DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA


NOTÍCIA DE UM ASSALTO INUSITADO
Ferreira Gullar

Havia necessidade de expressar o momento, quando um cheiro de jasmim atacou-me

CERTA noite, ao sair do prédio onde mora a Cláudia, fui surpreendido -seria melhor dizer agredido? assaltado?- por uma onda perfumada que me arrebatou: era o perfume que, como uma espécie de gás, emanava das flores de um jasmineiro postado ali, a poucos passos do portão do edifício.

Aturdido e inebriado, arranquei do jasmineiro um punhado de flores e, chegando-as ao nariz, aspirei-lhes avidamente o aroma que, para minha surpresa, revelou-se selvagem e quase me envenena. Embriagado, caminhei até o carro, nele entrei, atirei as flores sobre o banco ao lado e parti na noite, como não fosse para casa.

Mas fui e, ao chegar, depus sobre a estante da sala as brancas flores que já não exalavam tanto odor. Era óbvio que daquela inusitada aventura, nascesse um poema. E foi o que ocorreu, mas não naquela noite, que já havia sido suficientemente avassaladora.

Na manhã seguinte, sentei-me para escrever o poema que deveria expressar a aventura vivida na noite anterior, num jardim da rua Senador Eusébio, no Flamengo. Tinha diante de mim um papel em branco. Sim, e agora, o que fazer?

Por onde começar? Não sabia. Tudo o que havia era uma necessidade de, com palavras, expressar aquele momento quando um cheiro de jasmim atacou-me e aturdiu-me, como um assaltante vaporoso surgido da treva.

O poema, sabe, nasce do espanto, isto é, de um instante em que o enigma sempre não explicado e oculto da existência se põe à mostra. E então vemos que todas as explicações não explicam tudo, não explicam o que o cheiro de um jasmineiro nos revela, de repente, de noite, num jardim do Flamengo.

Até certo ponto, por seu caráter inusitado, o poema é uma notícia: notícia de um fato fora da História mas que pertence a ela, e que o poeta, como um repórter bêbado, quer dar a conhecer ao mundo, um testemunho: um cheiro de jasmim atacou-o, de súbito, num jardim aparentemente seguro, às 11h50 de uma noite de quinta-feira.

No entanto, dito assim como notícia, a ocorrência não chega a ser um poema. Seria, quando muito, uma nota na página policial do jornal, assim: "jasmim agride cidadão desavisado, no Flamengo". Caberia, na nota, uma referência ao policiamento ineficiente do bairro pelas autoridades competentes.

E não haveria exagero, se se leva em conta que, quando saí do prédio e fechei o portão, mal desci os dois degraus até o chão de terra, o assaltante, embuçado no jasmineiro -e que era o próprio jasmineiro- saltou sobre mim, como sombra, ou melhor, como aroma, e me agrediu nariz a dentro. Um assaltante disfarçado de arbusto, agindo impunemente num bairro residencial constitui de certo modo um "furo" jornalístico. E nisso o poema se assemelha à notícia, frutos ambos do ineditismo e do espanto.

Mas não se escreve um poema como se escreve uma notícia, com lide e sublide, tendo por objetivo principal relatar o ocorrido, de maneira o mais impessoal possível, com total isenção e sem ambigüidade. Já no poema, muito pelo contrário, o autor se confunde com o que diz, mistura-se com o fato, de tal modo que não se distingue o ocorrido do imaginado. O poeta, na verdade, não informa -inventa; não instrui o leitor, confunde-o deliberadamente, para deslumbrá-lo.

E por que inventa e confunde? Porque o perfume do jasmim -qualquer perfume- é intraduzível em palavras, e é o perfume -a iluminação, na noite, pelo olfato- que o poeta quer dar no poema, ou quer, melhor dizendo, fazê-lo exalar no teu dia, leitor, já não através do nariz mas da boca, ao lê-lo. Quer te dizer o indizível. E ali está ele, diante da página em branco, onde tudo pode acontecer mas, onde, por ora, nada acontece: apenas o silêncio anterior à fala.

