O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1028&portal=
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
DANTAS, GOMES E SEUS AMIGOS
Luiz Carlos Azedo
Luiz Carlos Azedo
Está em curso uma operação para detonar a indicação do novo presidente do Cade, Arthur Badin
O falecido senador Antonio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia por três mandatos, era um reconhecido descobridor de talentos para a administração pública e a política, dos quais se cercou para mandar e desmandar no seu estado e influenciar a vida nacional. Era um sincero admirador do banqueiro Daniel Dantas, a quem recorria quando precisava dar um norte aos negócios da família ou cuidar do patrimônio pessoal. Foi apresentado a ele pelo economista Mário Henrique Simonsen, que não escondia a predileção pelo então jovem economista baiano. Quando o ex-presidente José Sarney tomou posse, muitos julgavam que Dantas seria indicado por ACM para compor o ministério. “Jamais faria isso”, esclareceu ACM a uma repórter que à época o indagou sobre o assunto. E explicou o motivo: “Ele não tem espírito público, só pensa em ganhar dinheiro”.
O banqueiro
Ninguém na grande política teve o direito de se enganar em relação às reais intenções de Daniel Dantas quando era procurado por ele. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, manteve a distância regulamentar que pôde do banqueiro. Sabe-se que Lula rechaçou todas as abordagens que dele sofreu por meio de seus companheiros de partido. Mas não conseguiu impedir a aproximação de Dantas ao seu círculo próximo, a ponto de assistir de camarote à trombada monumental entre o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-ministro da Comunicação Luís Gushiken. O primeiro defendia a permanência do banco de investimento de Dantas, o Opportunity, na gestão dos recursos dos fundos de pensão e no controle da BrasilTelecom. O segundo apoiava o presidente da Previ, Sérgio Rosa, que queria afastar o banqueiro das decisões de investimentos dos fundos e excluí-lo do setor de telefonia. Hoje, está cada vez mais evidente que Lula cacifou Gushiken.
As trombadas de Dantas começaram muito antes, nos leilões das privatizações das teles pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a Kroll grampeou as conversas do ex-presidente da República e seu ex-ministro das Comunicações Luís Carlos Mendonça de Barros. Agora, as atividades de Dantas no setor foram vasculhadas pela Polícia Federal na turbulenta Operação Satiagraha, que flagrou nova tentativa de aproximação do banqueiro, desta vez para transferir o controle da Brasil Telecon para a Oi, que dependia do empurrão da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. As investigações da Polícia Federal chegaram à porta presidencial ao grampearem a ligação do chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, fundador do PT como ele, dando conta de que os serviços de segurança da Presidência não haviam monitorado o ex-presidente da Brasil Telecom Humberto Braz, que está preso.
O advogado
Carvalho sabia que Greenhalgh representava seu cliente Humberto Braz, mas alega não ter sido informado de que o ex-deputado petista havia sido contratado por Dantas. O “Gomes”, como o ex-deputado era chamado amigavelmente por Dantas, foi abandonado pelo governo e ficará no sereno. De uma hora para outra, também viu ruir o prestígio amealhado ao longo da militância em defesa dos direitos humanos e como advogado que arriscou a vida para proteger perseguidos políticos durante o regime militar. Segundo a Polícia Federal, “Gomes” é um lobista de “organização criminosa”.
Quais são os crimes cometidos pela suposta organização, segundo o delegado Protógenes Queiroz e o juiz federal Fausto de Sanctis? Por intermédio de 151 empresas do grupo Opportunity, Dantas teria feito espionagem para obter informações privilegiadas e auferir lucros indevidos no mercado de ações; usou “laranjas” para operar suas empresas e movimentar bilhões; apropriou-se indevidamente de recursos do Banco Opportunity juntamente com seus sócios e familiares; captou de forma criminosa recursos de brasileiros para fundos exclusivos a estrangeiros com o fim de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro; fez operações agropecuárias para acobertar fraudes financeiras e fiscais; e traficou influência junto a altas autoridades da República.
Greenhalgh está se afogando no turbilhão de ligações perigosas entre o setor público e o setor privado, que hoje têm mais importância para o funcionamento das relações entre o governo Lula e o Congresso Nacional do que a discussão das reformas e o processo legislativo propriamente dito. Só para citar dois exemplos, mesmo com Dantas já fora de combate, está em curso um lobby no Senado para detonar a indicação do novo presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, por suas restrições às megafusões de empresas, como é o caso da compra da Brasil Telecom pela Oi. De igual maneira, o lobby para emplacar Emília Ribeiro na diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é muito poderoso. Ela deixará em minoria o presidente da agência, o embaixador Ronaldo Sardemberg, outro que faz restrições a megafusões.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
EM DEFESA DA LRF
Jarbas Vasconcelos
O presidente da República, nas suas aparições públicas, que são quase diárias, tem repetido uma frase que se tornou rotineira no noticiário da imprensa: "Nunca antes na História do Brasil..." É com esta frase que ele ressalta os feitos do governo. "Nunca antes na história desse país se trabalhou tanto", "nunca antes se fez tanto", "nunca antes a economia viveu um momento tão importante."
É verdade que a economia brasileira vive um bom momento. Mas isso não surgiu por acaso, por um falso milagre, por uma dádiva divina. É um processo que foi iniciado lá atrás, com a implantação do Plano Real, pelo qual se obteve o controle da inflação.
Todo brasileiro com um mínimo de conhecimento sabe que a inflação foi sócia dos banqueiros, ajudou muitos governos, tanto o federal quanto os dos 27 Estados da Federação e as prefeituras. Os gestores públicos gastavam sem controle, davam aumentos generosos ao servidor público. Contavam com o fato de que a inflação e a ciranda financeira compensariam os abusos, de dois em dois meses, de três em três meses.
