terça-feira, 29 de julho de 2008

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL


MORALISMO CANCELA DEBATE DEMOCRÁTICO
Luiz Werneck Vianna
Julho 2008


Ao analisar os recentes episódios de corrupção no Brasil, a partir da prisão (ou da tentativa de) do banqueiro Daniel Dantas, o professor Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, identifica apenas “o capitalismo operando”. Para ele, o mal não está em figuras como as de Dantas ou de Eike Batista, “como se a sociedade fosse melhorar se nos livrássemos delas”. Ele garante: “Não vai melhorar. A sociedade vai melhorar se organizando em torno das suas questões centrais”, que são, na sua opinião, o crescimento econômico, a reforma agrária e a democratização da propriedade. O pesquisador acredita que “os piores instintos da sociedade estão sendo suscitados com tudo isso”. E que a solução virá “com mais política”. “O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política recua. Não há política. Está faltando sociedade organizada, reflexiva. A política está reduzida ao noticiário policial”, explica.

Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Doutor em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros livros,
A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e A democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).

Personagens como Daniel Dantas e Eike Batista avançaram sobre nacos importantes do patrimônio do Estado brasileiro. Quais foram as condições políticas e econômicas que permitiram o surgimento desses personagens?

O Brasil é um país capitalista. E esses são empresários audaciosos, jovens, e têm encontrado um terreno favorável a tratativas com o executivo no sentido de fazer negócios de interesse comum. E nisso parece que ambos têm se complicado muito. No entanto, há uma zona de sombra que ainda precisa ser esclarecida. Meu problema em relação a tudo é essa sucessão de intervenções espetaculosas da Polícia Federal, a mobilização da mídia, do Ministério Público, do Judiciário e da opinião pública para esses fatos. As questões centrais não são essas. Com essa cortina espetacular, o mundo continua como dantes. Nada muda no que se refere à questão agrária, às políticas sociais. A população anda desanimada, desencantada. Além disso, o que aparece aqui, que é muito perigoso, é um espírito salvacionista. Há um “Batman institucional” atuando sobre a nossa realidade. Esse “Batman” é a Polícia Federal associada ao Ministério Público. Há elementos muito perigosos aí, de índole messiânica, salvacionista, apolítica, que podem indicar a emergência de uma cultura política fascista entre nós. Todos esses escândalos e espetáculos atraem a opinião pública como se a salvação de todos dependesse de apurar os negócios do Eike Batista e do Daniel Dantas. Não depende, isso é mentira! Com isso, se mobiliza a classe média para um moralismo que não pára de se manifestar. A política cai fora do espaço de discussão. Enquanto isso, aparecem dois personagens institucionais, ambos vinculados ao Estado: o Ministério Público e a Polícia Federal. Este caminho é perigoso, e a sociedade não reage a ele faz tempo. A cultura do fascismo pode se manifestar com traços mais bem definidos, a partir da idéia de que nosso inimigo é a corrupção, especialmente aquela praticada pelas elites. Então, a sociedade acha que se resolve esse problema colocando a elite branca na cadeia. Desse modo, o país viveria numa sociedade justa. Não vai, mentira!

O que o senhor considera como as questões centrais na sociedade brasileira, que devem ser discutidas com mais ênfase?

O tema do crescimento econômico, da reforma agrária, da democratização da propriedade. Para isso ninguém mobiliza ninguém.

Pode-se afirmar que os anos dourados do neoliberalismo brasileiro produziram uma nova burguesia nacional da qual Daniel Dantas e Eike Batista são hoje personagens centrais? O que distingue essa nova burguesia da “velha burguesia nacional” do período desenvolvimentista?

Eike Batista não é um homem das finanças, e sim um homem da produção. O Daniel Dantas, não. Ele é um homem do setor financeiro. Este setor apresentou enormes possibilidades. Esses executivos do setor financeiro não têm 40 anos. Se examinarmos os currículos deles, veremos que são formados por boas universidades, com doutorado no exterior. Apareceu um novo mundo para esses setores médios e educados da população, especialmente os economistas. Passa-se da posição de economista para a posição de banqueiro hoje muito facilmente.

Como o senhor interpreta essas relações aparentemente ambíguas que o banqueiro Dantas tinha, ao mesmo tempo, com o mercado financeiro internacional e os fundos de pensão do Estado do qual fazem parte sindicalistas? Acabou-se a velha contradição capital–trabalho?