Mas, se o perfume não se traduz em palavras, o que dizer com as palavras? O que há a dizer, de fato, ele não sabe, já que ainda não o disse: é só vontade, impulso indefinido. Assim, antes de ser escrito, o poema é apenas uma difusa intenção, não existe e pode nunca existir. Como a palavra não diz o aroma, escrevê-lo é um jogo de probabilidades, de necessidade e acaso, que começa quando a primeira palavra é posta na página em branco. Ela reduz a probabilidade, que era infinita, ao dar início a um discurso possível e não sabido.

Essa primeira palavra, que poderia ser outra, deflagra a invenção do poema, a aventura imprevisível de escrever o impossível que o poeta dará por finda arbitrariamente. E assim o cheiro do jasmim, que não está nele, tornou possível inventá-lo, como a expressão da ausência do vivido, ou uma de suas possíveis presenças.

DEU EM O GLOBO


MULTINACIONAIS EMERGENTES
Merval Pereira


Nova York. Cada vez mais há indicações de que as economias emergentes, com a crise dos EUA e o crescimento mais lento das economias avançadas, como a da União Européia e do Japão, adquiriram "novos e revolucionários meios de penetrar mercados e desafiar atores consolidados, principalmente por conta da queda dramática dos custos de acesso, processamento e transmissão da informação". Além disso, o economista Cláudio R. Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, vê um sinal mais importante de que o mundo está "de cabeça para baixo": progressivamente essas economias obtiveram a capacidade de sobrepujarem as economias avançadas, tanto no sentido de direcionarem o crescimento mundial, como de ampliarem sua participação nas exportações mundiais e transformarem suas empresas nos vetores internacionais de investimento mais dinâmicos.

A especialista em gestão da Fundação Dom Cabral e do Insead, Betania Tanure, vê a presença maior de multinacionais de países emergentes no mercado mundial como "uma terceira onda", conseqüência do impacto das forças da globalização no comportamento das empresas em todo o mundo.

O estudo de Claudio Frischtak mostra que mais de um quarto (27,8%) das exportações mundiais se originam atualmente de 13 economias emergentes. Algumas, como Hong-Kong, Cingapura, Taiwan e Malásia, já são relativamente maduras e caracterizadas por um forte impulso de integração, tanto no plano das exportações quanto de fluxos de investimentos diretos externos.

Outras, como a brasileira, ainda se encontram num processo de expansão e têm uma representação menos significativa dentre as empresas multinacionais emergentes (EMEs), segundo estudo de Frischtak.

Em 2006, das 100 empresas com os maiores ativos externamente, não mais do que sete eram EMEs, permanecendo um hiato considerável tanto no tamanho como nos indicadores de globalização das multinacionais das economias avançadas em relação às EMEs.

Este hiato está sendo reduzido com o tempo, pelo vigor do crescimento das EMEs, tanto domesticamente quanto nos mercados externos onde estão investidas. Segundo o estudo de Cláudio Frischtak, este dinamismo é maior entre as EMEs asiáticas, porém gradativamente as multilatinas - e brasileiras - vêm se aproximando.

O fluxo de investimento direto externo do Brasil e outras economias emergentes vem se expandindo de forma acelerada nos últimos anos, destaca ele, para ressaltar que mesmo levando em consideração que 2006 foi um ano atípico, pela magnitude da compra da canadense Inco pela Vale, "o país é - dentre os países emergentes e em desenvolvimento - um dos quatro maiores investidores externos".

Ao mesmo tempo, porém, o Brasil é um dos países com o menor número de EMEs: em 2006, de acordo com a UNCTAD, somente 165 empresas brasileiras tinham algum nível de transnacionalidade, tendo em conseqüência uma baixa representatividade entre as 100 empresas com maior nível de transnacionalidade oriundas de economias emergentes e em desenvolvimento: apenas três firmas - Petrobrás, Vale e Gerdau - fazem parte deste conjunto.

Uma perspectiva de médio prazo, contudo, sugere um dinamismo e importância maiores das EMEs brasileiras. Segundo o estudo de Frischtak, para o Brasil, seriam importantes três pontos:

1) evitar uma transnacionalização espúria, realizando as reformas e os investimentos necessários para reduzir os custos de se operar no país e aumentar a competitividade das empresas nacionais;

2) engajar - governo e setor privado - com maior vigor na aprovação de acordos comerciais, de bitributação e, eventualmente, de investimentos com os parceiros comerciais mais relevantes, e reforçar as estruturas de apoio da diplomacia econômica à internacionalização das empresas;

3) ampliar as modalidades de financiamento - até o momento centrado nos recursos do BNDES e eventualmente de um fundo soberano - por meio de uma maior integração do próprio Banco com os mercados de capitais e o acesso a novos pools de financiamento.