Esse processo inflacionário foi enfrentado e vencido após muitas dificuldades e o povo brasileiro pagou um preço elevado por isso. É fato - e sempre é bom frisar - que nenhum país do mundo conseguiu superar o processo inflacionário sem que o povo carregasse um pesado ônus.
Foi por meio do controle da inflação que o País conquistou confiança interna e externa, plantando as sementes do desenvolvimento. A colheita coube ao governo atual. Isso ocorreu porque o governo abandonou a retórica aventureira.
A conquista da estabilidade da economia do Brasil foi obtida a partir de dois pilares: o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sem essas duas pernas o País não teria alcançado a posição de destaque que ocupa hoje em dia. E o Plano Real e a LRF tiveram a oposição ferrenha do atual presidente da República e do seu partido. Ambos trabalharam contra o Plano Real e massacraram a LRF, em entrevistas, em debates, nas ruas e votando contra na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Sem essas duas premissas - o Plano Real e a LRF - seria impossível comemorar muitos dos avanços obtidos hoje.
A aprovação da LRF, há sete anos, é um marco na história da administração pública brasileira. Pela primeira vez foram adotadas regras claras e transparentes para obter o equilíbrio das finanças públicas do nosso país. Com o fim da inflação os gestores públicos perceberam que não mais poderiam ser sócios da ciranda financeira e da correção monetária. A LRF abriu as portas para que Estados e municípios deixassem de ser um obstáculo à estabilidade econômica.
Assumi o primeiro mandato de governador de Pernambuco, em 1º de janeiro de 1999, ciente dessa realidade. Durante o meu segundo mandato, de 2003 a 2006, algumas vezes fui convocado para reuniões em Brasília por outros governadores, que queriam abrir uma porta para a renegociação da dívida. Sempre resisti à reabertura dessa discussão. Não me sentia em condições de renegociar uma dívida para pagar em 30 anos, com juros privilegiados de 6% ao ano.
Devo admitir que pagamos, algumas vezes, com sacrifício. Não é fácil para um governante destinar 11%, 12%, até 13% da arrecadação líquida do Estado para pagar dívidas do passado. Mas tinha absoluta convicção de que se não fosse assim - se a União não tivesse assumido esse papel de renegociar a dívida e ser o único credor de todos os Estados da Federação -, evidentemente, estaríamos numa situação de completa bancarrota.
Por tudo isso, é uma insensatez do governo federal o fato de ter enviado ao Congresso Nacional um projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente neste momento em que a instabilidade ronda a economia mundial e a inflação volta a ser uma preocupação para os brasileiros. Basta ver a televisão, basta ler os jornais, basta conversar com qualquer pessoa que entenda o mínimo de inflação para ver em cada um dos brasileiros a inquietação em relação ao retorno do processo inflacionário.
A proposta do governo Lula permite que Estados e municípios contratem empréstimos ou reestruturem as suas dívidas, mesmo que alguns dos Poderes gastem com pessoal mais do que atualmente é permitido pela LRF.
O que o governo propõe é um verdadeiro "estupro" da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não é justa a argumentação de que o Estado não pode ser punido diante do descumprimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É verdade que os Poderes são independentes, mas o ajuste fiscal não pode ser exigido apenas do Executivo. Até porque o caixa é um só. Não existe caixa do Poder Legislativo nem existe caixa do Poder Judiciário, existe o do Poder Executivo - os demais recebem os duodécimos.
Se existem Legislativos e Judiciários fora dos eixos da LRF, eles devem ser chamados à ordem.
Alterar esta lei é premiar quem não fez o dever de casa corretamente. Mudá-la representa pôr em risco tudo o que conquistamos nos últimos 15 anos - primeiro, com o Plano Real e, depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde as primeiras medidas aplicadas pelo plano.
Acompanho com grande apreensão a tramitação desse projeto de autoria do Executivo. O Senado Federal, pela maioria expressiva dos seus integrantes, precisa estar atento e não permitir que prospere esse projeto da forma com está. Cabe ao Senado barrar essa tentativa de violar os princípios da LRF. As alterações propostas são aberrações, são atos de insensatez e de irresponsabilidade por parte do governo federal.
Jarbas Vasconcelos, senador (PMDB-PE), foi prefeito do Recife (1986-1988 e 1993-1996) e governador de Pernambuco (1999-2002 e 2003-2006)
Jarbas Vasconcelos
O presidente da República, nas suas aparições públicas, que são quase diárias, tem repetido uma frase que se tornou rotineira no noticiário da imprensa: "Nunca antes na História do Brasil..." É com esta frase que ele ressalta os feitos do governo. "Nunca antes na história desse país se trabalhou tanto", "nunca antes se fez tanto", "nunca antes a economia viveu um momento tão importante."
É verdade que a economia brasileira vive um bom momento. Mas isso não surgiu por acaso, por um falso milagre, por uma dádiva divina. É um processo que foi iniciado lá atrás, com a implantação do Plano Real, pelo qual se obteve o controle da inflação.
Todo brasileiro com um mínimo de conhecimento sabe que a inflação foi sócia dos banqueiros, ajudou muitos governos, tanto o federal quanto os dos 27 Estados da Federação e as prefeituras. Os gestores públicos gastavam sem controle, davam aumentos generosos ao servidor público. Contavam com o fato de que a inflação e a ciranda financeira compensariam os abusos, de dois em dois meses, de três em três meses.
Esse processo inflacionário foi enfrentado e vencido após muitas dificuldades e o povo brasileiro pagou um preço elevado por isso. É fato - e sempre é bom frisar - que nenhum país do mundo conseguiu superar o processo inflacionário sem que o povo carregasse um pesado ônus.
Foi por meio do controle da inflação que o País conquistou confiança interna e externa, plantando as sementes do desenvolvimento. A colheita coube ao governo atual. Isso ocorreu porque o governo abandonou a retórica aventureira.
