequívoca vitória da base do governo. Porém, a realidade mudou do primeiro para o segundo turno das eleições. Por mais que o presidente Lula, amparado por ascendentes índices de popularidade, injetasse otimismo na sociedade, a incerteza em relação ao ano-novo tomou conta do mercado e contaminou o ambiente político. A população de baixa renda, porém, manteve a confiança no presidente da República, inabalável mesmo nos momentos dramáticos da crise do mensalão. A seguir, três temas que ocuparão a agenda do governo em 2009, como a aposta na política do consumo, a atuação do Congresso depois das eleições das mesas diretoras e mais lances da sucessão 2010.

"Nem a imprensa nem a oposição nem os especialistas falam em recessão. Não fiquem surpresos se incluirmos novas obras no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)"

(Luiz Inácio Lula da Silva, presidente)

Aposta no consumo

Janeiro começa com o governo Lula implementando medidas anticrise, principalmente a liberação de créditos para bancos, montadoras e construtoras. O mercado trabalha com a expectativa de crescimento na faixa de 2%. A alguns setores mais atingidos pela crise, como a siderurgia e a mineração, chegam a prever 0,5%. Entretanto, o governo não dá bola para as projeções pessimistas. O presidente Lula aposta numa expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 4%. Segundo ele, tem gente que torce a favor da crise, embora o país tenha condições excepcionais para enfrentar a situação mundial, pois dispõe de US$ 207 bilhões em reservas. O Banco Central, porém, prevê 3,2% de crescimento neste ano.

A palavra de ordem de Lula é não ao catastrofismo. “O primeiro trimestre é o mais delicado. Será o momento de um esforço imenso para não haver desaceleração das coisas. Se as coisas param, recomeçar do zero leva um tempo enorme. As decisões do governo contra a crise não têm limites”, afirma Lula. “Nem a imprensa nem a oposição nem os especialistas falam em recessão. Não fiquem surpresos se incluirmos novas obras no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).”

O fundamental é manter o consumo das famílias. Esse discurso deu resultados no Natal, quando o povo foi às compras e o comércio se manteve aquecido, atendendo o apelo presidencial. Porém, muitas empresas , principalmente as fábricas de bens de consumo duráveis, entraram o ano em férias coletivas. O medo de Lula é que uma onda de demissões provoque queda de consumo, aumento da inadimplência e deflação, a queda contínua de preços.

As projeções para o começo do ano são sombrias. Além da divulgação de um PIB negativo no último trimestre de 2008, os dois primeiros trimestres de 2009 serão dureza, com aumento do desemprego e queda da renda. Para neutralizar esses efeitos, o governo concentra recursos do PAC nas obras que estão com bom andamento, principalmente as que geram mais empregos, na ampliação dos investimentos nos programas de Saúde e na manutenção dos programas sociais, como o Bolsa Família. Apesar da previsível queda de arrecadação, o governo prevê uma recuperação econômica espetacular no fim de 2009 e em 2010.

Congresso busca rumo

Para o Palácio do Planalto, as incertezas no Congresso serão maiores ou menores dependendo do resultado das eleições para as presidências do Senado e da Câmara. Serão menores se o petista Tião Viana (AC) assumir o comando do Senado. Aliado de primeira hora da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff , Tião é garantia de que Lula não terá surpresas na pauta do Senado. Na Câmara, a eleição do peemedebista Michel Temer (SP) consolidaria o bloco do PT-PMDB, que hoje serve de eixo para a heterogênea base de sustentação política do governo.

Diria o Barão de Itararé, tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. A candidatura de Tião já foi atropelada pela resistência da bancada de senadores do PMDB. O atual presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), pleiteia a reeleição. “Eu pensei que o jogo já estivesse definido, com o Tião e o Temer. Todos ganharíamos com isso”, lamenta Lula. Nove em cada 10 senadores acreditam que o ex-presidente José Sarney é candidatísssimo ao posto, embora tenha negado essa intenção em três conversas com o presidente da República. Sarney ainda não apóia a candidatura de Dilma Rousseff — prefere o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), como candidato à sucessão de Lula.

A confusão no Senado complica a eleição na Câmara, onde o deputado Michel Temer pode ser “cristianizado” por petistas e uma ala do PMDB se não houver acordo entre esses dois partidos para eleição de Viana. “Não podemos incorrer no mesmo erro do passado, quando o resultado da falta de bom senso foi a eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE)”, adverte o presidente Lula. Os principais adversários de Temer são Ciro Nogueira (PP-PI), representante do chamado baixo clero, e Aldo Rebelo (PCdoB-SP), candidato do bloquinho de esquerda (PSB-PDT-PCdoB) que apóia a candidatura de Ciro Gomes (PSB) a presidente da República. É que a disputa pelo comando das duas casas tem por pano de fundo a sucessão de 2010.

Reformas

As eleições no Congresso envolvem também o controle das comissões técnicas e comissões especiais de projetos polêmicos. Um deles eleva o grau de incerteza em relação à sucessão de Lula em 2010. É o caso do relatório do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que propõe o fim da reeleição e mandatos de cinco anos para prefeitos, governadores e presidente da República. A oposição acusa o petista de abrir espaço para a emenda do terceiro mandato do presidente Lula. Nos bastidores, fala-se fala num suposto acerto entre Lula, Serra e Aécio a favor do fim da reeleição, mas ninguém confirma. “Não penso em voltar. O coitado do Juscelino (Kubitschek) pensou que ia voltar e não voltou. Não trabalho com a hipótese absurda que alguns companheiros falam: ‘Você sai agora e volta em 2014’,”garante Lula.

Debate da sucessão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o garoto-propaganda do governo contra a crise, mas a estrela da atuação para evitar a recessão não será nem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, nem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Será a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que gerencia o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com mão-de-ferro. Caberá a ela fazer do limão uma limonada. De um lado, capitalizando cada fração de crescimento acima das previsões do mercado e da oposição que o governo conseguir obter em 2009. De outro, utilizando as obras do programa para consolidar as alianças regionais com prefeitos e governadores. Por isso, inclusive, adiar o debate eleitoral fortalece a posição de Dilma.

No campo da oposição, o governador José Serra (PSDB) segue como líder nas pesquisas para 2010. Mas a candidatura não se viabiliza apenas com o controle do PSDB. O governador de Minas, Aécio Neves, permanece na disputa pela vaga, com o argumento de que teria mais condições de atrair o PMDB.

Críticas ao “preconceito”

Ao inaugurar etapa do Parque Dona Lindu — batizado em homenagem à mãe do presidente —, no Recife, Lula criticou ações impetradas contra a obra, que custou até agora R$ 29 milhões. “Se ao invés de um busto de uma retirante, houvesse um busto de uma aristocrata, não teria enfrentado processos.” Lula disse ter decidido fazer a transposição do São Francisco por já ter vivido a seca, e lembrou uma história. “Uma vez fui buscar água numa jumenta, eu e a Maria Baixinha (a irmã). A jumenta deu uma queda e começou a morder minha barriga. O padrinho deu um corte nela. Já pensou Lulinha ser comido por uma jumenta?”

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