Essa questão dos fundos previdenciários existe em toda parte, não apenas no Brasil. E o controle disso tem sido em boa parte corporativo. Quem mexeu com a questão e falou no surgimento de uma nova classe foi o Francisco de Oliveira. Não sei se devemos concordar inteiramente com o que ele diz, mas, pelo menos, é uma alusão importante. O capital hoje tem uma outra forma de circular, e isso não ajuda o mundo sindical a se reorganizar. O que vemos é um sindicalismo inteiramente cooptado pelo Estado. Dantas jogou com as oportunidades que viu. Até agora, as únicas coisas concretas pelas quais ele pode ser pego são o suborno ao policial e seu problema com o Imposto de Renda. Esse é o capitalismo operando. Daqui a pouco vão querer “prender” o capitalismo. E não creio que isso esteja na intenção da Polícia Federal. O mal não está nessas figuras, como se a sociedade fosse melhorar se nos livrássemos delas. Não vai melhorar. A sociedade vai melhorar se organizando em torno das suas questões centrais.

O banqueiro Dantas estabeleceu uma rede de conexões políticas ao longo de três governos — Collor, FHC e Lula. Como entender o poder de Daniel Dantas, sua capacidade de manipulação e envolvimento de tantas pessoas, de diferentes governos, nessa malha de corrupção?

Era necessário que nessa rede público-privada aparecessem personagens. Essa rede não podia se montar sem pessoas concretas. Dantas foi uma. O ponto da privatização estabeleceu um caminho para que esses homens encontrassem a sua oportunidade.

O senhor considera que o caso Dantas ameaça o conceito de República, ou se pode afirmar que efetivamente o Brasil nunca desfrutou do status de República?

Não ameaça nada. Esse é um affaire midiático, com cortinas de fumaça. Os piores instintos da sociedade estão sendo suscitados com tudo isso. Vejo as primeiras fumacinhas de uma síndrome fascista entre nós. E isso deve ser denunciado, combatido, e com política, com mais política. O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política recua. Está faltando sociedade organizada, reflexiva, e a política está reduzida ao noticiário policial.

Como o senhor analisa a postura do Supremo Tribunal Federal nesse caso? Como interpreta o comportamento do ministro Gilmar Mendes?

Interpreto bem. O papel da Suprema Corte é defender a Constituição, as liberdades individuais, e também não deixa de incorporar essa preocupação com o testemunho do espetacular que essas operações policiais manifestam. Uma outra questão vinculada a isso é a escuta telefônica. Estamos indo para um estado policial? Com isso, a sociedade aprende a apontar como culpado o “malvado” lá da ponta, responsável por todos os males, que, caso preso e execrado, fará com que ela melhore. Num ano eleitoral, tudo se discute, menos a política. Não podemos defender a idéia de que um grande inquérito, um grande processo pode resolver as máculas da nossa história, criar um novo tipo de encaminhamento feliz para nós (e isso é feito pela polícia, pelos grampos telefônicos, pela repressão!). Isso não lembra a linguagem do regime militar, quando ele se impôs, de que o grande inimigo é a corrupção? Só que agora tudo está sendo feito numa escala nova, imensa, com um domínio total dos meios de comunicação. O próprio Congresso se tornou uma ampla comissão parlamentar de inquérito, apurando, investigando e não discutindo políticas e soluções para os problemas. Além do mais, temos um grupamento novo na sociedade: a Polícia Federal é nova. Ela foi extraída da classe média. Seu pessoal é concursado, bem formado, com curso superior. Seus integrantes estão autonomizados a ir para as ruas com esse sentimento messiânico, que aparece no relatório do delegado Protógenes, de que a Polícia pode salvar o mundo.

Qual é a sua opinião sobre o combate à corrupção no Brasil? Este episódio recente abre a possibilidade de mudanças?

Nesse processo, a ordem racional legal avança, se aprimora, se aperfeiçoa. No entanto, o que tento combater é uma visão salvadora, justiceira, messiânica do papel policial para a erradicação dos nossos males, como se não devesse haver nenhum impedimento entre a ação da polícia e a sociedade, como se não devêssemos ter habeas corpus, como se as pessoas pudessem ser presas, retiradas das suas casas nas primeiras horas da manhã, algemadas, e tudo isso passando por câmeras de televisão... Não creio que isso seja um indicador de democracia.