A conquista da estabilidade da economia do Brasil foi obtida a partir de dois pilares: o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sem essas duas pernas o País não teria alcançado a posição de destaque que ocupa hoje em dia. E o Plano Real e a LRF tiveram a oposição ferrenha do atual presidente da República e do seu partido. Ambos trabalharam contra o Plano Real e massacraram a LRF, em entrevistas, em debates, nas ruas e votando contra na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Sem essas duas premissas - o Plano Real e a LRF - seria impossível comemorar muitos dos avanços obtidos hoje.
A aprovação da LRF, há sete anos, é um marco na história da administração pública brasileira. Pela primeira vez foram adotadas regras claras e transparentes para obter o equilíbrio das finanças públicas do nosso país. Com o fim da inflação os gestores públicos perceberam que não mais poderiam ser sócios da ciranda financeira e da correção monetária. A LRF abriu as portas para que Estados e municípios deixassem de ser um obstáculo à estabilidade econômica.
Assumi o primeiro mandato de governador de Pernambuco, em 1º de janeiro de 1999, ciente dessa realidade. Durante o meu segundo mandato, de 2003 a 2006, algumas vezes fui convocado para reuniões em Brasília por outros governadores, que queriam abrir uma porta para a renegociação da dívida. Sempre resisti à reabertura dessa discussão. Não me sentia em condições de renegociar uma dívida para pagar em 30 anos, com juros privilegiados de 6% ao ano.
Devo admitir que pagamos, algumas vezes, com sacrifício. Não é fácil para um governante destinar 11%, 12%, até 13% da arrecadação líquida do Estado para pagar dívidas do passado. Mas tinha absoluta convicção de que se não fosse assim - se a União não tivesse assumido esse papel de renegociar a dívida e ser o único credor de todos os Estados da Federação -, evidentemente, estaríamos numa situação de completa bancarrota.
Por tudo isso, é uma insensatez do governo federal o fato de ter enviado ao Congresso Nacional um projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente neste momento em que a instabilidade ronda a economia mundial e a inflação volta a ser uma preocupação para os brasileiros. Basta ver a televisão, basta ler os jornais, basta conversar com qualquer pessoa que entenda o mínimo de inflação para ver em cada um dos brasileiros a inquietação em relação ao retorno do processo inflacionário.
A proposta do governo Lula permite que Estados e municípios contratem empréstimos ou reestruturem as suas dívidas, mesmo que alguns dos Poderes gastem com pessoal mais do que atualmente é permitido pela LRF.
O que o governo propõe é um verdadeiro "estupro" da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não é justa a argumentação de que o Estado não pode ser punido diante do descumprimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É verdade que os Poderes são independentes, mas o ajuste fiscal não pode ser exigido apenas do Executivo. Até porque o caixa é um só. Não existe caixa do Poder Legislativo nem existe caixa do Poder Judiciário, existe o do Poder Executivo - os demais recebem os duodécimos.
Se existem Legislativos e Judiciários fora dos eixos da LRF, eles devem ser chamados à ordem.
Alterar esta lei é premiar quem não fez o dever de casa corretamente. Mudá-la representa pôr em risco tudo o que conquistamos nos últimos 15 anos - primeiro, com o Plano Real e, depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde as primeiras medidas aplicadas pelo plano.
Acompanho com grande apreensão a tramitação desse projeto de autoria do Executivo. O Senado Federal, pela maioria expressiva dos seus integrantes, precisa estar atento e não permitir que prospere esse projeto da forma com está. Cabe ao Senado barrar essa tentativa de violar os princípios da LRF. As alterações propostas são aberrações, são atos de insensatez e de irresponsabilidade por parte do governo federal.
Jarbas Vasconcelos, senador (PMDB-PE), foi prefeito do Recife (1986-1988 e 1993-1996) e governador de Pernambuco (1999-2002 e 2003-2006)
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O BAÚ DO VELHO REPÓRTER
Villas-Bôas Corrêa
Em dia de faxina para colocar em ordem a bagunça das pastas e malas de recortes e lembranças do repórter veterano, encontrei uma velha foto, ainda nítida com a marca do saudoso e grande fotografo Achiles Camacho, das reportagens semanais dos meus tempos de iniciante – lá se vão quase 60 anos – dos Comandos Parlamentares de A Notícia e O Dia.
Nela o registro de um flagrante impossível de ser imitado nestes tempos de absoluta insegurança da falência múltipla dos três poderes. Não consegui localizar com precisão qual é a favela, das muitas que subi sem jamais encontrar qualquer dificuldade. Mas o episódio salta inteiro do buraco de décadas: ao redor de um balaio de caranguejos cozidos, meia dúzia de moradores da favela destrincham o crustáceo com as mãos. Entre eles, em fraterna intimidade, os deputados federais Heitor Beltrão, da finada UDN, Breno da Silveira, também udenista e o padre deputado Medeiros Neto, do PSD.
Tão surpreende quanto o flagrante é a sua crônica. Não há insinuação de bravata na veneranda imagem de deputados acompanhados de repórter e fotografo nos altos de uma favela. O que choca como uma pancada na nuca é o contraste entre o ontem e o hoje. Afinal, cinco décadas são um instante na história de um país ou de uma cidade.
A Cidade Maravilhosa "cheia de encantos mil" é um verso da marcha de André Filho, lançada em 1934, em gravação de Aurora Miranda, que virou hino e como a Copacabana, a Princesinha do Mar do samba canção de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravação de Dick Farney, de 1946 são contemporâneas da foto da favela. De uma cidade que se perdeu na rolagem dos anos até a degradação da imundície, da insegurança, dos engarrafamentos que infernizam a população assustada, que se tranca em prédios com grades, tão vulneráveis como as delegacias e penitenciárias de que os presos entram e saem como visitantes.
Não há a menor justificativa para o espanto ou o destaque de manchetes com os vexames a que se submetem os candidatos a prefeito e a vereador nesta cidade que é cada vez menos civilizada, ordeira e atraente.