Já Betânia Tanure em seus estudos encontra sempre as principais barreiras na gestão de pessoas. O maior desafio é desenvolver e disseminar um "mind set" internacional nas empresas. Segundo ela, desafios considerados externos à empresa existem, como a imagem do país no exterior, negativa ou inexistente, e o "Custo Brasil", incluindo os custos elevados e a inadequação da infra-estrutura, as deficiências do sistema tributário e a fragilidade das nossas instituições.

Mas a aquisição feita pela InBev da cervejaria que fabrica a Budweiser nos Estados Unidos coloca no centro das discussões a competência das empresas em desenhar e implementar estratégias agressivas de crescimento e, mais ainda, conseguir gerir o "day after" das fusões e aquisições.

Betânia Tanure destaca que menos de 5% das fusões e aquisições feitas no Brasil o são por motivos relacionados a incorporação de competências ou a know-how. Justamente por isso, as pesquisas revelam que mais de 50% das F&A não atingem o objetivo proposto.

Segundo Tanure, não basta estar entre as melhores em seu país: é preciso mudar de patamar e medir-se em relação às melhores do mundo. "Foi o que fez a Gerdau, ao tomar como base de comparação a norte-americana Nucor, líder mundial no segmento das mini-usinas", ressalta.

A consultora lembra que é igualmente importante capitalizar experiências internacionais, com o desenvolvimento de produtos e processos e a adoção de novas tecnologias e práticas comerciais, estendendo o aprendizado resultante para toda a rede, incluindo a matriz. Bom exemplo seria a filial da Natura em Saint-Germain-des-Près, em Paris, que se tornou uma verdadeira escola para a organização.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


MANUAL DE AUTO-AJUDA
Dora Kramer


Reza a mais recente lenda eleitoral que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, cumpre uma frenética agenda de palanques para ajudar o PT a eleger seus candidatos a prefeito e vereador.

Depois de muita insistência do partido, o presidente Luiz Inácio da Silva teria “concordado” - contrariado, certamente - em liberar Dilma da regra imposta aos outros ministros, restritos à participação em campanhas nos respectivos domicílios eleitorais, para correr o País para ajudar os petistas a conquistar o coração do eleitorado.

Na mesma toada - menos enfeitada no tocante a devaneios, é verdade - segue o PSDB querendo fazer crer que a presença do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, é imprescindível para eleger tucanos aos magotes nesse Brasil varonil.

Aécio desembarcou outro dia em São Paulo para dar seu aval à candidatura de Geraldo Alckmin e, segundo consta, já gravou participação em programas no horário gratuito de mais de 50 candidatos.

Ao fato: Marta Suplicy disparou na dianteira com 15 pontos porcentuais de diferença sem que Dilma pusesse os pés em São Paulo, eleitoralmente falando; na seara tucana, entre as duas últimas pesquisas e a passagem do governador mineiro pela cidade, Alckmin caiu de 31% para 26% na preferência do eleitor.

E o que Aécio Neves tem a ver com isso? Tanto quanto Dilma Rousseff tem a ver com o desempenho de Marta: nada.

Antes que se diga que São Paulo é um caso à parte, combinemos que a assertiva não influi nem contribui para a análise do tema em tela simplesmente porque não quer dizer nada.

Só não se pode afirmar que a presença dos dois pretendentes a presidente nos palanques municipais de Norte a Sul, de Leste a Oeste, é também desprovida de significado porque, no tocante aos respectivos projetos políticos, quer dizer muito.

A oportunidade de aparecer em palanques reais e virtuais durante mais de 40 dias no País inteiro é uma chance de diamante para quem tem muito capital - próprio ou potencialmente transferível -, mas precisa construir popularidade e disseminar sua imagem para poder pensar em 2010 com objetividade.

