sábado, 6 de dezembro de 2008

Um certo comunismo do Ocidente


Giuseppe Vacca
Tradução: A. Veiga Fialho
Fonte: Gramsci e o Brasil


Togliatti percebeu tempestivamente a crise do centrismo [governos exclusivamente democrata-cristãos] e favoreceu a política de movimento de Pietro Nenni [secretário-geral do PSI], tendo em vista a “abertura à esquerda”. Ao contrário, não se pode dizer que tenha percebido o que acontecia na economia italiana e desembocaria no “segundo milagre econômico” de 1958-1962. O PCI teve de atualizar apressadamente sua análise do capitalismo italiano e daí extrair suas conclusões no período inicial do centro-esquerda. A mudança fora grande, e, ao intervir na conferência operária de 5-7 de maio de 1961, Togliatti reconheceu que estavam se transformando algumas características originais da economia italiana.

Era a primeira vez na história do nosso país, em toda a história da burguesia italiana, que ela conseguia alcançar níveis de competitividade internacional e podia, assim, apresentar-se na arena internacional em posição, se não sempre vantajosa, pelo menos de igualdade com as outras burguesias de estrutura econômica mais forte.

Partindo disso, o PCI procedeu a uma renovação programática, cujo eixo era — tal como em 1945-1946 — uma economia de altos salários e alto consumo. Mas, diferentemente de quinze anos antes, o objetivo parecia mais fácil de ser alcançado. A Itália encaminhava-se para o “pleno emprego”. A “programação democrática”, a industrialização do Sul, a reforma dos pactos agrários, a reforma urbanística, fiscal, da escola e da universidade, a realização do ordenamento regional e de um Welfare moderno constituíam os pontos de um programa compartilhado por um arco de forças muito amplo.

Tal arco compreendia todo o movimento sindical, os comunistas, os socialistas, os socialdemocratas, os republicanos e a esquerda católica. Com os dois encontros de Sanpellegrino e o Congresso de Nápoles [1962, secretário Aldo Moro], aquele programa foi também aceito pela DC e posto na base da “experiência de centro-esquerda”. Nascendo do pressuposto da “demarcação da maioria à esquerda”, segundo Togliatti a nova fórmula política podia redundar numa “manobra transformista” ou, então, “ser o início de uma renovação” destinada a desembocar “numa virada à esquerda da política nacional”: muita coisa dependia da iniciativa do PCI e, mais ainda, da ação das massas populares que compartilhavam aquele programa.

No plano parlamentar, o PCI, pois, decidiu exercer uma oposição “de tipo particular”: a nacionalização da energia elétrica foi aprovada com seu voto determinante. No plano da mobilização de massas, apoiava-se nas reivindicações operárias, que já iam além do salário e se estendiam à organização do trabalho, ao poder sindical na fábrica e às reformas sociais. Na iniciativa política, Togliatti esforçou-se por reforçar a unidade entre as forças que compartilhavam o programa reformador, enunciando com clareza seus objetivos: antes de mais nada — afirmava —, aquele conjunto de forças era o mesmo que, com sua unidade, permitira elaborar a parte mais avançada da Constituição relativa à programação econômica e aos direitos sociais; em segundo lugar, podia-se fazer referência ao precedente histórico significativo de que tal unidade não desaparecera, mas continuara a operar mesmo depois que as esquerdas haviam sido expulsas do governo, até 1948.

De todo modo, agora o PCI não visava mais à formação de governos de unidade antifascista, uma vez que não se tratava de “destruir as raízes do fascismo”, mas de realizar reformas de estrutura num capitalismo já avançado, maduro para a introdução de “elementos de socialismo”. Não era imaginável, pois, realizar aquele programa sem corroer “o monopólio político da DC”: vale dizer, sem provocar uma mudança de equilíbrios políticos e sociais tão amplo e profundo que colocasse em crise a unidade política dos católicos.

Esta perspectiva se baseava numa visão dos primeiros dois decênios da Itália republicana, segundo a qual, em 1947-1948, o movimento reformador desencadeado pela Resistência, pela vitória na guerra de libertação e pelos governos de unidade antifascista fora interrompido, mas não derrotado, graças sobretudo ao PCI, que, nos quinze anos seguintes, havia dirigido a ação das “classes populares” de um modo que não perdessem de vista a função nacional e a capacidade de iniciativa quanto aos temas essenciais do desenvolvimento democrático do país, conquistadas na Resistência e na fase constituinte da República.

