Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 12 de agosto de 2008
DEU EM O GLOBO
FICHA SUJA ATRAPALHA
Merval Pereira
Merval Pereira
NOVA YORK. No momento em que no Brasil se discute a legalidade da divulgação dos processos a que respondem os candidatos nas eleições municipais, e o custo-benefício dessa divulgação para impedir que os chamados fichas-sujas sejam eleitos, um trabalho de cientistas políticos brasileiros publicado na revista "Political Research Quarterly", da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, dá boas indicações sobre o efeito redutor de elegibilidade da divulgação das fichas dos candidatos, ao mesmo tempo em que desmistifica a tese de que o instituto da reeleição reduz a incidência de corrupção.
Carlos Pereira, professor-assistente da Universidade de Michigan, e Marcus André Melo e Carlos Mauricio Figueiredo, da Universidade Federal de Pernambuco, com base no resultado de eleições municipais de 2000 e 2004 em todos os 184 municípios de Pernambuco, chegaram a uma conclusão fundamental: os prefeitos que cometeram irregularidades têm menos chance de serem reeleitos quando essa informação é divulgada no próprio ano eleitoral.
Do contrário, a tendência é as falcatruas caírem no esquecimento, pois, embora os cidadãos acompanhem a atuação dos prefeitos, não o fazem com tamanha persistência que impeça a reeleição se a irregularidade tiver acontecido há muito tempo. Os testes mostraram também que o efeito redutor da corrupção do sistema de reeleição pode ser compensado quando a expectativa de ganho é muito alta, e a probabilidade de ser detido é muito baixa.
Os testes econométricos demonstraram que o papel da informação na redução das possibilidades de reeleição de um corrupto é muito forte, assim como o das auditorias realizadas pelos Tribunais de Contas e pelos Tribunais Eleitorais. As irregularidades cometidas pelos prefeitos e detectadas pelas forças-tarefas durante a campanha eleitoral provocam uma significativa correlação negativa capaz de barrar reeleições, estatisticamente comprovável.
Mais especificamente, o estudo sustenta que, quanto maior o número de irregularidades detectadas no ano eleitoral, menor é a chance de o candidato acusado ser reeleito. Os resultados das pesquisas indicam que os eleitores são influenciados pelo momento da divulgação dos atos de corrupção. Enquanto a divulgação no ano eleitoral tem um efeito de reduzir as chances de reeleição em quase 20%, as notícias de corrupção durante o mandato têm a metade desse efeito.
Ao contrário de reduzir a possibilidade de corrupção, o sistema de reeleição no Brasil está incentivando práticas corruptas, especialmente quando as eleições são muito disputadas.
Oferecer vantagens ilegais aos eleitores pode facilitar a permanência do prefeito no cargo e, além do mais, quando reeleitos, esses corruptos encontram maneiras de se proteger de possíveis sanções, pois não apenas prefeitos têm privilégios legais para se defender das acusações como também têm mecanismos de intimidação e cooptação.
Um resultado paralelo do estudo, mas que também dá a dimensão da influência do poder político nas eleições, é o que mostra que o fato de pertencer ao partido do governador aumenta a possibilidade de ser reeleito em 23,85%.
Um dos autores do estudo, o cientista político Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, publicará brevemente na revista "Comparative Political Studies" um outro trabalho que coloca a seguinte pergunta: por que os Tribunais de Contas de alguns estados punem mais do que outros?
Em testes estatísticos com uma base de dados com milhares de observações para todos os 33 tribunais brasileiros, o artigo mostra que:
a) Se há pluralismo político no estado, há mais punição. Se governadores se alternam no estado, isso se reflete na composição do pleno dos Tribunais de Contas, e é o pleno que ratifica as irregularidades encontradas pelos auditores, em geral independentes e qualificados.
b) Os tribunais mais ativos, e que fazem mais auditorias por iniciativa própria, são aqueles que têm auditor fiscal-substituto de conselheiro no pleno, e não apenas políticos profissionais indicados.
c) Se procuradores do Ministério Público de Contas têm assento no pleno de tribunal, as chances de punição são mais elevadas. No TCE-RJ, por exemplo, não existe representação do MP de Contas no pleno.
Já que estamos falando de eleições para prefeitos, chamou minha atenção a declaração de patrimônio de Alessandro Molon, o candidato petista: ínfimos R$11.161. Por pouco não repete Garotinho, que declarou patrimônio zero. Chegar a essa altura da vida com um patrimônio desses, vindo de uma família de classe média, em vez de mostrar a "honestidade", só depõe contra a capacidade de Molon de gerir as próprias finanças e, em conseqüência, as finanças públicas.
O que pode ser uma questão boba, talvez reflita a visão do brasileiro - de que ser pobre é ser honesto, e ser rico é negativo. Diferentemente, a cultura anglo-saxônica faz com que aqui, nos Estados Unidos, poder mostrar um bom patrimônio signifique que o político foi exitoso em seus negócios particulares, o que é uma boa indicação, não uma falha.
Na campanha presidencial americana, uma das maneiras de revelar a força de uma candidatura é anunciar quanto arrecadou em doações. Candidatos endinheirados podem também ser afastados da disputa por falta de votos, como aconteceu do lado democrata com John Edwards, ou a senadora Hillary Clinton, que saiu da campanha com uma dívida de muitos milhões de dólares.