Que tipo de sentimento esse episódio provoca na população brasileira? Revolta, descrédito nas instituições?

Descrédito. E também aprofunda o fosso entre a sociedade e a política, mantém a sociedade fragmentada, isolada, esperando que a ação desses novos homens, dessas corporações novas, nos livre do mal. Talvez eu tenha dado muita ênfase à dimensão negativa de tudo isso, mas também vejo que esse processo pode ser corrigido se a ordem racional legal for defendida por recursos democráticos, sem violência, com respeito às leis, à dignidade da pessoa humana. É possível avançar na ordem racional legal, investigando a corrupção, prendendo seus responsáveis, mas sem que isso assuma o caráter de escândalo, de espetáculo, no qual parece que temos um agente de salvação em defesa da sociedade. Isso sim é perigoso.


Entrevista originalmente publicada em IHU On-Line. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, 21 jul. 2008, n. 265.

Fonte: IHU On-Line & Gramsci e o Brasil.

DEU EM O GLOBO

TSE: CASO DE 'GRAVIDADE MÁXIMA'
Carolina Brígido

Reunião da Justiça Eleitoral sobre força-tarefa acontece amanhã


BRASÍLIA. Autoridades do governo federal e da Justiça Eleitoral discutem amanhã, em Brasília, a possibilidade de montar uma força-tarefa para garantir a segurança nas eleições no Rio. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá aprovar em plenário o envio de tropas para o estado, se comprovada a necessidade. Em conversa ontem com o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio, desembargador Roberto Wider, se comprometeu a elaborar um estudo sobre a situação de violência no estado, com a análise sobre a necessidade ou não de reforçar a segurança no período eleitoral.

Se Wider considerar necessário o reforço, o governador Sérgio Cabral será ouvido. A proposta será votada pelo plenário do TSE, formado por sete ministros. Se for aprovada, até tropas militares poderão ser enviadas.

Amanhã, participarão da reunião Ayres Britto, Wider, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. Ontem, o Britto discutiu a situação do Rio com o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara.

Após a reunião com Jungmann, o ministro considerou que candidatos financiados pelo tráfico ou por milícias são um tema "da maior preocupação, de gravidade máxima".

- A Justiça Eleitoral, o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa são instâncias de poder desafiadas para resolver esse problema, que realmente golpeia de morte os valores da Constituição Federal - disse Britto.

Presidente do TSE espera

O presidente do TSE evitou comentar sobre a necessidade de uma força-tarefa no Rio, alegando que, primeiro, quer ver o estudo de Wider:

- O deputado me trouxe informações precisas de quem conhece a realidade do Rio de Janeiro, mesmo não sendo de lá. O retrato que ele projetou pareceu fidedigno. Todavia, de nossa parte, mantivemos hoje dois contatos com o presidente do TRE do Rio, Roberto Wider, e ele virá quarta-feira (amanhã) para fazer um levantamento completo do que houve e sugerir providências eficazes, que nós tomaremos junto a autoridades federais e estaduais.

Jungmann disse considerar grave a situação no Rio:

- Entendo que a situação do Rio de Janeiro caminha hoje para um regime de exceção onde não estão vigendo liberdades democráticas básicas - afirmou.

DEU EM O GLOBO


NOVOS VENTOS
Merval Pereira


NOVA YORK. Diante do anúncio de que o próximo presidente dos Estados Unidos terá pela frente um déficit público de U$482 bilhões, tanto o candidato democrata Barack Obama quanto o republicano John McCain voltaram suas críticas e suas preocupações para o campo econômico, abandonando os temas internacionais que deram a Obama destaque especial na percepção do eleitorado depois de sua viagem ao exterior. No centro da discussão, a dependência da gasolina e políticas alternativas que tanto compensariam os custos do atual modelo quanto atenderiam às necessidades de proteção ambiental.


Os Estados Unidos importam aproximadamente 70% do petróleo que consomem, ao custo anual de US$700 bilhões. Da metade da década de 70 até a década de 90, o consumo médio de combustível de todos os veículos existentes nos EUA dobrou, de 6 para 12 km por litro.