Não há nada de errado no movimento de ambos. Ao contrário. Dariam o jogo por entregue ao adversário (os internos e os externos, explícitos e ocultos) se não aproveitassem a campanha de 2008 para, como se dizia na esquerda, acumular forças.

Principalmente no caso da ministra, só não fica bem falar à sociedade na base do sinal trocado, tentando transparecer uma força política que não tem, mas nada impede que possa vir a ter.

No presente momento, se alguém ajuda alguém de verdade são os candidatos municipais quando abrem espaço para seus correligionários com pretensão a dirigentes nacionais.

A ministra da Casa Civil e o governador de Minas quando correm o País não o fazem em auxílio a outrem. Se ajuda há, é em prol da causa própria.

Dilma não é “puxadora” de votos - nem sequer viveu a experiência de produzir alguma quantidade deles na vida - muito menos tem o condão de transferi-los, tarefa árdua até para um ás na captura de mentes como o presidente Lula.

Ao fato: em 2006, Roseana Sarney perdeu a reeleição para o governo do Maranhão, a despeito do apoio de um Lula reeleito.

Merece atenção o que disse o cientista político Jairo Nicolau ao jornal Valor dias atrás: “O presidente influencia, mas o que define votos nessas eleições são os temas locais”.

E mesmo assim, alguns referenciais de competência local não conseguiram impor seus pesos nas respectivas províncias no período inicial das campanhas.

Dois fatos: no mais conhecido, Aécio Neves com mais de 80% de avaliação positiva e o prefeito Fernando Pimentel, popular na casa dos 70%, ainda não fizeram seu candidato sair do terceiro lugar.

No menos, a candidata do PT em Natal tem o apoio de Lula, do presidente do Senado, da governadora, do prefeito, todos maravilhosamente bem avaliados, mas está levando um baile de 20 pontos da adversária sustentada por uma esquisita aliança do PV com o DEM.

Ora, sendo o eleitor um imprevisível, pode virar um rebelde diante de imposições muito explícitas.

Ubaldo

Mãe de criação da paranóia no mundo dos negócios e da política, a grampolândia desenfreada tem deixado espíritos habitualmente atormentados em petição de miséria.

O governador José Serra, por exemplo. Se o assunto requer reserva, põe o indicador sobre os lábios pedindo silêncio e aponta para as paredes em volta sinalizando cuidado com escutas ambientais.

Há quem já tenha presenciado Serra pedir ao interlocutor que retirasse o chip do celular antes de conversar.

Fernando Henrique Cardoso contou o caso a um deputado, mas ele achou a coisa com jeito de intriga da oposição. Até conferir com dois secretários do governo de São Paulo, que confirmaram a história.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


OPOSIÇÃO EM APUROS
Luiz Carlos Azedo

O presidente Lula sentiu o cheiro de animal ferido e, como um predador, resolveu participar da campanha dos aliados já no primeiro turno

Está cada vez mais evidente que o governador José Serra (PSDB) deu um tremendo tiro no pé ao apoiar a reeleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM) contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Já não se trata de criar um desafeto no próprio ninho tucano na prefeitura da maior cidade do país. O risco que o governador paulista corre é o de alavancar o PT para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, comprometendo seu próprio favoritismo. O presidente Lula já sentiu o cheiro de animal ferido e, como um predador, resolveu participar da campanha dos aliados no primeiro turno, principalmente em São Paulo, onde Marta Suplicy (PT)agora é líder disparada.

Uma das duas

Marta Suplicy (PT) abriu 15 pontos de vantagem sobre Geraldo Alckmin (PSDB), com 41% dos votos contra 26%, segundo pesquisa do Ibope divulgada sexta-feira passada. Depois, vêm Paulo Maluf (PP), com 9%, e Gilberto Kassab (DEM), com 8%. Soninha (PPS) tem 2% das intenções de voto. Há menos de mês, Marta (PT) e Alckmin (PSDB) estavam em empate técnico. Como a campanha na tevê ainda não começou, o cenário não é definitivo. Uma vitória de Marta simplesmente pode levar Serra a jogar a toalha e disputar a reeleição em São Paulo, com risco até de perder. Tudo dependerá do cenário pós-eleitoral nas grandes cidades do interior paulista, onde o PT também está na ofensiva. É o caso de São Bernardo do Campo, por exemplo, onde eleger o ex-ministro Luiz Marinho virou uma obsessão do presidente Lula. Se vencer, Marta pode disputar o Palácio dos Bandeirantes ou a vaga de candidata petista à Presidência da República com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a preferida do Palácio do Planalto.