Togliatti escreve no editorial do primeiro número de Rinascita semanal:

Há vinte anos que se combate na Itália. Há vinte anos que duas forças adversárias, uma de progresso e revolução, outra de conservação e reação, se enfrentam e se medem num conflito que teve as fases mais diferentes, nenhuma das quais, no entanto, se concluiu de um modo que pudesse significar o predomínio definitivo de um contendor ou do outro [...]. O gigante da energia popular não pôde ser derrubado, [porque as massas populares] se tornaram, num momento decisivo da história nacional e da vida do Estado italiano, protagonistas desta vida e desta história.


Foram as classes populares que fundaram o Estado italiano moderno. Elas, e não a velha camada dirigente e privilegiada, é que organizaram e dirigiram a Resistência, a guerra de libertação, a conquista de um regime de democracia e de progresso. Deste dado de fato parte e nele se baseia toda a situação do nosso país. E é um dado que não muda, que conserva todo o seu valor, não obstante as transformações profundas que a situação apresenta.

Retrospectivamente, estas avaliações pressupunham um confronto entre a Resistência e o Risorgimento, ao qual Togliatti aplicava a categoria gramsciana de “revolução passiva”. A ocasião lhe aparecera por ocasião de um seminário feito em Turim, num ciclo de palestras intitulado “O Risorgimento e nós”. Sua palestra fora dedicada ao tema “As classes populares no Risorgimento”, e então Togliatti desenvolveu uma ampla argumentação contra a tese historiográfica de Rosario Romeo, que atribuía a Gramsci a interpretação do Risorgimento como “reforma agrária frustrada”.

O argumento de Togliatti se encerrava acolhendo o paralelo entre o Risorgimento e a Resistência, mas, a propósito da definição desta como “segundo Risorgimento”, afirmava que, mais do que uma reiteração, a Resistência representara uma “correção” do Risorgimento, já que, com ela, pela primeira vez na história da Itália, as classes populares haviam assumido um papel predominante na fundação e na vida do novo Estado.

As questões enfrentadas pelo centro-esquerda diziam respeito a todas as forças políticas representativas do movimento operário e deviam ver a participação solidária de tais forças no governo do país. Por isso, no IX e no X Congresso do partido [1960 e 1962], Togliatti retoma, ainda que com muita cautela, o tema do “partido único” entre comunistas e socialistas, que constituíra o objeto de um relatório específico de Luigi Longo durante o V Congresso [1946].

Além disso, repropõe a comparação entre comunismo e reformismo, insistindo, como em 1945-1946, que o ponto central da discussão não se referia ao gradualismo ou à via parlamentar, método e perspectiva compartilhado por ambos, mas sim à concatenação das reformas “parciais” num único projeto e num único processo de reformas da sociedade e do Estado. Em seguida, avançando mais ainda na comparação, explicita os pressupostos reformistas da “via italiana ao socialismo”; e, no relatório apresentado ao X Congresso, esclarece que a perspectiva escolhida pelo PCI era a do socialismo–processo.

É evidente que, ao aceitar esta perspectiva, que é a do avanço para o socialismo na democracia e na paz, nós introduzimos o conceito de um desenvolvimento gradual, no qual é bastante difícil dizer quando, precisamente, se dá a mudança de qualidade.

Obviamente, uma evolução reformista do quadro político e econômico italiano não dependia só do PCI, mas sobretudo da disponibilidade por parte das classes dirigentes de reconhecer a legitimidade do movimento operário como força de governo, e esta possibilidade, que jamais ocorrera na história da Itália, nem mesmo naquele momento era tomada em consideração.


Como se sabe, tomando como pretexto uma inversão não muito grave do ciclo econômico internacional, no início de 1964 o Tesouro e o Banco da Itália interromperam o programa reformador do centro-esquerda, condenando esta fórmula política ao fracasso. O modo de desenvolvimento baseado em baixos salários e baixo consumo devia ser preservado; as características originais do capitalismo italiano não admitiam “reformas de estrutura”. Assim, no editorial de Rinascita Togliatti conclui sua reflexão sobre a história da Itália precisamente com esta questão, deixando em aberto perguntas fundamentais e extremamente dilemáticas:

Em que medida os grupos dirigentes da grande burguesia italiana, industrial e agrária estão dispostos a admitir até mesmo um conjunto de modestas medidas de reformismo burguês? Ou seja, em que medida é possível, na Itália, um reformismo burguês? Convidamos os estudiosos de história e de economia a aprofundar esta questão, que é de decisiva importância não tanto para julgar o passado quanto para traçar as linhas de uma perspectiva. A questão está estreitamente ligada à sorte de um partido socialdemocrata, que na Itália jamais conseguiu ter o mesmo papel desempenhado em outros países europeus, e dos outros partidos operários. [Ver também: A esquerda italiana e o reformismo no século XX]

Giuseppe Vacca é o presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma. Este texto é parte de uma intervenção no seminário internacional Togliatti no seu tempo, realizado em dezembro de 2004, naquela cidade.

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