E do lado republicano, o ex-governador Mitt Romney, que colocou nada menos do que US$35 milhões do próprio bolso na campanha frustrada e agora pode vir a ser o vice de McCain.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
GATO E SAPATO
Dora Kramer
Quando o governo se vê numa sinuca, diz que perdeu o controle sobre determinado grupo ou setor que lhe cria problemas, alegadamente à sua revelia.
O PT enveredou pelo perigoso terreno da unificação de contas públicas e privadas? O partido saiu do controle.
Dirigentes foram presos com dinheiro para comprar denúncias contra o adversário na eleição de São Paulo? Coisa de gente descontrolada e além de tudo aloprada.
Da Casa Civil saiu um dossiê para arrefecer o ânimo oposicionista na investigação sobre gastos da Presidência da República? Indisciplina do segundo escalão a serviço dos inimigos da ministra Dilma Rousseff.
O padrão se repete agora quando a Polícia Federal é personagem central de uma discussão sobre transformação do Brasil em um Estado policial por causa das escutas indiscriminadas, da reivindicação por mais autonomia e por operações executadas ao sabor da vontade do delegado de plantão, estrito e lato sensos.
O governo resolve a sua parte do jeito habitual: tirando o corpo fora. Espalha a versão de que a PF está fora de controle, põe o ministro da Justiça para declarar “inadmissíveis” as vigilâncias a torto e a direito (mais a torto que a direito) e segue a vida como se não tivesse nada a ver com isso.
Fez-se de surdo à informação do delegado que chefiou a Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, dada à CPI dos Grampos sobre o uso de agentes da Agência Brasileira de Inteligência para atuar na informalidade - vale dizer, na ilegalidade - em ações paralelas, não autorizadas pela Justiça.
Nada disso surpreende. O que admira é que a alegação seja aceita sem uma contestação óbvia: se há descontrole, há um caso grave de insubordinação ao Ministério da Justiça e, por conseguinte, à Presidência da República.
Oficialmente, porém, não se ouve uma palavra a respeito nem se enxerga nenhum movimento que traduza o mínimo desconforto das autoridades maiores com essa quebra de hierarquia. E mais: ninguém explica de que natureza é mesmo o descontrole.
Se há alguma espécie de levante, de guerra de grupos para minar o comando, de conspiração para constranger e desmoralizar o poder da Presidência ou o quê, afinal de contas, ocorre para instalar no ambiente essa impressão de bagunça.
Sim, porque se não configura desordem o presidente do Supremo Tribunal Federal atacar duramente a PF e, ato contínuo, o presidente da República a avalizar sua posição sem que ninguém seja chamado às falas na corporação, então é pior: sinal de que a deformação está oficialmente incorporada à paisagem.
O problema, portanto, não pode ser atribuído à falta de controle. Na realidade, mais correto seria raciocinar não pela carência, mas pelo excesso. No caso, de ingerência política das ações da Polícia Federal.
Não aquela feita de forma grosseira, com perseguições a inimigos do governo e manipulações escancaradas de investigações. Não, tudo muito bem posto nos moldes “republicanos” e sob o lema do “doa a quem doer”.
Apenas quando o risco da dor é por demais ameaçador é que se justifica uma ação mais contundente. Por exemplo, quando o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, interditou as imagens do dinheiro apreendido com os “aloprados” que comprariam um dossiê contra o candidato a governador de São Paulo e futuro pretendente à Presidência, José Serra.
O inquérito também foi encerrado sem a identificação dos donos do dinheiro, mostrando como os petistas são mais resistentes a um interrogatório eficiente do que o intermediário do pagamento de propina a delegado da PF para tirar o banqueiro Daniel Dantas das investigações da Satiagraha. Em questão de instantes o rapaz “entregou” a origem do dinheiro, o Banco Opportunity.
Sobre os quatro anos e fumaça do caso sem culpados depois de Waldomiro Diniz ter sido filmado em ato de corrupção ativa, nem se fala. Não adianta.
As operações da PF sempre foram mostradas como uma espécie de antídoto aos escândalos nascidos no terreno governista. Quase uma alegoria de palanque, não seria exagero dizer.
Quando as operações esbarravam nos amigos, ou parentes, condenavam-se os excessos. Quando não havia constrangimento envolvido, celebrava-se a autonomia “republicana”.
Uma verdadeira confusão de medidas. Quando se chegou ao ponto de transferir para a chefia da Abin o então chefe da PF, a fim de não ferir suscetibilidades dos insatisfeitos com a substituição de Paulo Lacerda por Luiz Fernando Correa, ao que consta mais politicamente identificado com o ministro da Justiça que entrava (Tarso Genro), aí se institucionalizou o dirigismo.
O governo não perdeu o controle sobre a PF. O que se perdeu foram os parâmetros de atuação. O resultado está aí.
Arrumadinho
Dora Kramer
Quando o governo se vê numa sinuca, diz que perdeu o controle sobre determinado grupo ou setor que lhe cria problemas, alegadamente à sua revelia.
O PT enveredou pelo perigoso terreno da unificação de contas públicas e privadas? O partido saiu do controle.
Dirigentes foram presos com dinheiro para comprar denúncias contra o adversário na eleição de São Paulo? Coisa de gente descontrolada e além de tudo aloprada.