Para se ter uma idéia do que isso representa, o preço médio da gasolina nos Estados Unidos ficou nas últimas semanas acima dos US$4 por galão (US$1,06 por litro), mais que o dobro de cinco anos atrás.


A previsão é que, com os preços subindo, cerca de dez milhões de automóveis deixem de circular. Os efeitos já estão sendo sentidos, e são negativos na economia, embora positivos para o meio ambiente. Um estudo do Departamento de Transportes mostra que nos últimos sete meses os americanos rodaram menos 3,7% milhas em maio em relação ao mesmo mês do ano passado.


A queda representa pouco mais do dobro da redução que já havia sido registrada em abril. Em conseqüência, a arrecadação de taxas e impostos para conservação das estradas caiu drasticamente.


As pesquisas mostram que as questões econômicas estão no centro das preocupações dos eleitores e, embora a crise possa ser atribuída ao governo Bush, esse fato não favorece Obama, embora também seja prejudicial a McCain.


O fato é que os eleitores não sentem firmeza em nenhum dos dois candidatos, diante do tamanho da crise econômica. A maneira de enfrentar a questão energética é crucial para a definição do eleitorado, e cada um dos candidatos tenta jogar em cima do outro a culpa pela alta do preço da gasolina.


McCain recentemente divulgou um anúncio na televisão acusando políticos como Obama de serem responsáveis pela alta do preço do petróleo, por não aprovarem a exploração costeira, ao mesmo tempo em que parabenizou o presidente Bush quando o barril do petróleo teve uma queda grande nos últimos dias.


Obama, por sua vez, atribui a políticos como McCain a dependência do petróleo estabelecida por um modelo econômico montado nos últimos 30 anos, tempo em que Obama não estava na política, mas McCain estava.


O assunto é tão delicado para o consumidor americano que, nas primárias, a senadora Hillary Clinton propôs que um imposto sobre a gasolina fosse cortado, pelo menos durante o verão, para baratear seu preço, mais ou menos o que fez no Brasil o presidente Lula ao reduzir a Cide.


Enquanto Obama a acusava de populista, e propunha o aumento de investimentos em energias alternativas - e votou a favor do subsídio do milho para a fabricação do etanol - McCain tem propostas mais amplas, embora discutíveis, como trocar a frota governamental por carros que gastem menos combustível e prêmio de US$300 milhões para quem inventar um carro a bateria.


Mas a base de seu programa de energia é de longo prazo: a reabertura da exploração do petróleo e gás em áreas da costa no país, cujo resultado é bastante improvável. Basta ver que o número de permissão para exploração de poços de petróleo dobrou nos últimos cinco anos sem que houvesse efeito no preço.


E a crítica ao projeto de McCain veio de onde menos se esperava, de um antigo e fiel aliado político dos conservadores, o magnata do petróleo T. Boone Pickens. Os serviços prestados por Pickens aos republicanos são incontáveis, desde o puro financiamento de campanha quanto o apoio financeiro a grupos que atuam a favor dos republicanos.


O episódio mais conhecido aconteceu na eleição de 2004, quando ele financiou com US$3 milhões uma campanha na televisão de veteranos da Guerra do Vietnã contra o candidato democrata John Kerry na campanha de reeleição de Bush, no que foi considerada uma das campanhas difamatórias mais violentas das eleições presidenciais.


O grupo chamado Swift Boat Veterans colocava em dúvida os feitos de Kerry que lhe valeram medalhas e honrarias no Vietnã, e o acusava de ter traído a pátria quando criticou a guerra em campanhas públicas. Pois foi este aliado, e ainda por cima dono de poços de petróleo, quem patrocinou uma campanha pela televisão que custou cerca de US$60 milhões advertindo que de nada adiantará perfurar mais poços de petróleo, pois o que é preciso é reduzir a dependência do petróleo.


Pickens está investindo no Texas US$10 bilhões na construção do que é considerado o maior projeto de energia eólica do mundo, e o governo do Texas já aprovou um programa de linhas de transmissão no valor de US$4,9 bilhões.


Esse "patriotismo" pragmático do magnata Pickens é que pode trazer novos ventos para a economia americana. Assim como ele está trocando o petróleo pelo vento, também a economia americana vai ter que se adaptar aos novos tempos, trocando a poluição e a dependência do petróleo por energias alternativas. Esse é um tema que definitivamente entrou na agenda americana.