Muita fé

A arriscada aposta do presidente Lula no senador Marcelo Crivella (PRB), pastor da Igreja Universal, no Rio de Janeiro, está dando certo até agora. Crivella subiu cinco pontos no Ibope divulgado na sexta-feira, estando com 28% das intenções de voto. O candidato do governador Sérgio Cabral, Eduardo Paes, com 12%, subiu três pontos e passou Jandira Feghali(PCdoB), que caiu três pontos e está com 11%. Para o Palácio do Planalto, porém, o mais importante é que a candidata do prefeito Cesar Maia, Solange Amaral (DEM), cresceu apenas um ponto, estando com 6% das intenções de votos, Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) desabou de 8% para 4% e está empatando com Chico Alencar (PSol). Ou seja, a oposição pode levar uma surra homérica no Rio.

Um poste

A comunista Jô Moraes (PCdoB) continua em primeiro lugar na disputa de Belo Horizonte, com 18% das intenções de voto, segundo o Ibope. Jô recebe o apoio velado dos ministros petistas Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e do vice-presidente José Alencar (PRB). Empatados tecnicamente, Leonardo Quintão (PMDB) tem 10%, Márcio Lacerda (PSB) 9% e Vanessa Portugal (PSTU), 5% das intenções de voto. Sérgio Miranda (PDT) está com 3% e Gustavo Valadares, do DEM, aparece com 2%. O governador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o prefeito Fernando Pimentel (PT) apóiam Lacerda, mas terão que suar muito as camisas para provar que são capazes de levantar um poste. A esperança, porém, não morreu: o candidato oficial subiu um pouquinho depois que tirou os óculos escuros.

A virada

Para complicar a vida da oposição, em Recife, o candidato do PT, João da Costa, passou o ex-governador José Mendonça Filho (DEM), segundo a mesma rodada de pesquisas do Ibope divulgada sexta-feira pela TV Globo. Cabeça de uma coligação de 15 partidos, Costa subiu 10 pontos e tem 30% das intenções de voto. Mendonça, caiu três pontos e está 27%. Cadoca (PSC), apoiado pelo ex-deputado Roberto Freire, presidente do PPS, caiu de 22% para 20%; e Raul Henry (PMDB), candidato do ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), perdeu um ponto e está com 7%. Ou seja, mais uma capital estratégica onde a oposição está em apuros.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


VENCER OU VINGAR
José de Souza Martins*


A nova esquerda pensa a nova sociedade como restauração e punição, na perspectiva e limites estreitos da tradição conservadora

O debate em torno do alcance da anistia política decretada ainda no regime militar não apenas põe na agenda da nossa consciência política os temas opostos do perdão e da vingança. Sobretudo, expõe as limitações do ideário das esquerdas no Brasil, já decantado pela anômala duração do regime autoritário, que expressou a fragilidade da nossa competência democrática. Decantado, também, pela extrema fragmentação das esquerdas, que o regime acentuou, dispersas por dilemas doutrinários.

A anistia foi um convite ao esquecimento do terrorismo do Estado e dos crimes que inventou para prender, torturar e matar. Num certo sentido, na lei de anistia o regime militar reconheceu oficialmente sua derrota pela sociedade civil obstinada que, por caminho diverso daquele dos que optaram pela luta armada para derrubá-lo, acabou por vencê-lo e superá-lo. O retorno à questão da anistia, concedida pelo próprio culpado, deixa de lado o fato de que a tortura era apenas a ponta extrema de um encadeamento perverso que ia do informante ao torturador, informante que, como mostram os documentos da espionagem e da repressão políticas desde os anos 20, não raro era conhecido, vizinho, amigo e até parente da vítima. Sem contar o fato de que no regime autoritário o Estado brasileiro se duplicou. Havia o Estado legal, mutilado pelas leis de exceção, e havia o Sistema, o Estado paralelo e invisível da tortura e das verbas secretas. Havia o Estado para inglês ver e o Estado para brasileiro sentir. É estranhíssimo que se defenda o torturador como se fosse legítimo funcionário do Estado legal.