Da Casa Civil saiu um dossiê para arrefecer o ânimo oposicionista na investigação sobre gastos da Presidência da República? Indisciplina do segundo escalão a serviço dos inimigos da ministra Dilma Rousseff.
O padrão se repete agora quando a Polícia Federal é personagem central de uma discussão sobre transformação do Brasil em um Estado policial por causa das escutas indiscriminadas, da reivindicação por mais autonomia e por operações executadas ao sabor da vontade do delegado de plantão, estrito e lato sensos.
O governo resolve a sua parte do jeito habitual: tirando o corpo fora. Espalha a versão de que a PF está fora de controle, põe o ministro da Justiça para declarar “inadmissíveis” as vigilâncias a torto e a direito (mais a torto que a direito) e segue a vida como se não tivesse nada a ver com isso.
Fez-se de surdo à informação do delegado que chefiou a Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz, dada à CPI dos Grampos sobre o uso de agentes da Agência Brasileira de Inteligência para atuar na informalidade - vale dizer, na ilegalidade - em ações paralelas, não autorizadas pela Justiça.
Nada disso surpreende. O que admira é que a alegação seja aceita sem uma contestação óbvia: se há descontrole, há um caso grave de insubordinação ao Ministério da Justiça e, por conseguinte, à Presidência da República.
Oficialmente, porém, não se ouve uma palavra a respeito nem se enxerga nenhum movimento que traduza o mínimo desconforto das autoridades maiores com essa quebra de hierarquia. E mais: ninguém explica de que natureza é mesmo o descontrole.
Se há alguma espécie de levante, de guerra de grupos para minar o comando, de conspiração para constranger e desmoralizar o poder da Presidência ou o quê, afinal de contas, ocorre para instalar no ambiente essa impressão de bagunça.
Sim, porque se não configura desordem o presidente do Supremo Tribunal Federal atacar duramente a PF e, ato contínuo, o presidente da República a avalizar sua posição sem que ninguém seja chamado às falas na corporação, então é pior: sinal de que a deformação está oficialmente incorporada à paisagem.
O problema, portanto, não pode ser atribuído à falta de controle. Na realidade, mais correto seria raciocinar não pela carência, mas pelo excesso. No caso, de ingerência política das ações da Polícia Federal.
Não aquela feita de forma grosseira, com perseguições a inimigos do governo e manipulações escancaradas de investigações. Não, tudo muito bem posto nos moldes “republicanos” e sob o lema do “doa a quem doer”.
Apenas quando o risco da dor é por demais ameaçador é que se justifica uma ação mais contundente. Por exemplo, quando o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, interditou as imagens do dinheiro apreendido com os “aloprados” que comprariam um dossiê contra o candidato a governador de São Paulo e futuro pretendente à Presidência, José Serra.
O inquérito também foi encerrado sem a identificação dos donos do dinheiro, mostrando como os petistas são mais resistentes a um interrogatório eficiente do que o intermediário do pagamento de propina a delegado da PF para tirar o banqueiro Daniel Dantas das investigações da Satiagraha. Em questão de instantes o rapaz “entregou” a origem do dinheiro, o Banco Opportunity.
Sobre os quatro anos e fumaça do caso sem culpados depois de Waldomiro Diniz ter sido filmado em ato de corrupção ativa, nem se fala. Não adianta.
As operações da PF sempre foram mostradas como uma espécie de antídoto aos escândalos nascidos no terreno governista. Quase uma alegoria de palanque, não seria exagero dizer.
Quando as operações esbarravam nos amigos, ou parentes, condenavam-se os excessos. Quando não havia constrangimento envolvido, celebrava-se a autonomia “republicana”.
Uma verdadeira confusão de medidas. Quando se chegou ao ponto de transferir para a chefia da Abin o então chefe da PF, a fim de não ferir suscetibilidades dos insatisfeitos com a substituição de Paulo Lacerda por Luiz Fernando Correa, ao que consta mais politicamente identificado com o ministro da Justiça que entrava (Tarso Genro), aí se institucionalizou o dirigismo.
O governo não perdeu o controle sobre a PF. O que se perdeu foram os parâmetros de atuação. O resultado está aí.
Arrumadinho
Essa história da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff está pacífica demais, conveniente demais, antecipada demais e líquida e certa demais para estar bem contada.
DEU EM O GLOBO
TSE ADIA DECISÃO SOBRE ENVIO DE TROPAS AO RIO
Elenilce Bottari e Flávio Tabak
Após reunião com ministros e cúpula de Segurança, presidente do tribunal eleitoral diz que criminalidade diminuiu
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, transferiu para o colegiado da Corte a decisão final sobre a necessidade de forças federais no Rio para garantir a campanha de candidatos em áreas dominadas por traficantes ou milicianos. É a terceira vez que a decisão sobre o envio de tropas federais é adiada. O que era para ser uma reunião sobre os resultados de inquéritos federais que tratam de currais eleitorais na cidade transformou-se na apresentação, pelo secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, das ações do governo estadual para desmantelar esses grupos armados.
O TRE-RJ mostrou um levantamento com mapas de votação de áreas consideradas conflagradas. Ayres Britto disse que saiu do encontro satisfeito com os esforços das autoridades estaduais para resolver o problema. Embora não tenha antecipado sua posição sobre o envio das forças, Ayres Britto disse que a Polícia Federal e as polícias estaduais estão à disposição de candidatos que se sintam ameaçados em comunidades. E, embalado pelo discurso de Beltrame, chegou a falar em redução da criminalidade:
- Saio daqui confortável quanto ao empenho máximo que testemunho das autoridades do Rio de Janeiro. As atividades criminógenas estão caindo. O valor cívico das eleições vai preponderar. Essas atividades paralelas perderão força.