RIO: ENTRADA PERMITIDA A CANDIDATOS


Agentes da Força Nacional montam guarda na Favela da Grota. Apsar sa existência de áreas da cidade em que candidatos e eleitores estariam sendo constrangidos, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Roberto Wider, disse que ainda não há necessidade de tropas federais para garantir o pleito no Estado.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O CRIME E O VOTO NO RIO
Editorial / O Estado de S. Paulo


Dos 4,5 milhões de cariocas aptos a votar este ano, pelo menos 500 mil, ou 1 em cada 11 eleitores, vivem em áreas controladas por traficantes de drogas ou milícias. Estas são quadrilhas armadas de policiais, bombeiros e agentes penitenciários que começaram vendendo proteção a comerciantes, passaram a taxar os serviços locais do chamado transporte alternativo e a oferecer acesso clandestino a TV a cabo - isso quando não se apossaram pura e simplesmente dos negócios mais lucrativos das “comunidades”, como revendas de antenas parabólicas e botijões de gás. Vistas de início pelas atarantadas autoridades como uma espécie de linha auxiliar no combate ao narcotráfico, as milícias proliferaram a ponto de se estimar que já dominam uma centena de favelas do Rio de Janeiro - e recorrem à brutalidade para controlar também o voto de seus moradores.

Traficantes e milicianos não apenas tratam de pressioná-los, por todos os meios, para que votem nos seus candidatos, mas transformam os seus redutos em currais eleitorais - onde só aqueles podem fazer campanha. Na semana passada, a polícia apreendeu na casa do chefão da Rocinha, Antônio Bomfim Lopes, o Nem, uma ata de reunião que transcreve a sua ordem de “todo o empenho” para o seu candidato a vereador: “Ninguém trabalhando para candidato de fora, não agendar visita, não convidar para eventos.” E a advertência: “Não aceito derrota!!!” O predileto chama-se Luiz Cláudio de Oliveira, codinome Claudinho da Academia, presidente da associação dos moradores da favela e réu em 14 processos penais. Tem o apoio do dirigente do MST José Rainha Júnior, sugerindo uma relação como as que devem ter facilitado a entrada das Farc colombianas no ramo da droga.

Diante da imundície da ficha do aliado de Rainha, a Justiça Eleitoral fluminense poderá impugnar a sua candidatura. Partiu do TRE do Rio, a propósito, o movimento para negar registro a candidatos condenados em primeira instância - o que o TSE vetou por estar em desacordo com a Lei das Inelegibilidades. A Polícia Federal, de seu lado, vai investigar esse e outros casos de coação a eleitores mediante violência, cujos beneficiários também poderão ser removidos da disputa se o Ministério Público confirmar as denúncias. E uma candidata a vereadora, Ingrid Gerolimich, do PT, requereu garantias para pedir votos na Rocinha. Acompanhada de policiais militares de fuzis em punho, andou pela favela que tinha sido aconselhada a evitar. “Foi um ato de protesto por todos os candidatos”, explicou. Nessa linha, o candidato a prefeito Fernando Gabeira sugeriu que todos, em conjunto, a imitassem.

A lei do cão que os delinqüentes vêm impondo ao eleitorado dos seus antros se estendeu, no último sábado, aos repórteres fotográficos de três jornais que acompanhavam uma incursão eleitoral do senador Marcelo Crivella, candidato à prefeitura pelo PRB, pela Vila Cruzeiro, no bairro da Penha. Em dado momento, um bandido armado com um fuzil os obrigou a apagar de suas câmeras as imagens feitas pouco antes no local que mostravam duas figuras escondendo os rostos quando abordadas por Crivella. (Nas redações, as fotos foram recuperadas e publicadas.) O patético, no episódio, foi a reação do governador Sérgio Cabral, que o considerou “sinal de um estado de exceção”, como se a violência tivesse sido cometida por uma autoridade propensa a praticar atos ditatoriais ou como se esperasse que traficantes e milicianos agissem de acordo com os princípios democráticos.