Nesse processo à margem das opções radicais, uma das grandes transformações políticas ocorridas no Brasil durante a ditadura foi a fragilização da esquerda materialista e o fortalecimento e disseminação de uma nova esquerda fortemente enraizada no pensamento religioso, em particular no pensamento católico. Isso não ocorreu apenas no Brasil. Em vários países da América Latina, sob influência da Teologia da Libertação, Marx ganhou adeptos onde até então só tivera inimigos.

Essa nova esquerda chegou ao poder na Nicarágua, com o sandinismo, e no Brasil, com o petismo, aparente mescla de esquerdas antigas e novas. Mas na verdade sólida e nova organização política e ideológica, fortemente dependente da esquerda religiosa, que entre nós se disseminou com vigor e competência, sobretudo a partir dos anos 70. Uma esquerda que nasceu a propósito para ocupar o espaço perdido pela velha esquerda, esvaziada pelas próprias contradições.

A substancial diferença entre a velha esquerda e a nova esquerda está no abandono da concepção dialética da história e sua redução a uma concepção maniqueísta e caritativa da questão social. Em relação à velha esquerda, a nova esquerda desconhece completamente o princípio da superação como ponto referencial da prática política e desconhece, em decorrência, o primado do historicamente possível na orientação da ação política. Uma renúncia completa ao reconhecimento de que o historicamente possível se propõe no plano das condições sociais e políticas do agir histórico.

Não apenas neste retorno à questão da anistia, mas no próprio móvel da nova esquerda, de que o agir político se resume à revisão da história consumada, à revisão da própria historicidade que trouxe este País até o ponto em que estamos. Em vez de transformar, retroceder. Em diferentes momentos destes últimos 30 anos temos testemunhado surtos de revisão da história, propostos como tentativas radicais de refazer o já feito. Tudo compreensivelmente dominado por uma larga e amarga consciência das grandes injustiças que marcaram a história social do Brasil ao longo dos séculos, das escravidões indígena e negra, e mesmo branca, na peonagem, até às iniqüidades sociais do presente.

Já nas comemorações do quinto centenário da descoberta do Brasil a mentalidade da nova esquerda se fez presente, na própria celebração da missa pelo enviado papal, na Bahia, na tentativa de transformá-la numa celebração alternativa que, decantando a realidade mestiça e mesclada, resgataria a pureza virginal das supostas raças constitutivas da sociedade brasileira para pedir-lhes perdão pela iniqüidade de tê-las transformado em brasileiras, é verdade que por meio de penoso, violento e iníquo processo histórico. O próprio cardeal sentiu-se obrigado a mencionar que a história não é só de perdas, mas também de ganhos. Ali, justamente, o pedido de perdão aos índios por ter o Brasil e terem os brasileiros os privado de suas terras, de sua cultura e de seus direitos imemoriais careceu de sentido. Só é legítimo e político o pedido de perdão quando a vítima a que se dirige está em condições de perdoar. Os mortos não têm como fazê-lo. No mínimo está em jogo, em casos assim, a legitimidade da representação dos que foram vitimados pelas injustiças e violências reconhecidas, que contraditoriamente são também herdeiros de seus benefícios. Em relação ao negro tem se repetido pedidos de perdão que não alteram os fatos consumados nem reorientam a sociedade no sentido de que tais iniqüidades não voltem a ocorrer.

Volta e meia, os militantes da nova concepção de revolução social se emaranham num passado idealizado, como o dessa ficção das três raças originárias, para reivindicarem e imporem mudanças em nome do pretérito. Na verdade, uma idealização vingativa do passado, em que o vingador se iguala, na lógica e nos procedimentos, aos responsáveis pelas iniqüidades cujo reparo pedem, porque pleiteiam a anulação de identidades e o apagamento da pluralidade do ser social de agora. Não há aí a concepção de superação do presente, de construção da sociedade nova que todos almejam. O mesmo ocorre em relação à anistia, 29 anos depois. A superação que se pretende baseia-se no pressuposto anti-histórico da anulação da história. A nova esquerda pensa a nova sociedade como restauração e punição, pensa-a na perspectiva e nos limites estreitos da tradição conservadora.