Juiz relata casos de curral eleitoral
Participaram da reunião, além de Ayres Britto, o ministro da Justiça, Tarso Genro; o presidente do TRE-RJ, desembargador Roberto Wider; o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa; o superintendente da Polícia Federal no Rio, Valdinho Jacinto Caetano; o chefe de Polícia Civil, Gilberto Ribeiro; o comandante-geral da Polícia Militar, Gilson Pitta Lopes; o chefe de Estado Maior da PM, coronel Antonio Carlos Suarez David; o procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento; o juiz coordenador da fiscalização da campanha eleitoral no Estado do Rio; Luiz Márcio Pereira, e o juiz de fiscalização no município do Rio, Fábio Uchôa.
O encontro durou cerca de duas horas. Márcio Pereira fez uma apresentação de uma hora sobre o resultado dos votos nas áreas onde estariam atuando os grupos criminosos. Após a explanação, Beltrame tomou a palavra para relatar prisões importantes, como a do vereador Jerônimo Guimarães (PMDB), o Jerominho, e de seu irmão, deputado Natalino (sem partido), e de outras ações, que estão sendo desenvolvidas pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e de Inquéritos Especiais. O secretário disse que a polícia desmantelou cerca de 50% das quadrilhas, ao prender os principais integrantes dos grupos que dominavam 20 comunidades na cidade.
Já o superintendente da PF disse que em cerca de dez dias deve estar concluído o inquérito sobre o curral eleitoral da Rocinha, onde o traficante Antônio Bomfim Lopes, o Nem, proibiu a entrada de outros candidatos e exigiu o "empenho da comunidade" na campanha de seu candidato. Ele, porém, não antecipou qualquer informação sobre o andamento das investigações.
Ficou acertado que o TRE vai promover uma campanha de esclarecimentos sobre a segurança do segredo do voto.
Após reunião com ministros e cúpula de Segurança, presidente do tribunal eleitoral diz que criminalidade diminuiu
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, transferiu para o colegiado da Corte a decisão final sobre a necessidade de forças federais no Rio para garantir a campanha de candidatos em áreas dominadas por traficantes ou milicianos. É a terceira vez que a decisão sobre o envio de tropas federais é adiada. O que era para ser uma reunião sobre os resultados de inquéritos federais que tratam de currais eleitorais na cidade transformou-se na apresentação, pelo secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, das ações do governo estadual para desmantelar esses grupos armados.
O TRE-RJ mostrou um levantamento com mapas de votação de áreas consideradas conflagradas. Ayres Britto disse que saiu do encontro satisfeito com os esforços das autoridades estaduais para resolver o problema. Embora não tenha antecipado sua posição sobre o envio das forças, Ayres Britto disse que a Polícia Federal e as polícias estaduais estão à disposição de candidatos que se sintam ameaçados em comunidades. E, embalado pelo discurso de Beltrame, chegou a falar em redução da criminalidade:
- Saio daqui confortável quanto ao empenho máximo que testemunho das autoridades do Rio de Janeiro. As atividades criminógenas estão caindo. O valor cívico das eleições vai preponderar. Essas atividades paralelas perderão força.
Juiz relata casos de curral eleitoral
Participaram da reunião, além de Ayres Britto, o ministro da Justiça, Tarso Genro; o presidente do TRE-RJ, desembargador Roberto Wider; o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa; o superintendente da Polícia Federal no Rio, Valdinho Jacinto Caetano; o chefe de Polícia Civil, Gilberto Ribeiro; o comandante-geral da Polícia Militar, Gilson Pitta Lopes; o chefe de Estado Maior da PM, coronel Antonio Carlos Suarez David; o procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento; o juiz coordenador da fiscalização da campanha eleitoral no Estado do Rio; Luiz Márcio Pereira, e o juiz de fiscalização no município do Rio, Fábio Uchôa.
O encontro durou cerca de duas horas. Márcio Pereira fez uma apresentação de uma hora sobre o resultado dos votos nas áreas onde estariam atuando os grupos criminosos. Após a explanação, Beltrame tomou a palavra para relatar prisões importantes, como a do vereador Jerônimo Guimarães (PMDB), o Jerominho, e de seu irmão, deputado Natalino (sem partido), e de outras ações, que estão sendo desenvolvidas pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e de Inquéritos Especiais. O secretário disse que a polícia desmantelou cerca de 50% das quadrilhas, ao prender os principais integrantes dos grupos que dominavam 20 comunidades na cidade.
Já o superintendente da PF disse que em cerca de dez dias deve estar concluído o inquérito sobre o curral eleitoral da Rocinha, onde o traficante Antônio Bomfim Lopes, o Nem, proibiu a entrada de outros candidatos e exigiu o "empenho da comunidade" na campanha de seu candidato. Ele, porém, não antecipou qualquer informação sobre o andamento das investigações.
Ficou acertado que o TRE vai promover uma campanha de esclarecimentos sobre a segurança do segredo do voto.