O debate pelas tribunas parlamentares sobre a legitimidade das exigências dos novos donos do pedaço – os líderes das milícias armadas que controlam a virtual totalidade das favelas – de prévio pedido de licença dos candidatos para a caça ao voto em plena temporada oficial de campanha é de encafifar o mais insensível dos cariocas de nascença ou por adoção.
A vereadora Verônica Costa parece jactar-se da sua habilidade em passar por baixo das cercas com a devida licença dos chefes das milícias. Passa recibo na proibição de não cometer a imprudência de "entrar em seis comunidades da Zona Norte do Rio". O animado debate ganha o colorido com os toques de revelações precisas: "No Rio das Pedras, procurei o Nadinho e ele liberou". Mas, esclarece as ressalvas: "Eles têm regras. Hoje em dia só entro pedindo licença à milícia. Só se entra com autorização".
O candidato a prefeito, Fernando Gabeira, do PV, propõe a troca constrangedora da escolta policial por um telefone vermelho, ligado ao Tribunal Regional Eleitoral (TER) e que seria utilizado pelos candidatos quando em situação de risco.
O exemplo mais expressivo é do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio e que foi repreendido como menino de escola que faz uma arte, pelo presidente da associação de moradores da favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por ter feito campanha no espaço sob seu controle, acompanhado de assessores e candidatos à Câmara Municipal, sem prévio aviso e a devida permissão.
Nesta cadência, dentro em pouco as milícias vão exigir que a política também peça licença antes de ultrapassar os limites que demarcam as áreas da cidade.
Depois da barriga do Ronaldo Fenômeno nada mais ameaça deslocar o nosso queixo.
Villas-Bôas Corrêa
Em dia de faxina para colocar em ordem a bagunça das pastas e malas de recortes e lembranças do repórter veterano, encontrei uma velha foto, ainda nítida com a marca do saudoso e grande fotografo Achiles Camacho, das reportagens semanais dos meus tempos de iniciante – lá se vão quase 60 anos – dos Comandos Parlamentares de A Notícia e O Dia.
Nela o registro de um flagrante impossível de ser imitado nestes tempos de absoluta insegurança da falência múltipla dos três poderes. Não consegui localizar com precisão qual é a favela, das muitas que subi sem jamais encontrar qualquer dificuldade. Mas o episódio salta inteiro do buraco de décadas: ao redor de um balaio de caranguejos cozidos, meia dúzia de moradores da favela destrincham o crustáceo com as mãos. Entre eles, em fraterna intimidade, os deputados federais Heitor Beltrão, da finada UDN, Breno da Silveira, também udenista e o padre deputado Medeiros Neto, do PSD.
Tão surpreende quanto o flagrante é a sua crônica. Não há insinuação de bravata na veneranda imagem de deputados acompanhados de repórter e fotografo nos altos de uma favela. O que choca como uma pancada na nuca é o contraste entre o ontem e o hoje. Afinal, cinco décadas são um instante na história de um país ou de uma cidade.
A Cidade Maravilhosa "cheia de encantos mil" é um verso da marcha de André Filho, lançada em 1934, em gravação de Aurora Miranda, que virou hino e como a Copacabana, a Princesinha do Mar do samba canção de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravação de Dick Farney, de 1946 são contemporâneas da foto da favela. De uma cidade que se perdeu na rolagem dos anos até a degradação da imundície, da insegurança, dos engarrafamentos que infernizam a população assustada, que se tranca em prédios com grades, tão vulneráveis como as delegacias e penitenciárias de que os presos entram e saem como visitantes.
Não há a menor justificativa para o espanto ou o destaque de manchetes com os vexames a que se submetem os candidatos a prefeito e a vereador nesta cidade que é cada vez menos civilizada, ordeira e atraente.
O debate pelas tribunas parlamentares sobre a legitimidade das exigências dos novos donos do pedaço – os líderes das milícias armadas que controlam a virtual totalidade das favelas – de prévio pedido de licença dos candidatos para a caça ao voto em plena temporada oficial de campanha é de encafifar o mais insensível dos cariocas de nascença ou por adoção.
A vereadora Verônica Costa parece jactar-se da sua habilidade em passar por baixo das cercas com a devida licença dos chefes das milícias. Passa recibo na proibição de não cometer a imprudência de "entrar em seis comunidades da Zona Norte do Rio". O animado debate ganha o colorido com os toques de revelações precisas: "No Rio das Pedras, procurei o Nadinho e ele liberou". Mas, esclarece as ressalvas: "Eles têm regras. Hoje em dia só entro pedindo licença à milícia. Só se entra com autorização".
O candidato a prefeito, Fernando Gabeira, do PV, propõe a troca constrangedora da escolta policial por um telefone vermelho, ligado ao Tribunal Regional Eleitoral (TER) e que seria utilizado pelos candidatos quando em situação de risco.
O exemplo mais expressivo é do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio e que foi repreendido como menino de escola que faz uma arte, pelo presidente da associação de moradores da favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por ter feito campanha no espaço sob seu controle, acompanhado de assessores e candidatos à Câmara Municipal, sem prévio aviso e a devida permissão.
Nesta cadência, dentro em pouco as milícias vão exigir que a política também peça licença antes de ultrapassar os limites que demarcam as áreas da cidade.