* José de Souza Martins é titular de Sociologia na USP e autor, entre outros, de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto)

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


O PASSADO JÁ PASSOU?
Alberto Dines

Com uma pérola litero-filosófica o ministro da Defesa, Nelson Jobim, pretendia enterrar o debate sobre a revisão da Lei da Anistia. "O passado já passou", pontificou e com isso tentava diminuir as novas tensões produzidas a respeito dos Anos de Chumbo.

O ministro cometeu pelo menos dois deslizes: o pretérito não é um vazio, nem é oco, é apenas um estado anterior ao momento em que se está. Seu potencial de energia não pode ser esvaziado. Quem intempestivamente tirou do armário a questão da tortura e dos torturadores foi o seu colega da Justiça, Tarso Genro. Mas como ministros não podem confrontar-se em público, a culpada é a de sempre, a imprensa.

Basta olhar a primeira página dos jornais de ontem, hoje e amanhã para verificar que o passado não passou, nem está extinto. É real, palpitante. Às vezes sossega, mas vive, como um vulcão inativo. Cada lance do noticiário é uma remissão ao já acontecido.

O esforço da China nesta Olimpíada para igualar-se ao Ocidente nada tem a ver com uma disputa ideológica, é um empenho nacional para superar velhas frustrações e humilhações que remontam às Guerras do Ópio em meados do século 19 (1839-42 e 1856-60).

A questão das algemas que apaixona nossos juristas é outra prova da inabalável persistência de velhos problemas. A grande verdade é que perdemos a guerra contra a corrupção tanto no campo moral como penal e, para não encarar a cruel realidade, nos divertimos com bizantinices e eufemismos forenses.

A mais cabal contestação da teoria jobiniana a respeito da anulação do passado é oferecida pela nova catástrofe bélica nos confins do Velho Mundo. O passado insepulto foi o protagonista do banho de sangue nos Bálcãs. Novamente esquecido reaparece no Cáucaso. A Geórgia, enquanto Estado organizado, enfrentou a pressão imperialista da Rússia desde os tempos de Catarina, a Grande (1783).

A resistência georgiana remonta aos primeiros séculos da Era Comum com a adoção de um alfabeto próprio e uma rica produção literária. Na antiga URSS, a República da Gruzínia manteve a sua identidade e depois da Perestroika, graças à presença do georgiano Eduard Shevardnadze ao lado de Gorbachiov, consolidou-se como ente nacional. Em 1991 chegou a suprimir a autonomia da Ossétia do Sul e da Abkhazia, antigos enclaves russos, experiência que tentou reeditar agora.

São venerandas as queixas paraguaias contra o Brasil e não se resumem às magras tarifas que pagamos pela energia de Itaipu. Nesta sexta-feira, ao comparecer à posse do ex-bispo Fernando Lugo, o presidente Lula foi cobrado nas ruas de Assunção por populares. Ninguém lembrou da Guerra do Paraguai (como aqui a conhecemos), ou a Grande Guerra como é chamada pelos antigos adversários ou Guerra da Tríplice Aliança (como é conhecida na Argentina e Uruguai).

O maior conflito internacional no Novo Mundo (1864-1870) derrubou o caudilho Solano Lopes e devastou o Paraguai, morreram 300 mil soldados e até hoje o país ressente-se do desbalanceamento demográfico. A sobrevivência da oligarquia dos colorados que o novo presidente veio interromper é, em grande parte, atribuída ao Brasil. Trata-se de um passado que, para os paraguaios, ainda não passou.

Um pouco mais de história e mais cuidado com as blagues são de grande utilidade aos aprendizes de política. Ao rever as razões que levaram a França e Alemanha a engalfinharem-se três vezes ao longo de 69 anos seus dirigentes produziram os acordos iniciais que culminaram com a criação da União Européia, experiência supranacional única na história da humanidade.

O passado não pode ser sepultado nem passado a limpo. Ignorá-lo leva às repetições (como disse George Santayana), remoê-lo, agarrar-se a ele, leva ao revanchismo.

Déspotas abominam a memória, também os oportunistas. Com o passado convive-se. E se aprende.

» Alberto Dines é jornalista.