DEU EM O GLOBO
TORTURA: TARSO É ENQUADRADO
Luiza Damé, Gerson Camarotti e Ilimar Franco*
Presidente manda ministro pôr fim à discussão no governo sobre punição a torturadores
Luiza Damé, Gerson Camarotti e Ilimar Franco*
Presidente manda ministro pôr fim à discussão no governo sobre punição a torturadores
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquadrou ontem os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e encerrou no governo a discussão sobre a punição de militares acusados de crime de tortura durante a ditadura. Os dois ministros haviam defendido a punição há dez dias, provocando reação das Forças Armadas. Na reunião de coordenação ontem, Lula cobrou explicações de Tarso e orientou o governo a não levar adiante a polêmica. Lula disse aos ministros que a interpretação da Lei da Anistia é da competência do Judiciário e não do Executivo.
- O presidente orientou que qualquer interpretação a respeito da Lei da Anistia é do Poder Judiciário, e que o Poder Executivo não vai compartilhar dessa discussão - disse Tarso, que defendia a tese de que a Lei da Anistia não protegeu torturadores e que havia brecha legal para processos criminais contra militares que praticaram o crime.
Na reunião de coordenação, Lula pediu explicações sobre a polêmica alimentada por Tarso e Vannuchi. Tarso alegou que em momento algum foi proposta a revisão da Lei da Anistia, de 1979, que permitiu o retorno de exilados ao Brasil. Disse que, no seminário organizado pela Comissão de Anistia, no Ministério da Justiça, emitiu um conceito jurídico e que não se arrepende. Ele afirmou que tortura não é crime político, mas comum.
- Não há postulação do governo nem do ministério de fazer uma revisão da Lei da Anistia - disse.
"Não levei puxão de orelhas", diz ministro
Lula aceitou a explicação, mas avisou que o governo tem que trabalhar para o futuro, na reparação e na memória das vítimas da ditadura. Tarso negou que tenha recebido um puxão de orelhas de Lula, mas admitiu:
- Para mim, esse assunto já está encerrado. O presidente pode dar puxão de orelhas em qualquer ministro, é da sua competência, mas eu não levei puxão de orelhas. Lamento dizer isso para vocês.
Aos ministros, Lula deixou claro que não queria o governo envolvido nessa polêmica com militares. Segundo um dos presentes, Tarso foi mesmo enquadrado pelo presidente. Tanto que foi escalado para dar entrevista coletiva sobre a reunião, fato incomum no Planalto - em geral um ministro da Casa Civil é escalado.
A decisão de Lula ocorreu em meio a pressões de militares e do PT. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que aconselharia Lula a encerrar a polêmica, e o secretário Nacional de Movimentos Populares do PT, Renato Simões, da executiva nacional, afirmou em nota que a reparação às vítimas da ditadura é promessa de campanha do presidente. Ele elogiou Tarso e Vannuchi e cobrou a abertura dos arquivos militares e "a reparação plena dos ex-presos políticos, suas famílias e das gerações que aguardam um reencontro do Brasil com seu passado para alavancar um futuro ainda mais democrático e justo".
Jobim, que estava em Roraima, na Operação Poraquê, com os comandantes do Exército, Enzo Peri, da Marinha, Moura Neto, e da Aeronáutica, Juniti Saito, alertou para o risco de o tema acirrar os ânimos entre os militares:
- Vou conversar com o presidente (hoje) pela manhã. É preciso acabar com isso, encerrar esse assunto. Não podemos ter uma conduta de escalada das tensões.
Lula não gostou da maneira como Tarso conduziu o assunto. Antes mesmo do seminário que iniciou a polêmica, advertira o ministro:
- Isso é como uma ferida, se você cutucar, sangra.
Os militares esperam que hoje o presidente Lula dê declarações nessa direção, após a apresentação dos oficiais generais promovidos. Jobim reafirmou que os que pretendem rever atos do passado devem recorrer ao Judiciário. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ele vê problemas jurídicos para a punição de quem praticou tortura na ditadura:
- Esses atos foram praticados quando? Há 30 anos? Mesmo no Judiciário há a prescrição penal em abstrato. Alguns crimes foram declarados imprescritíveis, mas apenas para atos praticados após a Constituição de 1988. O Judiciário é autônomo. Ele é que toma as providências cabíveis. Está tudo prescrito, tanto que o Ministério Público não oferece denúncia contra ninguém.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, jogou um balde de água fria em quem pretende reabrir o assunto.
- Esse é um tema que talvez precise ser encerrado - disse ele.
O comandante do Exército também espera que o assunto acabe.
- Qualquer manifestação que coloque um ponto final nisso é bem vinda - disse o general Enzo Peri.
* O repórter Ilimar Franco viajou a convite do Ministério da Defesa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A MANDO DE LULA, TARSO NEGA IDÉIA DE REVISÃO
Lisandra Paraguassú e Vera Rosa
Lisandra Paraguassú e Vera Rosa
Ministro reafirma que a interpretação da Lei da Anistia é do Judiciário
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou o ministro da Justiça, Tarso Genro, pôr um ponto final na crise com os militares. O tema que causa dor de cabeça ao Planalto ocupou boa parte da reunião de ontem da coordenação política do governo e provocou debates acalorados. Na véspera da cerimônia de apresentação dos oficiais-generais promovidos, marcada para hoje, a conclusão foi de que era preciso agir rápido para amenizar o mal-estar criado depois que Tarso defendeu a punição dos torturadores da ditadura (1964-1985), provocando irada reação das Forças Armadas.