Exceção é o poder público ter algum sucesso diante das máfias que construíram ao longo de décadas de impunidade o proverbial Estado dentro do Estado no Rio de Janeiro, não em pouca medida graças à sua capacidade de se infiltrar nas instituições políticas e no próprio Judiciário. Uma dessas situações excepcionais foi a prisão em flagrante do deputado estadual Natalino Guimarães, do DEM - 12 dias depois de ter sido expulso da Polícia Civil. O seu irmão, vereador Jerominho Guimarães, do PMDB, também ex-policial, está preso desde dezembro. A dupla é acusada de comandar a milícia Liga da Justiça, que age na região de Campo Grande, na zona oeste da cidade. Outro deputado - mais um vindo da polícia - tido como chefe de milícia é o petista Jorge Babu. É fácil imaginar como se elegeram.

DEU EM O GLOBO

DECISÃO INADIÁVEL
Editorial / O Globo

A discussão sobre qual o órgão competente para solicitar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a formação de uma força-tarefa que assegure a normalidade da campanha no Rio visa tão-somente a garantir a manutenção do rito institucional.

Por manifestação do presidente da Corte, já ficou definido que tal iniciativa cabe ao TRE fluminense, cujo histórico de atos em defesa da lisura de eleições anteriores é fator tranqüilizante. O tribunal do Rio há de seguir o caminho pelo qual passa a convocação de forças federais, que se tornou inevitável em face de agravos do tráfico e das milícias ao processo eleitoral.

É fora de dúvida que constituem uma contrafação do processo eleitoral a existência de candidatos ligados ao crime organizado e o episódio deste fim de semana, no qual repórteres do GLOBO, do "Dia" e do "Jornal do Brasil" foram cercados por traficantes armados quando cobriam uma caminhada do senador Marcelo Crivella (PRB) no Complexo do Alemão. Tal quadro exige respostas imediatas e sólidas das autoridades.

Ausente das áreas subjugadas pelo crime, o Estado se encontra diante de uma encruzilhada: ou assume de vez o papel de guardião da liberdade e dos direitos de todos os cidadãos, para o quê, neste momento específico, precisa recorrer inadiavelmente à proteção de organismos federais, ou, pela leniência, estará abrindo perigosamente o flanco para a quem sabe irreversível investida dos bandidos, desta vez diretamente no curso do processo político. Aliás, como está em curso.

Identificar, impugnar e, se for preciso, punir criminalmente os candidatos vinculados ao tráfico e a grupos paramilitares são um pressuposto da preservação da legitimidade do sistema representativo. Qualquer atitude que não siga este preceito equivalerá a permitir que a eleição consagre representantes de quadrilhas, e não de cidadãos.

A intervenção pontual de uma força-tarefa nas eleições municipais é imperiosa, mas assegurar o exercício da cidadania é um compromisso do poder público que se estende para além do processo eleitoral.

Portanto, que a atual mobilização em defesa da normalidade da campanha seja também o ponto de partida para um movimento maior que vise a evitar que, de cidade partida, o Rio se transforme em cidade feudalizada pelos guetos do crime.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

CERCEAMENTO DO CRIME À IMPRENSA
Editorial / Jornal do Brasil


Se ainda restavam dúvidas sobre a coerção eleitoral que permeia quem vive ou mesmo transita por regiões do Rio de Janeiro dominadas por traficantes ou milicianos, o episódio de sábado na Vila Cruzeiro, na Penha – em que jornalistas foram proibidos de fotografar a visita do candidato à prefeitura Marcelo Crivella (PRB) – escancarou a urgência de uma operação conjunta em prol do direito de ir e vir, sobretudo em zonas deflagradas pelo crime.

No mesmo local onde foi capturado há seis anos o repórter Tim Lopes, da TV Globo, para depois ser morto no Complexo do Alemão, equipes do Jornal do Brasil, O Dia e O Globo foram obrigadas, por criminosos, a apagarem as fotos relativas à caminhada do candidato. Sob a mira de um fuzil e ameaças de que se seriam "queimados" (mortos), já que ali era o "mundo do crime", todos os jornalistas presentes obedeceram. As fotos foram recuperadas posteriormente por meio de programa de computador. E, pelo direito à informação, a imprensa cumpriu seu papel.

Nas zonas obscuras de uma cidade dividida, a ausência do Estado não é novidade. Muitos analistas apontam a própria omissão do poder público como causa principal do domínio de traficantes ou milicianos em comunidades. São 600 favelas, além de conjuntos habitacionais e loteamentos irregulares guiados exclusivamente pelas regras impostas pelo crime. O absurdo, além do cerceamento a candidatos não apoiados pelos grupos criminosos, estendeu-se à proibição de a imprensa desempenhar o que lhe é de direito: divulgar o que é de interesse público – neste caso, campanhas eleitorais às vésperas da escolha de um novo prefeito.

Como lembrou o governador Sérgio Cabral, em repúdio à censura aos repórteres, "toda vez que o livre jornalismo é impedido de atuar é sinal de um estado de exceção". Ameaças sofridas pelas equipes, segundo Cabral, reforçam a necessidade da "política de combate do Estado ao crime" e exigem a garantia da segurança dos cidadãos, assim como a do Estado de direito democrático.

Torna-se inadmissível que este conceito perca o significado em zonas comprometidas pelo controle do crime. Conforme alertou em seu ex-blog o prefeito Cesar Maia, as "estarrecedoras limitações à mobilidade política em comunidades do Rio a candidatos ou suas propagandas (que na verdade dão seqüência às próprias limitações impostas pelos traficantes ao direito de ir e vir das pessoas no dia- a-dia) impõem reflexão mais geral sobre direito à mobilidade política-eleitoral". O ocorrido traz à tona a "limitação à mobilidade, uma restrição à democracia, ao acesso equânime à informação, de forma que o eleitor possa tomar a sua decisão".

O caso demanda atenção. Conforme reportagem publicada na edição de ontem do JB, não apenas aspirantes a prefeito ou vereador vêem-se ameaçados pelo crime organizado. Agentes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), responsáveis pela fiscalização da propaganda política, também enfrentam restrições à sua atuação. Em 21 dias de campanha, foram apenas duas operações em favelas.

Contra a coerção imposta ao poder público e aos eleitores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o TRE-RJ discutem amanhã medidas para reforçar a segurança de candidatos que disputam as eleições na capital fluminense. Para o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, impedimentos ao trabalho da imprensa e ao voto livre ferem a democracia. A exemplo da Polícia Federal, que já investiga quem são os candidatos da milícia e do tráfico, decisões sobre forças-tarefas eleitorais cabem ao TRE-RJ, conforme enfatizou Ayres Britto.

São medidas inadiáveis para que se investigue a promiscuidade entre crime e política, como para a retomada do direito de circular em espaços públicos – seja na favela ou no asfalto.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


QUANDO A JUSTIÇA ESTÁ AQUÉM DA CIRCUNSTÂNCIA
José de Souza Martins*

Nosso familismo hipócrita e a incompetente tutela do Estado maculam os 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente


SÃO PAULO - Um juiz de Fernandópolis (SP), apoiado no Estatuto da Criança e do Adolescente, multou em três salários mínimos a mãe pobre e sozinha de um jovem de 17 anos pelas faltas do filho na escola, num quadro grave de rendimento escolar baixo, comportamento desrespeitoso, reincidência na condução de moto sem habilitação. No dia 17, em Boituva (SP), a mãe de um jovem de 20 anos conseguiu, por meio de insistentes cartas ao Superior Tribunal de Justiça, um habeas-corpus para o filho, viciado em drogas, que ficou preso durante quatro meses, acusado por outro viciado de ter se apropriado de R$ 10 - habeas-corpus que fora negado pela Justiça local e pelo Tribunal de Justiça. Justiça formalista e cara.

No mesmo mês em que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, chega aos 18 anos, essas notícias desalentadoras sugerem quanto carecemos de uma corajosa postura crítica em relação a rígidas concepções da lei, e dessa lei em particular, interpretada por muitos à Pôncio Pilatos. Como se a interpretação das leis relativas às questões sociais não devesse interagir com a circunstância das ocorrências e a complexa teia de fatores de problemas, o que inclui as próprias instituições.

O estatuto ainda surpreende porque começa, no fim das contas, reconhecendo que criança também é gente, o que se supunha fossem favas contadas na nossa religiosidade e na nossa moral familistas. A lei foi, em boa parte, resposta à proliferação de indicações de exploração, violência e abuso, além do abandono, contra crianças, no interior da própria família e fora dela. A lei e sua aplicação foram mostrando quanto havia e há de hipocrisia nesse familismo.

A crise da família tem raízes históricas e é nelas que devemos buscar os fatores primários de uma transformação social que penaliza em primeiro lugar os imaturos, mas penaliza, também, a mulher. Se tínhamos ordem no escravismo, a nova sociedade de pessoas teoricamente livres só aos poucos encontrou seu eixo ordenador e se firmou na liberdade em boa parte fictícia que acobertou relações de dependência pessoal, centradas na família e no lugar subalterno da mulher. A mãe de família tornou-se a figura mítica da sociedade, exaltada nas políticas oficiais e nas celebrações cívicas. Pouco se falou de sua servidão disfarçada nas prendas domésticas. Durante as sete primeiras décadas republicanas, a "mãe de família" assegurou a procriação extensa de filhos que o mercado de trabalho reclamava, num país que "importava gente" para suprir as carências da lavoura e da indústria. Assegurou, também, a educação das novas gerações no recinto da autoridade materna, que com amor temperava as durezas da cultura patriarcal remanescente na figura do pai. Afago e relho se combinavam para indicar às crianças e aos jovens quem mandava e quem obedecia.

Essa era começou a declinar na segunda metade dos anos 60. De um lado, porque diminuiu o tamanho da família. O devotamento da mulher exclusivamente ao lar e à criação dos filhos foi relativizado. Muitas trabalhadoras, nos anos 40 e 50, planejavam a vida reprodutiva e as responsabilidades maternas com o intervalo de uma década, após o casamento, no trabalho fora de casa, norma que substituíra o padrão do trabalho externo da moça só até o casamento. De outro lado, porque o chamado arrocho salarial, dos anos 60, rapidamente obrigou um número maior e crescente de mulheres a entrar no mercado de trabalho para completar os meios da família. Foi um ganho para a mulher, sem dúvida, que por meio do trabalho fora de casa passasse a ser assimilada por relações contratuais de trabalho, opostas à da exploração doméstica.

Mas nem por isso foi liberada das obrigações da casa, condenada à dupla jornada de trabalho. Diferente do que aconteceu em outros países, em que equipamentos que modernizaram o trabalho doméstico e uma rede de serviços substitutivos desse trabalho, inclusive na educação dos filhos, asseguraram à mulher a independência que as mudanças econômicas e sociais possibilitavam e até impunham. Aqui, se houve algum progresso técnico na cozinha e na lavanderia para uma parte das famílias, foi pobre e precário o avanço dos serviços de lavanderia, creche, escola. Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação tenha estabelecido a obrigatoriedade da escola em tempo integral, com prazo certo para implantação, até agora isso não aconteceu. O que teria sido uma providência de emancipação da mulher e de substancial melhora e modernização da educação. Sobretudo, salvaria milhares de imaturos do abandono, que só se dá a ver em casos excepcionais.

A escola em tempo integral, na perspectiva humanista da escola imaginada por Anísio Teixeira e por Darcy Ribeiro, teria suprido as carências e a decorrente violência que tornaram necessário o ECA para nos imaturos reconhecer direitos de adultos, quando teria sido preferível um estatuto realista que lhes assegurasse o direito à infância e o direito à juventude.

Punir a mãe de Fernandópolis, mãe sozinha, pobre, abatida e impotente em face da insubordinação de um moleque de 17 de anos, para por esse meio atingi-lo e educá-lo, é expediente frágil e, provavelmente, inócuo.

O caso mostra claramente como o ECA foi concebido em nome de uma sociedade restrita, a dos imunes às crises da sociedade e da família. Estabelece como meio para solucionar casos como o de Fernandópolis forçar a ficção da família típico-ideal onde ela não existe e em quem está dela privado. O insubmisso de Fernandópolis o é não por falta de mãe, mas por falta de pai. Na mãe, a Justiça puniu o pai. A ausência desse pai, é o que dá a entender o estatuto, deveria ter sido suprida pela própria tutela do Estado, acolitando a mãe e suprindo-a com meios e instrumentos substitutivos do pai ausente. Foi ela, portanto, punida duas vezes: na privação da justiça de que careceu na educação do filho; na injustiça de que não precisava, decorrente da auto-indulgência das instituições incumbidas de assegurar ao adolescente o que não teve.

*José de Souza Martins é professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A sociabilidade do homem simples (Contexto)