DEU NO ESTADO DE MINAS


O POVO E OS POLÍTICOS
Marcos Coimbra

"Analisados em conjunto, os resultados da pesquisa mostram que há muitos preconceitos e estereótipos na visão da população sobre a política, somados a muita desinformação. Mas há nela muita coisa que se formou a partir do que fizeram e deixaram de fazer nossos políticos"

A pesquisa que a Associação dos Magistrados Brasileiros encomendou à Vox Populi, divulgada esta semana, tem muitas coisas que merecem comentário. Feita em todo o país entre os últimos dias de junho e o começo de julho, ela ouviu cidadãos de todos os segmentos socioeconômicos e demográficos, residentes nas capitais, cidades médias e pequenas. Fornece um retrato do que pensam as pessoas sobre temas políticos e institucionais na véspera das eleições municipais.

Seus resultados não são surpreendentes e confirmam achados que outras pesquisas, recentes e mais antigas, encontraram. Pode-se, portanto, dizer que ela revela um quadro de percepções estáveis, quando não cristalizadas, de nossa população a respeito desses assuntos.

Como a grande maioria das conclusões da pesquisa está longe de ser favorável, temos aí uma primeira nota de preocupação. Se a desconfiança e o desapreço das pessoas pelo sistema político e seus atores diretos, os políticos, mostrados por ela, fossem conjunturais, causados por uma crise episódica qualquer, seria menos grave.

Não é esse o caso. Pensando no que ocorreu na política brasileira nos últimos anos, até que estamos vivendo um período bom, sem nenhum grande escândalo em pauta. Os vilões mais recentes, aliás, estão na iniciativa privada, ao contrário do que tem sido a regra.

Se, então, nos bons tempos, as coisas são assim, imagine-se nos maus! A pesquisa mostra quão disseminados são alguns sentimentos hostis em relação àqueles que se dedicam à vida política: 82% dos entrevistados acham que os políticos não cumprem as promessas que fazem nas campanhas; 85% que a política é uma atividade que os beneficia mais que aos eleitores; 64% acreditam que os políticos escapam da punição quando cometem irregularidades.

Uma nuvem de desconfiança envolve as instituições de representação: 52% das pessoas ouvidas não concordam com a frase “De modo geral, as eleições no Brasil são feitas de maneira limpa, sem fraudes, e têm resultados confiáveis”. Apenas 57% dos entrevistados discordam da frase “No sistema eleitoral brasileiro, os políticos têm como ficar sabendo em qual candidato cada eleitor votou”, ou seja, quase a metade não sabe dizer ou concorda que, em nosso sistema eleitoral, o eleitor não pode estar tranqüilo com a inviolabilidade de seu voto. A conseqüência disso é a elevada concordância, de 73% das pessoas ouvidas, com a frase “No Brasil de hoje, ainda acontece de alguém votar em um candidato só por medo de perder o emprego”.

Talvez por se sentir perdida dentro de um sistema em que confia pouco, a maior parte das pessoas reage com cinismo ao que supõe ser suas regras, como se dissesse que, se é assim que as coisas são, “quero também levar vantagens”. Nada menos que 60% dos entrevistados concordam com a expressão “A maioria das pessoas que conheço aceitaria votar em um candidato em troca de alguma vantagem pessoal”.

Sentimentos como esses não são, contudo, os únicos que a pesquisa revela. Quase a totalidade dos entrevistados, 89%, considera errado que “o eleitor receba ajuda de um candidato em troca do voto”; duas em cada três pessoas ouvidas acredita que “meu voto em um candidato pode mudar muito a minha vida, tanto para melhor quanto para pior”, indicando que a descrença na validade dos mecanismos democráticos existe, mas é minoritária.

Analisados em conjunto, os resultados da pesquisa mostram que há muitos preconceitos e estereótipos na visão da população sobre a política, somados a muita desinformação. Mas há nela muita coisa que se formou a partir do que fizeram e deixaram de fazer nossos políticos.

Aumentar a informação sobre as instituições, torná-las mais transparentes, evitar que mudem a cada capricho de alguém, tudo isso tem que ser feito. Mas de pouco vai adiantar se os próprios políticos não se convencerem de que precisam mudar.

Em quê, não há um que não saiba.