Bastante contrariado com o episódio, Lula pediu ao ministro que conversasse com jornalistas e negasse qualquer intenção do governo de patrocinar revisões na Lei de Anistia, de 1979. O presidente disse a Tarso que a discussão puxada por ele e pelo secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, foi “inoportuna” porque não está na agenda do Executivo e deve ficar na alçada do Judiciário. Além disso, Lula recebeu queixas do ministro da Defesa, Nélson Jobim, e fará de tudo para afastar a tensão dos quartéis.
Tarso desmentiu que tenha levado bronca no encontro de ontem, o primeiro desde o retorno de Lula da viagem à China, no fim de semana. Questionado pelos repórteres se teria causado embaraços ao governo, ele respondeu que não. “O presidente pode dar um puxão de orelhas na hora que quiser, mas eu não levei um”, garantiu. O ministro confirmou, porém, que Lula o incumbiu de não deixar o confronto com os militares prosperar, como antecipou o Estado.
Tarso contou, ainda, que o presidente pediu informações sobre o tom dos discursos na audiência pública que deu origem à polêmica, no último dia 31. Diante de uma platéia formada por integrantes da Comissão de Anistia e parentes de mortos e desaparecidos na ditadura, Tarso disse que a tortura não é crime político.
“Eu informei ao presidente que não há da minha parte uma postura de revisão da Lei de Anistia. Apenas emiti um conceito que está nos tratados internacionais”, insistiu Tarso. “Ele aceitou as explicações e reforçou a orientação de deixarmos claro que a interpretação da Lei da Anistia é do Judiciário.”
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
"FIAT LUX"
Eliane Cantanhêde
Eliane Cantanhêde
CARACARAÍ (RR) - O ministro da Defesa se chama Nelson Jobim, mas quem tinha uma agenda -e que agenda!- para os militares era o ministro da Justiça, Tarso Genro.
São quatro itens: revisão da Lei de Anistia para pôr torturadores no banco dos réus; abertura dos documentos do regime militar; entrega dos restos mortais dos desaparecidos do Araguaia e, enfim, o caso do coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra -que acaba de ser homenageado por seus pares.
Entre Jobim, que não acha oportuno nem construtivo, e Tarso, que queria porque queria remexer tudo isso, o presidente enquadrou Tarso ontem e tem boa chance para se manifestar hoje, na entrega de espada dos novos generais, no Planalto. Estarão lá os comandantes do Exército, Enzo Peri, da Aeronáutica, Juniti Saito, e da Marinha, Júlio de Moura Neto, todos na linha moderada e do deixa-disso.
O general Enzo diz que seria "o primeiro interessado" em entregar os documentos e os restos mortais do Araguaia às famílias, mas encontra obstáculos práticos: não há documentos nem vestígio dos corpos na mata, décadas depois.
"Se eu pudesse, diria "fiat lux" e entregava tudo isso. Mas eu simplesmente não tenho o que entregar, nem posso inventar", tem comentado informalmente.
Quanto à Lei da Anistia, Enzo, Saito e Moura Neto pensam como as tropas que comandam e como o ministro a quem batem continência: isso é coisa do passado, que não constrói o futuro.
A lei valeu, vale e valerá para todos, segundo eles.
Ontem, Jobim desfilou por Amazonas e Roraima em uniforme de campanha, igual ao dos comandantes, e deu mais um passo contra a revisão da Lei de Anistia. Antes, dizia que era coisa para o Judiciário. Agora, diz que mesmo aí há problemas, porque a tortura foi no regime militar, que acabou em 1985, e a tortura só se tornou imprescritível a partir da Constituição de 1988.
Ou seja: a lei assim está, assim deve ficar. Com a palavra, Lula.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DE TORTURAS E PUNIÇÕES
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Há duas confusões, que parecem pura má-fé, na equiparação que setores das Forças Armadas estão fazendo entre a ação dos que pegaram em armas contra o regime militar e a ação dos militares que os reprimiram.
Primeiro, agentes do Estado não podem recorrer à delinqüência para reprimir delinqüência de inimigos. Matar em combate é uma coisa, matar (ou torturar) quem já está preso é borrar a fronteira entre a civilização e a barbárie, tal como ocorre quando, em nome de um projeto político, se matam ou torturam não-combatentes.
A segunda -e principal confusão, porque não é conceitual, mas factual- trata da impunidade. Praticamente todos os que pegaram em armas contra a ditadura foram punidos. Punidos foram muitos que nem pegaram em armas (vide o caso do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do aparelho repressivo, mesmo não tendo aderido à luta armada).
Alguns oposicionistas foram punidos no marco da lei, ainda que certas leis repressivas fossem ilegítimas, porque editadas por um governo não surgido do voto livre dos cidadãos. Mas um punhado deles foi punido muito além da lei, com assassinatos, torturas (inclusive de parentes não envolvidos na luta), desaparecimentos (caso de Rubens Paiva, que nada tinha a ver com a luta armada), banimento e por aí vai.
Do lado oposto, no entanto, ninguém foi punido. Muitos, ao contrário, foram promovidos. A impunidade deu margem, por exemplo, ao atentado do Riocentro, em que só um acidente de trabalho impediu uma tragédia inenarrável (a bomba explodiu no colo do militar que ia atacar um show musical supostamente de esquerda).