Depois da barriga do Ronaldo Fenômeno nada mais ameaça deslocar o nosso queixo.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
AS VÁRIAS FACES DA SANTIAGRAHA
Cláudio Gonçalves Couto
Poucos episódios na conjuntura política recente do país geraram, em tão pouco tempo, uma teia de conflitos tão complexa como aquela que se teceu na esteira das prisões da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Façamos uma sinopse: (1) o presidente do Supremo Tribunal Federal confronta-se com os juízes da primeira instância federal; (2) com os procuradores federais e (3) com o Ministro da Justiça. Por outro lado, recebe o apoio de (4) um expressivo grupo de advogados e (5) do principal partido de oposição, o PSDB. Os grampos autorizados judicialmente realizados pela Polícia Federal comprometeram o (6) chefe de gabinete da Presidência da República em suas conversas com (7) o advogado Luiz Eduardo Greenghalgh (ex-candidato petista à presidência da Câmara dos Deputados), o que motivou a (8) CPI dos Grampos a cogitar a convocação deles, do (9) delegado Protógenes Queiroz, responsável pela operação, e (10) do juiz que deu as duas ordens de prisão depois revogadas pelo Supremo. Toda essa confusão levou o (11) Presidente da República a reunir-se com o Presidente do STF, com vistas a discutir os possíveis abusos que a PF venha cometendo em sua atuação.
Além disto, a suspeição que se lançou sobre Greenhalgh e (novamente ele) (12) José Dirceu levaram-nos a acusar o ministro Tarso Genro de utilizar as ações da Polícia Federal como instrumento de luta política dentro do (13) PT. Como se não fosse suficiente, o delegado Queiroz também se indispôs com grande parte da (14) imprensa (escrita, falada e televisiva) ao insinuar em seu relatório que jornalistas estariam envolvidos com os supostos criminosos por ele investigados. E ainda, entre os órgãos de imprensa, questionou-se a suposta exclusividade que teve a (15) Rede Globo na cobertura das prisões de (16) Daniel Dantas, (17) Naji Nahas e (18) Celso Pitta. Como se não fosse suficiente, levantou-se também suspeição de espionagem sobre a empresa de gerenciamento de riscos (19) Kroll, trabalhando para Daniel Dantas. Por fim, ainda que de forma menos central no imbróglio, poderíamos listar o alegado envolvimento de outros personagens relevantes: (20) o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger e os senadores do DEM, (21) Heráclito Fortes (PI) e (22) Antônio Carlos Magalhães Júnior (BA).
Operação da PF ensejou caso muito complexo
O caso não é complexo apenas pelo número de atores envolvidos, mas pelos questionamentos que suscita: (a) a PF cometeria reiterados abusos de autoridade? (b) O STF estaria atropelando as instâncias judiciais ao revogar decisões de instâncias inferiores sem que estas fossem, antes, apreciadas por instâncias intermediárias? (c) Haveria tráfico de influência no contato de um advogado, correligionário de partido, com o chefe de gabinete da Presidência da República com vistas a obter informações sobre investigações feitas sobre seus clientes? (d) É cabível que um delegado da PF lance acusações sobre jornalistas que entrevistaram supostos criminosos, prestaram-lhes serviços ou opinaram sobre negócios em que eles estão envolvidos? (e) É inadequado o uso de algemas na prisão de supostos criminosos do colarinho-branco, gente de posição social destacada, devendo se restringir a criminosos de outra categoria social?
Se a grande complexidade deste caso torna difícil estabelecer uma análise mais precisa sobre todas as suas possíveis conseqüências - já que são muitos os desdobramentos prováveis que a operação abre -, por outro lado ela parece revelar algumas novidades no funcionamento de nossas instituições. A primeira delas diz respeito a uma saudável (porém não isenta de riscos) autonomia operacional da Polícia Federal. Ora, quando uma polícia subordinada ao Executivo lança uma suspeição pública sobre o próprio chefe de gabinete da Presidência, torna-se difícil afirmar que o órgão age de acordo com as conveniências do poder. É claro, porém, que há um elemento específico neste caso: o delegado Protógenes Queiroz conduziu boa parte de sua investigação à revelia das orientações de seus superiores, envolvendo inclusive a participação da Agência Brasileira de Inteligência (ator nº 23 deste imbróglio), o que não está previsto nas regras de funcionamento nem da PF, nem da Abin. Poderíamos questionar se a investigação teria seguido com a mesma independência caso o delegado atuasse subordinadamente aos superiores como manda o figurino.
A segunda novidade institucional que ganha realce neste episódio é o confronto que se trava, dentro do Judiciário, entre uma tendência à centralização da autoridade nas cortes superiores e a resistência que lhe é oposta pelos juízes das primeiras instâncias, Ministério Público e - mais comumente - os advogados. Ao protestarem contra as atitudes do ministro Gilmar Mendes, os magistrados e procuradores (com a significativa presença do delegado Queiroz) protestam também contra uma tendência centralizadora que ganhou corpo nos últimos tempos, em particular a partir da reforma do Judiciário, que instituiu a súmula vinculante e o Conselho Nacional de Justiça a despeito dos protestos contra ambos provenientes da massa da magistratura. A ação do presidente do Supremo foi um ato de enquadramento das instâncias inferiores, sinalizando-lhes onde reside de fato o poder judicial final. Em suas próprias palavras, o STF "acerta e erra por último".
Neste episódio, ironicamente, a advocacia, que normalmente é simpática à manutenção de uma estrutura mais descentralizada de decisão judicial, optou por defender o posicionamento tomado no centro - apontando-o como uma salvaguarda de direitos individuais por meio da concessão do habeas corpus. As críticas que a advocacia tem feito, por exemplo, à simplificação dos processos penais, reduzindo a possibilidade de recursos, vão em sentido contrário a isto, pois apostam na dispersão das decisões judiciais como forma de - alegadamente - garantir os mesmos direitos individuais. Há, contudo, uma diferença importante: na simplificação do processo, encurta-se o julgamento, facilitando a condenação; nos habeas corpus concedidos pelas instâncias superiores, evitam-se punições antecipadas. Isto mostra que a relação entre centralização judicial e defesa de direitos não é tão simples e direta como se supunha. Este caso deixou isto bem claro.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias
Cláudio Gonçalves Couto
Poucos episódios na conjuntura política recente do país geraram, em tão pouco tempo, uma teia de conflitos tão complexa como aquela que se teceu na esteira das prisões da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Façamos uma sinopse: (1) o presidente do Supremo Tribunal Federal confronta-se com os juízes da primeira instância federal; (2) com os procuradores federais e (3) com o Ministro da Justiça. Por outro lado, recebe o apoio de (4) um expressivo grupo de advogados e (5) do principal partido de oposição, o PSDB. Os grampos autorizados judicialmente realizados pela Polícia Federal comprometeram o (6) chefe de gabinete da Presidência da República em suas conversas com (7) o advogado Luiz Eduardo Greenghalgh (ex-candidato petista à presidência da Câmara dos Deputados), o que motivou a (8) CPI dos Grampos a cogitar a convocação deles, do (9) delegado Protógenes Queiroz, responsável pela operação, e (10) do juiz que deu as duas ordens de prisão depois revogadas pelo Supremo. Toda essa confusão levou o (11) Presidente da República a reunir-se com o Presidente do STF, com vistas a discutir os possíveis abusos que a PF venha cometendo em sua atuação.