Ser contra ou a favor de punir agora torturadores do passado é questão de opinião. Mas é inquestionável que os torturados foram punidos, e os torturadores, não.
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Há duas confusões, que parecem pura má-fé, na equiparação que setores das Forças Armadas estão fazendo entre a ação dos que pegaram em armas contra o regime militar e a ação dos militares que os reprimiram.
Primeiro, agentes do Estado não podem recorrer à delinqüência para reprimir delinqüência de inimigos. Matar em combate é uma coisa, matar (ou torturar) quem já está preso é borrar a fronteira entre a civilização e a barbárie, tal como ocorre quando, em nome de um projeto político, se matam ou torturam não-combatentes.
A segunda -e principal confusão, porque não é conceitual, mas factual- trata da impunidade. Praticamente todos os que pegaram em armas contra a ditadura foram punidos. Punidos foram muitos que nem pegaram em armas (vide o caso do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do aparelho repressivo, mesmo não tendo aderido à luta armada).
Alguns oposicionistas foram punidos no marco da lei, ainda que certas leis repressivas fossem ilegítimas, porque editadas por um governo não surgido do voto livre dos cidadãos. Mas um punhado deles foi punido muito além da lei, com assassinatos, torturas (inclusive de parentes não envolvidos na luta), desaparecimentos (caso de Rubens Paiva, que nada tinha a ver com a luta armada), banimento e por aí vai.
Do lado oposto, no entanto, ninguém foi punido. Muitos, ao contrário, foram promovidos. A impunidade deu margem, por exemplo, ao atentado do Riocentro, em que só um acidente de trabalho impediu uma tragédia inenarrável (a bomba explodiu no colo do militar que ia atacar um show musical supostamente de esquerda).
Ser contra ou a favor de punir agora torturadores do passado é questão de opinião. Mas é inquestionável que os torturados foram punidos, e os torturadores, não.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
REVISÃO DA LEI DA ANISTIA É DA JUSTIÇA
Raymundo Costa
Engana-se quem vê em Lula o ventríloquo da defesa que Tarso Genro (Justiça) fez da reabertura do debate sobre a punição dos militares acusados de torturar adversários do regime. No governo e no PT, essa é uma discussão que percorre outra trilha e tem outra ordem de prioridade. A primeira, é o que se chama de "direito à verdade" - a abertura dos arquivos da ditadura. Por essa vereda, a revisão da lei da anistia, questão na qual se enquadra a punição dos torturadores, é assunto da competência exclusiva do Poder Judiciário.
O argumento parece razoável. A anistia foi uma decisão política e constitucional avalizada pelo Congresso, em agosto de 1979. Era o ocaso do regime militar, mas a correlação de forças ainda favorecia o governo dos generais. Era o primeiro dos cinco anos de mandato de João Baptista Figueiredo. Na prática, um pacto de transição que refletia essa relação das forças políticas, tendo de um lado o Executivo, e do outro, a sociedade brasileira, representada no Congresso. Nesses termos, é o Poder Judiciário que deve discutir hoje a abrangência da lei de anistia. Não é o Congresso, não é o Poder Executivo.
Trata-se de uma questão delicada para o governo, que, se não for conduzida corretamente, dificulta uma solução negociada com as Forças Armadas. A punição dos torturadores é um assunto que "une e dá força aos dinossauros", como se diz entre as pessoas ouvidas sobre a questão, em Brasília. Prova disso teria sido a presença de dois oficiais generais - o comandante militar do Leste e o chefe do Departamento de Ensino de Pesquisa do Exército - num seminário realizado no Clube Militar, no Rio de Janeiro, semana passada. Para o governo Lula, um fato negativo, mesmo que os oficiais tenham comparecido em trajes civis, sem a farda e os seus galões.
A reserva falar, se manifestar, como é comum nas tertúlias do Clube Militar, é um direito democrático. Na realidade, uma tradição que em outras épocas era capaz de abalar governos, mas cuja importância se perdeu com a abertura democrática.
Abertura dos arquivos da ditadura é prioridade
Por isso é grave a presença dos dois comandantes militares, ao lado de oficiais ainda agora chamados de "supostos torturadores", porque nunca foram a julgamento, num evidente desafio a um ministro de um governo democraticamente eleito. Tarso Genro, aliás, já regulou o discurso e aos poucos recua para o que parece ser a posição possível de ser negociada com os militares, na ótica de quem participa intensamente da discussão e é parte da equação.
A avaliação no governo e em setores do PT é que o problema foi encaminhado de maneira errada, começando do máximo (a punição aos torturadores) para chegar ao mínimo (o direito à verdade). Atualmente, quem está envolvido na discussão defende que é necessário avançar por etapas. Primeiro, resolver a questão do direito à verdade, que é a parte que cabe ao Executivo. Já a interpretação da suposta cobertura que a lei da anistia dá aos torturadores é tarefa que está na agenda do Judiciário, por iniciativa do Ministério Público Federal. E deve ficar por lá.
Em resumo, a condução política não deve envolver a lei da anistia. O que efetivamente deve ser discutido é o inventário das informações que faltam ser divulgadas - porque muita coisa já saiu ao longo desses 30 anos - e o que precisa ser sistematizado para divulgação. Uma prestação de contas a ser feita pelo Estado, e não pelos comandos militares ou pelo ministro da Defesa, com pedido de desculpas, se for o caso.