Além disto, a suspeição que se lançou sobre Greenhalgh e (novamente ele) (12) José Dirceu levaram-nos a acusar o ministro Tarso Genro de utilizar as ações da Polícia Federal como instrumento de luta política dentro do (13) PT. Como se não fosse suficiente, o delegado Queiroz também se indispôs com grande parte da (14) imprensa (escrita, falada e televisiva) ao insinuar em seu relatório que jornalistas estariam envolvidos com os supostos criminosos por ele investigados. E ainda, entre os órgãos de imprensa, questionou-se a suposta exclusividade que teve a (15) Rede Globo na cobertura das prisões de (16) Daniel Dantas, (17) Naji Nahas e (18) Celso Pitta. Como se não fosse suficiente, levantou-se também suspeição de espionagem sobre a empresa de gerenciamento de riscos (19) Kroll, trabalhando para Daniel Dantas. Por fim, ainda que de forma menos central no imbróglio, poderíamos listar o alegado envolvimento de outros personagens relevantes: (20) o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger e os senadores do DEM, (21) Heráclito Fortes (PI) e (22) Antônio Carlos Magalhães Júnior (BA).
Operação da PF ensejou caso muito complexo
O caso não é complexo apenas pelo número de atores envolvidos, mas pelos questionamentos que suscita: (a) a PF cometeria reiterados abusos de autoridade? (b) O STF estaria atropelando as instâncias judiciais ao revogar decisões de instâncias inferiores sem que estas fossem, antes, apreciadas por instâncias intermediárias? (c) Haveria tráfico de influência no contato de um advogado, correligionário de partido, com o chefe de gabinete da Presidência da República com vistas a obter informações sobre investigações feitas sobre seus clientes? (d) É cabível que um delegado da PF lance acusações sobre jornalistas que entrevistaram supostos criminosos, prestaram-lhes serviços ou opinaram sobre negócios em que eles estão envolvidos? (e) É inadequado o uso de algemas na prisão de supostos criminosos do colarinho-branco, gente de posição social destacada, devendo se restringir a criminosos de outra categoria social?
Se a grande complexidade deste caso torna difícil estabelecer uma análise mais precisa sobre todas as suas possíveis conseqüências - já que são muitos os desdobramentos prováveis que a operação abre -, por outro lado ela parece revelar algumas novidades no funcionamento de nossas instituições. A primeira delas diz respeito a uma saudável (porém não isenta de riscos) autonomia operacional da Polícia Federal. Ora, quando uma polícia subordinada ao Executivo lança uma suspeição pública sobre o próprio chefe de gabinete da Presidência, torna-se difícil afirmar que o órgão age de acordo com as conveniências do poder. É claro, porém, que há um elemento específico neste caso: o delegado Protógenes Queiroz conduziu boa parte de sua investigação à revelia das orientações de seus superiores, envolvendo inclusive a participação da Agência Brasileira de Inteligência (ator nº 23 deste imbróglio), o que não está previsto nas regras de funcionamento nem da PF, nem da Abin. Poderíamos questionar se a investigação teria seguido com a mesma independência caso o delegado atuasse subordinadamente aos superiores como manda o figurino.
A segunda novidade institucional que ganha realce neste episódio é o confronto que se trava, dentro do Judiciário, entre uma tendência à centralização da autoridade nas cortes superiores e a resistência que lhe é oposta pelos juízes das primeiras instâncias, Ministério Público e - mais comumente - os advogados. Ao protestarem contra as atitudes do ministro Gilmar Mendes, os magistrados e procuradores (com a significativa presença do delegado Queiroz) protestam também contra uma tendência centralizadora que ganhou corpo nos últimos tempos, em particular a partir da reforma do Judiciário, que instituiu a súmula vinculante e o Conselho Nacional de Justiça a despeito dos protestos contra ambos provenientes da massa da magistratura. A ação do presidente do Supremo foi um ato de enquadramento das instâncias inferiores, sinalizando-lhes onde reside de fato o poder judicial final. Em suas próprias palavras, o STF "acerta e erra por último".
Neste episódio, ironicamente, a advocacia, que normalmente é simpática à manutenção de uma estrutura mais descentralizada de decisão judicial, optou por defender o posicionamento tomado no centro - apontando-o como uma salvaguarda de direitos individuais por meio da concessão do habeas corpus. As críticas que a advocacia tem feito, por exemplo, à simplificação dos processos penais, reduzindo a possibilidade de recursos, vão em sentido contrário a isto, pois apostam na dispersão das decisões judiciais como forma de - alegadamente - garantir os mesmos direitos individuais. Há, contudo, uma diferença importante: na simplificação do processo, encurta-se o julgamento, facilitando a condenação; nos habeas corpus concedidos pelas instâncias superiores, evitam-se punições antecipadas. Isto mostra que a relação entre centralização judicial e defesa de direitos não é tão simples e direta como se supunha. Este caso deixou isto bem claro.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
UMA ILHA DE TRANQÜILIDADE
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Coleção das manchetes da manhã de ontem do jornal britânico "Financial Times", que não é exatamente o protótipo do tablóide sensacionalista:
1 - Sensação de mal-estar atinge o dólar e as ações globais. Conta a história da queda nos mercados por conta da desconfiança em relação à eficácia do socorro às empresas hipotecárias norte-americanas.
2 - Paramount forçada a suspender financiamento de US$ 450 milhões. Nem Hollywood escapa do sufoco creditício, como revela o fato de que esse estúdio emblemático teve que suspender a tentativa de levantar grana para filmes.
3 - TCI perde US$ 1 bilhão, no pior mês. TCI é um fundo de hedge (desses que tentam se proteger apostando em diferentes ativos). É um fundo politicamente correto (chama-se Fundo de Investimento em Crianças). Nem assim se salvou do mau humor nos mercados.4 - Dólar atinge recorde de baixa em relação ao euro. É o incontrolável derretimento da moeda norte-americana, mesmo depois de George Walker Bush ter dito e repetido que é a favor do "dólar forte". Parece que ele não dá uma dentro.
5 - Petróleo e ouro sobem, enquanto o dólar afunda. Dispensa comentários.6 - Bolsa britânica cai abaixo de 5.200 pontos (por conta principalmente da queda das ações das empresas financeiras).
7 - Bancos puxam para baixo as ações européias. É a generalização, para a Europa, do item anterior.
8 - Ações asiáticas protagonizam declínio generalizado. É igual aos itens 6 e 7, mas para a Ásia.
9 - Inflação no Reino Unido sobe para 3,8% em junho (é o dobro da meta do governo).Enquanto isso, no Brasil, tudo deve estar no melhor dos mundos, posto que a única discussão, por aqui, é para decidir quem é o vilão do dia (ou do mês), se o ministro Gilmar Mendes ou o juiz Fausto De Sanctis.
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Coleção das manchetes da manhã de ontem do jornal britânico "Financial Times", que não é exatamente o protótipo do tablóide sensacionalista:
1 - Sensação de mal-estar atinge o dólar e as ações globais. Conta a história da queda nos mercados por conta da desconfiança em relação à eficácia do socorro às empresas hipotecárias norte-americanas.
2 - Paramount forçada a suspender financiamento de US$ 450 milhões. Nem Hollywood escapa do sufoco creditício, como revela o fato de que esse estúdio emblemático teve que suspender a tentativa de levantar grana para filmes.
3 - TCI perde US$ 1 bilhão, no pior mês. TCI é um fundo de hedge (desses que tentam se proteger apostando em diferentes ativos). É um fundo politicamente correto (chama-se Fundo de Investimento em Crianças). Nem assim se salvou do mau humor nos mercados.4 - Dólar atinge recorde de baixa em relação ao euro. É o incontrolável derretimento da moeda norte-americana, mesmo depois de George Walker Bush ter dito e repetido que é a favor do "dólar forte". Parece que ele não dá uma dentro.
5 - Petróleo e ouro sobem, enquanto o dólar afunda. Dispensa comentários.6 - Bolsa britânica cai abaixo de 5.200 pontos (por conta principalmente da queda das ações das empresas financeiras).
7 - Bancos puxam para baixo as ações européias. É a generalização, para a Europa, do item anterior.
8 - Ações asiáticas protagonizam declínio generalizado. É igual aos itens 6 e 7, mas para a Ásia.
9 - Inflação no Reino Unido sobe para 3,8% em junho (é o dobro da meta do governo).Enquanto isso, no Brasil, tudo deve estar no melhor dos mundos, posto que a única discussão, por aqui, é para decidir quem é o vilão do dia (ou do mês), se o ministro Gilmar Mendes ou o juiz Fausto De Sanctis.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A LEI ESPANTALHO
José Arthur Giannotti
DEPOIS DA vigência da lei seca, caiu mais da metade o número de acidentes com veículos motorizados. Os defensores da abstinência comemoram e enaltecem o rigor da lei. Mas um minuto de reflexão bastaria para duvidar dessa relação causal entre a lei e a redução dos acidentes. O bom êxito não resulta sobretudo da repressão policial que pela primeira vez se organiza como tal?
Cabe lembrar que a cidade de São Paulo possuía por volta de 30 bafômetros, quantidade absolutamente ridícula. Em vez de o Estado ser aparelhado, e a população, educada, simplesmente se promulga uma lei que pode funcionar como espantalho e forçar uma mudança cultural mediante malabarismos do legislador.
Mais do que a impossibilidade de tomar dois copos de vinho no jantar e voltar dirigindo para casa, incomoda-me essa pretensão autoritária de mudanças culturais serem obtidas a golpes da legislação. Numa democracia, o legislador pode conformar modos de conduta existentes, mas não lhe cabe inventar uma cultura, em particular uma cultura da abstinência e da repressão desnecessária.
O que se deve punir é o motorista embriagado. Ora, diante da dificuldade de estabelecer o limite entre o motorista normal e o embriagado, já que as pessoas reagem diferentemente à mesma quantidade de álcool ingerido, o legislador simplesmente se ausenta, define um limiar que, na prática, impede a bebida e arma o espetáculo da repressão.
Assim, abre-se o caminho para policiais agirem de modo prepotente e abstêmios puritanos darem margem a seus ressentimentos. A vitória é o fim da festa. Isso se os jovens, a população alvo da lei, não aumentarem o consumo de outras drogas mais nocivas à saúde do que o álcool. Em vez de impor a abstinência, cabe definir o limiar da tolerância. Se outros países adotam com sucesso limiares mais altos, por que o nosso deve levantar a bandeira da pura repressão?
Uma lei seca espetacular cai como uma luva nesse processo de transformação da lei em espetáculo que está ocorrendo no país. Em vez de combater a impunidade apertando a legislação e aparelhando o Estado, a fim de que ele possa reprimir respeitando os direitos humanos, vem sendo armada, em praça pública, a guilhotina da respeitabilidade, a humilhação do investigado.
Essa brincadeira de mau gosto de prender e soltar "celebridades" do mundo financeiro e político desmoraliza tanto o prendedor como o relaxador. Se devemos aplaudir o bom trabalho da Polícia Federal quando investiga crimes de colarinho-branco, não é por isso que devemos tolerar que suas ações se façam à luz dos holofotes. Se devemos esperar dos magistrados que cumpram a lei, não é por isso que vamos nos deliciar com as piruetas dos juízes de primeira ou de última instância.
O que está sendo posto em xeque é respeitabilidade institucional da lei. Interessa ao governo fazer de conta que nunca neste Brasil os corruptos foram tão perseguidos. Interessa à oposição, incapaz de elaborar uma agenda oposicionista, que se tenha a ilusão de que tudo, no final das contas, está conforme à lei. Ambos os lados estão contentes porque nenhum de seus corruptos será pego, a despeito de serem expostos no pelourinho da opinião pública. E que não se meça a impunidade pelo número de processos que resultam em condenação nas instâncias superiores da Justiça, pois ela se abriga antes e depois desse tipo de condenação.
Disso tudo resulta o afrouxamento do poder normativo da lei positiva. Primeiro, cada um a considera valendo mais para os outros que para si próprio. Segundo, seus limites estão sempre em mudança, como as margens arenosas dos rios. Por fim, mais que a lei, importa a celebração da "celebridade", tornar visível a qualquer custo um personagem posando de banqueiro acuado, de policial eficaz, de político injustiçado e até mesmo de legislador incompreendido.
Em vez de a norma regular, amoldar a conduta para que ela se torne coletivamente justa, cada vez mais ela tende a funcionar como espantalho fingindo que afugenta as aves da transgressão.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e coordenador da área de filosofia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
José Arthur Giannotti
DEPOIS DA vigência da lei seca, caiu mais da metade o número de acidentes com veículos motorizados. Os defensores da abstinência comemoram e enaltecem o rigor da lei. Mas um minuto de reflexão bastaria para duvidar dessa relação causal entre a lei e a redução dos acidentes. O bom êxito não resulta sobretudo da repressão policial que pela primeira vez se organiza como tal?
Cabe lembrar que a cidade de São Paulo possuía por volta de 30 bafômetros, quantidade absolutamente ridícula. Em vez de o Estado ser aparelhado, e a população, educada, simplesmente se promulga uma lei que pode funcionar como espantalho e forçar uma mudança cultural mediante malabarismos do legislador.
Mais do que a impossibilidade de tomar dois copos de vinho no jantar e voltar dirigindo para casa, incomoda-me essa pretensão autoritária de mudanças culturais serem obtidas a golpes da legislação. Numa democracia, o legislador pode conformar modos de conduta existentes, mas não lhe cabe inventar uma cultura, em particular uma cultura da abstinência e da repressão desnecessária.
O que se deve punir é o motorista embriagado. Ora, diante da dificuldade de estabelecer o limite entre o motorista normal e o embriagado, já que as pessoas reagem diferentemente à mesma quantidade de álcool ingerido, o legislador simplesmente se ausenta, define um limiar que, na prática, impede a bebida e arma o espetáculo da repressão.
Assim, abre-se o caminho para policiais agirem de modo prepotente e abstêmios puritanos darem margem a seus ressentimentos. A vitória é o fim da festa. Isso se os jovens, a população alvo da lei, não aumentarem o consumo de outras drogas mais nocivas à saúde do que o álcool. Em vez de impor a abstinência, cabe definir o limiar da tolerância. Se outros países adotam com sucesso limiares mais altos, por que o nosso deve levantar a bandeira da pura repressão?
Uma lei seca espetacular cai como uma luva nesse processo de transformação da lei em espetáculo que está ocorrendo no país. Em vez de combater a impunidade apertando a legislação e aparelhando o Estado, a fim de que ele possa reprimir respeitando os direitos humanos, vem sendo armada, em praça pública, a guilhotina da respeitabilidade, a humilhação do investigado.
Essa brincadeira de mau gosto de prender e soltar "celebridades" do mundo financeiro e político desmoraliza tanto o prendedor como o relaxador. Se devemos aplaudir o bom trabalho da Polícia Federal quando investiga crimes de colarinho-branco, não é por isso que devemos tolerar que suas ações se façam à luz dos holofotes. Se devemos esperar dos magistrados que cumpram a lei, não é por isso que vamos nos deliciar com as piruetas dos juízes de primeira ou de última instância.
O que está sendo posto em xeque é respeitabilidade institucional da lei. Interessa ao governo fazer de conta que nunca neste Brasil os corruptos foram tão perseguidos. Interessa à oposição, incapaz de elaborar uma agenda oposicionista, que se tenha a ilusão de que tudo, no final das contas, está conforme à lei. Ambos os lados estão contentes porque nenhum de seus corruptos será pego, a despeito de serem expostos no pelourinho da opinião pública. E que não se meça a impunidade pelo número de processos que resultam em condenação nas instâncias superiores da Justiça, pois ela se abriga antes e depois desse tipo de condenação.
Disso tudo resulta o afrouxamento do poder normativo da lei positiva. Primeiro, cada um a considera valendo mais para os outros que para si próprio. Segundo, seus limites estão sempre em mudança, como as margens arenosas dos rios. Por fim, mais que a lei, importa a celebração da "celebridade", tornar visível a qualquer custo um personagem posando de banqueiro acuado, de policial eficaz, de político injustiçado e até mesmo de legislador incompreendido.
Em vez de a norma regular, amoldar a conduta para que ela se torne coletivamente justa, cada vez mais ela tende a funcionar como espantalho fingindo que afugenta as aves da transgressão.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e coordenador da área de filosofia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".