Por esse raciocínio, o Estado deve fazer essa prestação de contas, porque a violação aos direitos humanos não foi ação de um bando de tresloucados, mas uma questão de Estado - houve um golpe e um AI-5. Um assunto a ser tratado em baixa intensidade. Isso para não contaminar a agenda com as Forças Armadas, que é o reaparelhamento, a melhoria salarial e o projeto de defesa nacional em discussão. Pois há o risco da condução política até agora dada à discussão contaminar o presente e o futuro com o que se passou há 30 anos.
Nesse sentido, não faltam críticas ao ministro Tarso Genro, pois uma coisa é o pronunciamento do secretário de direitos humanos ou de um deputado. Outra inteiramente diferente o posicionamento de Tarso Genro, comandante de uma das três Pastas que não são ministérios políticos, mas ministérios de Estado: Justiça, Defesa e Relações Exteriores.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
Raymundo Costa
Engana-se quem vê em Lula o ventríloquo da defesa que Tarso Genro (Justiça) fez da reabertura do debate sobre a punição dos militares acusados de torturar adversários do regime. No governo e no PT, essa é uma discussão que percorre outra trilha e tem outra ordem de prioridade. A primeira, é o que se chama de "direito à verdade" - a abertura dos arquivos da ditadura. Por essa vereda, a revisão da lei da anistia, questão na qual se enquadra a punição dos torturadores, é assunto da competência exclusiva do Poder Judiciário.
O argumento parece razoável. A anistia foi uma decisão política e constitucional avalizada pelo Congresso, em agosto de 1979. Era o ocaso do regime militar, mas a correlação de forças ainda favorecia o governo dos generais. Era o primeiro dos cinco anos de mandato de João Baptista Figueiredo. Na prática, um pacto de transição que refletia essa relação das forças políticas, tendo de um lado o Executivo, e do outro, a sociedade brasileira, representada no Congresso. Nesses termos, é o Poder Judiciário que deve discutir hoje a abrangência da lei de anistia. Não é o Congresso, não é o Poder Executivo.
Trata-se de uma questão delicada para o governo, que, se não for conduzida corretamente, dificulta uma solução negociada com as Forças Armadas. A punição dos torturadores é um assunto que "une e dá força aos dinossauros", como se diz entre as pessoas ouvidas sobre a questão, em Brasília. Prova disso teria sido a presença de dois oficiais generais - o comandante militar do Leste e o chefe do Departamento de Ensino de Pesquisa do Exército - num seminário realizado no Clube Militar, no Rio de Janeiro, semana passada. Para o governo Lula, um fato negativo, mesmo que os oficiais tenham comparecido em trajes civis, sem a farda e os seus galões.
A reserva falar, se manifestar, como é comum nas tertúlias do Clube Militar, é um direito democrático. Na realidade, uma tradição que em outras épocas era capaz de abalar governos, mas cuja importância se perdeu com a abertura democrática.
Abertura dos arquivos da ditadura é prioridade
Por isso é grave a presença dos dois comandantes militares, ao lado de oficiais ainda agora chamados de "supostos torturadores", porque nunca foram a julgamento, num evidente desafio a um ministro de um governo democraticamente eleito. Tarso Genro, aliás, já regulou o discurso e aos poucos recua para o que parece ser a posição possível de ser negociada com os militares, na ótica de quem participa intensamente da discussão e é parte da equação.
A avaliação no governo e em setores do PT é que o problema foi encaminhado de maneira errada, começando do máximo (a punição aos torturadores) para chegar ao mínimo (o direito à verdade). Atualmente, quem está envolvido na discussão defende que é necessário avançar por etapas. Primeiro, resolver a questão do direito à verdade, que é a parte que cabe ao Executivo. Já a interpretação da suposta cobertura que a lei da anistia dá aos torturadores é tarefa que está na agenda do Judiciário, por iniciativa do Ministério Público Federal. E deve ficar por lá.
Em resumo, a condução política não deve envolver a lei da anistia. O que efetivamente deve ser discutido é o inventário das informações que faltam ser divulgadas - porque muita coisa já saiu ao longo desses 30 anos - e o que precisa ser sistematizado para divulgação. Uma prestação de contas a ser feita pelo Estado, e não pelos comandos militares ou pelo ministro da Defesa, com pedido de desculpas, se for o caso.
Por esse raciocínio, o Estado deve fazer essa prestação de contas, porque a violação aos direitos humanos não foi ação de um bando de tresloucados, mas uma questão de Estado - houve um golpe e um AI-5. Um assunto a ser tratado em baixa intensidade. Isso para não contaminar a agenda com as Forças Armadas, que é o reaparelhamento, a melhoria salarial e o projeto de defesa nacional em discussão. Pois há o risco da condução política até agora dada à discussão contaminar o presente e o futuro com o que se passou há 30 anos.
Nesse sentido, não faltam críticas ao ministro Tarso Genro, pois uma coisa é o pronunciamento do secretário de direitos humanos ou de um deputado. Outra inteiramente diferente o posicionamento de Tarso Genro, comandante de uma das três Pastas que não são ministérios políticos, mas ministérios de Estado: Justiça, Defesa e Relações Exteriores.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras