segunda-feira, 18 de agosto de 2008

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL


O ATIVISMO JUDICIAL MAL COMPREENDIDO
Luiz Werneck Vianna


Faz tempo que a afirmação do Poder Judiciário na cena política brasileira não é mais objeto de controvérsia, fato reconhecido por analistas de diversas procedências ideológicas e pelos partidos políticos. Nada mais natural, uma vez que a Carta de 1988 definiu este Poder como um lugar estratégico a fim de que os princípios e os direitos fundamentais nela previstos ganhassem condições de eficácia, impondo inclusive limites à expressão da vontade majoritária quando viesse desalinhada da vontade geral consubstanciada no seu texto.

A chamada judicialização da política deve sua origem tanto ao legislador constituinte quanto à cidadania que, progressivamente, foi se apropriando, em suas práticas, dos novos institutos criados pela Carta, e não, como em outros contextos nacionais, pelo ativismo dos seus magistrados. Aqui, por várias razões, entre as quais o peso de uma formação positivista na cultura jurídica dos juízes, a judicialização da política encontrou mais resistência do que adesão, do que é exemplo mais forte o destino do mandado de injunção, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) converteu em letra morta.

Nesse sentido, a origem da judicialização da política deve ser buscada, de um lado, na iniciativa do legislador, e, de outro, nas demandas da cidadania no sentido de encontrar proteção dos seus direitos contra o Estado e as empresas. A origem de um processo social, porém, não contém em si todas as possibilidades do desenvolvimento da sua trajetória, sujeito, no seu curso, a muitas outras influências. Assim com os juízes — de início estranhos à nova institucionalidade, quando não refratários a ela —, que, com as transformações geracionais produzidas em seu corpus, com a emergência de uma nova bibliografia, e, talvez sobretudo, diante da crise do sistema da representação política, passam a se orientar pela filosofia política expressa na Constituição que pressupõe um Judiciário, na medida em que compreendido a serviço do ideal da igual liberdade, como instrumento de concretização dos direitos fundamentais.

A adesão a esta orientação, que se generaliza na corporação, não deve ser identificada a um ativismo judicial que ignore as fronteiras que apartam o juiz do político, e que pretenda, em nome do justo e da salvação pública, investir a Justiça do papel de um legislador providencial. A judicialização da política não deriva de um eventual sistema de orientação dos juízes, mas da nova trama institucional trazida pela moderna sociedade capitalista, que pôs o direito, seus procedimentos e instituições no centro da vida pública, e, neste preciso sentido, ela já é parte constitutiva das democracias contemporâneas.

Instituir o juiz como legislador, tal como, na prática, significa a pretensão dos Tribunais Eleitorais de recusarem registro a candidaturas a cargos eletivos sem base na lei, e apenas em nome do princípio da moralidade, é contrapor o justo ao direito. Quem e como se definir um candidato de “ficha suja”, e, como tal, sem direito a concorrer às eleições? Cada caso será um caso, examinado na ausência de qualquer regra prévia? Mas o juiz não será livre, nem livre e responsável, pontua com lucidez J. Derrida, “se não se referir a nenhum direito, a nenhuma regra ou se, por não considerar nenhuma regra como dada para além da sua interpretação, ele suspender sua decisão, detiver-se no indecidível ou então improvisar, fora de qualquer regra e de qualquer princípio” (Força da lei. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 45).

Na ausência de regras, a relevância do atual movimento de importantes setores da magistratura, contando com a presença da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que visa interditar a via eleitoral para candidatos de “ficha suja” — em si, um objetivo legítimo por critérios éticos e de moralidade pública ­—, ao insistir apenas no caminho judicial, perde de vista as amplas possibilidades que se apresentam aos seus propósitos na sociedade civil e na esfera pública, especialmente na arena parlamentar.

A opção pela via do ativismo judicial diante de oportunidades reais para a consecução do mesmo objetivo no campo da política institucionalizada não consiste em uma boa alternativa. Longe de ampliar apoios e alianças para os fins perseguidos pode, muito contrariamente, indispor contra eles, em razão do meio utilizado, o sistema político e seus principais personagens, e, ainda pior, tornar vulnerável a arquitetura constitucional que reservou ao Judiciário um papel saliente para a concretização dos direitos fundamentais.

O ativismo judicial, quando bem compreendido, estimula a emergência de institucionalidades vigorosas e democráticas e reforça a estabilização da nossa criativa arquitetura constitucional. Quando mal compreendido, entretanto, este ativismo é sempre propício à denúncia de um governo de juízes, de uma justiça de salvação, referida casuisticamente aos aspectos materiais em cada questão a ser julgada. Mal compreendido leva a concepções de uma justiça que abdica da defesa da integridade do Direito, tal como a conceituam, na esteira de Dworkin, Nonet e Selznick, e se torna, mesmo que em nome das melhores intenções, um instrumento do seu derruimento.

Rio, 14 de agosto de 2008.

FESTA E ALEGRIA EM COPACABANA

Organizada pelo PPS, a marcha pela avenida Atlântica, em Copacabana, na bela manhã de domingo foi um sucesso.

A presença de muitos candidatos a vereador pelo partido, como Stepan Necerssian e Paulo Pinheiro, além do presidente nacional, Roberto Freire e outros dirigentes estadual e nacional, deu um brilho a mais ao evento.

Gabeira e Luiz Paulo caminharam pela orla alternando a trilha sonora: ora o jingle da campanha, ora uma bateria ao vivo com direito a uma passista da pesada.

A resposta dos eleitores foi imediata, sempre com aquele calor humano que caracteriza o corpo-a-corpo. Nada melhor do que um bocado de sol e som para começar o segundo tempo de uma campanha que amanhã chega às rádios e as televisões.

DEU NO JORNAL DO BRASIL


O PRÉ-SAL DA DEMOCRACIA
Wilson Figueiredo



Duas pesquisas simultâneas de opinião pública chegaram juntas à verificação de que o Brasil já tem uma classe média que ultrapassa a metade da população. Não se sabia mas se percebia que alguma coisa se passava na cabeça e no estômago do brasileiro. Apenas ninguém traduziu em conceitos os sinais antes que o IBGE e a FGV dessem a entender que a classe média estava aí para servir econômica e politicamente. A metade pode não ser suficiente mas já é referência digna neste "deserto de homens e de idéias", como observou com desalento Osvaldo Aranha, para engrenar um salto maior do que as pernas. Encheu-se o Brasil de homens mas faltaram idéias originais. Ninguém melhor do que o pequeno burguês, como é visto pelos localizados acima dessa faixa, e invejado pelos localizados abaixo do equador social, para assumir função histórica num país que não foi até hoje apresentado ao futuro, porque fatalmente um dos dois chega atrasado ao encontro e o outro desiste de esperar.

O que levou os dois institutos a atirarem juntos na mesma direção foi a conclusão, um pouco por acaso, para não dizer à brasileira, segundo a qual a parcela situada mais embaixo na escala social, batizada apenas com uma letra do alfabeto, já faz três refeições por dia (as noites não contam). Ora, ao alcançar esta marca, antes de tudo o brasileiro pode ser considerado cidadão e despertar para a responsabilidade política, com a qual ninguém nasce mas adquire, e quanto mais cedo melhor. Afinal, viver à margem da sociedade e dos semelhantes não é opção digna de animal gregário. A cidadania não o livrará, porém, de ser visto pelo foco clínico em que se distingue um pequeno burguês a olho nu, até aprender a usar corretamente os talheres à mesa, vestir-se de maneira apresentável (a ser definida pela moda), a partir das três refeições diárias, exceto nos regimes de emagrecimento. Aí já passa à categoria de burguês. Em seguida, a casa própria a perder de vista, e o automóvel, lhe completam o enxoval. Daí para cima, socialmente falando, a aferição seletiva tem critérios exclusivos. Já o burguês não é classificado apenas pela aparência, e sim pela renda.

Feita a apresentação, podem os políticos dispor, na caçada aos votos, de uma camada preciosa da cidadania emergente, cientificamente explorada, enquanto governo examina o que fazer no pré-sal que o separa do petróleo. Quando os dois se juntarem, pode ser que o Brasil faça pelo menos figura universal em números e se impunha nem que seja como novo rico, sempre melhor do que velho pobre, seja em olimpíadas esportivas ou no polimento da democracia resignada a esperar reformas. Há mais de duas décadas o Brasil está consolidando o estágio caracterizado pela aceitação da vontade política filtrada nas urnas. Tudo indica que o brasileiro se enfarou com a praxe republicana de contestar resultados eleitorais e reconheceu na maioria absoluta a primeira-dama da democracia representativa. Os golpes já deram o que tinham a oferecer e acabaram por tirar mais do que precisavam. As fraudes trocaram de roupa no intervalo. Firmou-se a convicção de que as urnas só passaram a falar a língua da democracia depois que se estabeleceu a certeza de que nada melhor do que um governo de esquerda ser sucedido por um de direita, ainda que (ou principalmente) com aparência de esquerda. Um verdadeiro milagre.

Coube ao governo Lula o mérito histórico de mostrar que esquerda e direita não foram varridas do mapa, e sim que a diferença caiu ao mínimo que poucos percebem. Tanto faz ser de esquerda como ter sido de direita. Sendo fictício o centro, de quatro em quatro anos, a esquerda e a direita vestem um novo sentido suficiente para fazer a felicidade de maior número. A maioria absoluta parece ter sido inventada na medida certa para o Brasil chegar à democracia. O vencedor chega na categoria de hóspede temporário. Os políticos estão em trajetória de baixa na opinião pública, mas ­ como dizia o ministro Delfim Neto no seu tempo - "deixem ir primeiro o bandido, depois a gente manda o xerife".

A atual tentativa democrática já faturou seis mandatos presidenciais, um indireto (de transição) e cinco pelo voto direto, sem o menor risco de retrocesso. É o mais novo capítulo que o ambidestro presidente Lula está rascunhando, ora com a mão esquerda, ora com a direita. Quer vacinar logo a classe média contra surtos de apoliticismo, que foi a dengue do século passado.

DEU EM O GLOBO

CAMPANHAS MILIONÁRIAS RUMO À CÂMARA
Sergio Duran e Alessandra Duarte

Andrea Gouvêa Vieira, Eider Dantas e Rosa Fernandes superam candidatos à prefeitura do Rio em arrecadação

A primeira parcial da prestação de contas dos candidatos a vereador apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), Eider Dantas e Rosa Fernandes (DEM) foram os que mais arrecadaram recursos no primeiro mês de campanha. Os valores obtidos por cada um deles supera a arrecadação declarada de postulantes à prefeitura da cidade, como Marcelo Crivella (PRB), Jandira Feghali (PCdoB), Alessandro Molon (PT) e Chico Alencar (PSOL). Buscando a reeleição, a tucana informou ter arrecadado R$256,9 mil. Dantas lidera a arrecadação milionária do DEM com R$210 mil. Em seguida, vem sua companheira de partido Rosa Fernandes, também candidata à reeleição, com R$198,6 mil.

Os 44 candidatos a vereador do DEM, partido do prefeito Cesar Maia, arrecadaram juntos aproximadamente R$1 milhão. O PSDB vem em segundo com R$448,6 mil, sendo que mais da metade do dinheiro foi contabilizado nos cofres de campanha de Andrea Gouvêa Vieira. O PV aparece na terceira posição com R$187,6 mil, mas apenas três dos 33 vereadores verdes concentram praticamente a totalidade dos recursos contabilizados através de doações: Alfredo Sirkis, Paulo Messina e Aspásia Camargo.

TSE diz que ainda há dados em processamento

Candidatos à prefeitura, Marcelo Crivella e Jandira Feghali informaram ter obtido R$167 mil e R$78 mil, respectivamente, desde o início da corrida eleitoral. Já Alessandro Molon arrecadou R$13.462, segundo o site do TSE, e Chico Alencar, R$8.180.

Dos 1.236 candidatos a vereador, 632 (51%) já tiveram as informações financeiras de campanha publicadas pelo TSE, que informa ainda ter dados em processamento. Até o momento, a arrecadação total dos vereadores de 26 partidos na disputa chega a R$3,4 milhões.

Na declaração de Andrea, está indicado que as doações foram feitas por pessoas físicas. As principais despesas da candidata foram justificadas com o pagamento de pessoal (R$92,1 mil), publicidade por materiais impressos (R$57,6 mil), encomenda de pesquisas eleitorais (R$27,2 mil) e alimentação (R$20,6 mil). No total, suas despesas já chegam a R$233,2 mil.

O ex-secretário de Obras Eider Dantas - que na terça-feira passada teve cabos eleitorais flagrados por fiscais do Tribunal Regional Eleitoral por uso da máquina pública - previu gastos de R$50 mil com recursos próprios, mais R$98,5 mil provenientes de doações de pessoas físicas e R$50 mil de jurídicas. Dantas gastou R$157,6 mil em um mês de campanha. Rosa Fernandes também mantém as contas no azul. Das doações recebidas por pessoas físicas e jurídicas, declara ter gastado R$108,7 mil.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


OS CHEFES DO TORTURADOR
Fábio Wanderley Reis


É famosa a manifestação de Pedro Aleixo a propósito do AI-5, retomando velha idéia e declarando que o motivo de preocupação era o uso que faria dos poderes arbitrários não o presidente da República, mas o guarda da esquina. É indicativo dos problemas atuais do Judiciário brasileiro o fato de que essa manifestação, opondo o guarda da esquina à figura do ditador (embora, naturalmente, essa não fosse a linguagem de Pedro Aleixo), venha sendo evocada, como em editorial recente do jornal "O Estado de S. Paulo", a propósito das relações das altas cortes de Justiça com juízes de primeira instância: se fizesse sentido ver estes últimos como instrumento de poderes ditadoriais, acabaríamos tendo, ao contrário do que pretende o jornal, um argumento em favor da independência dos juízes.

Mas a contraposição entre o ditador e o guarda da esquina é aplicada de maneira também confusa na discussão sobre a punição aos torturadores do regime de 1964. A defesa da punição se baseia na idéia de que, em vez de crime político, trata-se de crime comum, definido como tal na própria legislação em vigor durante o regime, e além do mais hediondo, inafiançável etc. Deslocando assim o problema para o terreno de tecnicismos jurídicos, a posição deixa de lado algo essencial: a relação do torturador (o "guarda da esquina" que comete abusos e violências) com seu chefe, o ditador.

Não há dúvida quanto ao caráter odioso do crime de tortura (que, de passagem, continua a ser prática corriqueira em nosso sistema prisional, lastreado, ademais, como mostram com clareza as pesquisas, em difundido desapreço pelos direitos civis na opinião pública do país), bem como de outros crimes de agentes do Estado que marcaram a ditadura. Mas sem ter havido qualquer empenho de trazer ao banco dos réus o ditador (ou os chefes maiores da ditadura, os ex-ditadores e seus colaboradores de alto nível), não cabe esquecer a banalidade de que o que define a ditadura é justamente a ruptura da vigência efetiva do quadro institucional-legal - e que essa ruptura torna irrelevante que em algum desvão da copiosa legislação escrita do país a tortura, como o assassinato e o que mais seja, tenha estado definida como crime. A ditadura instaura o vale-tudo e a violência e abre espaço e estimula tipos variados de comportamento sinistro, incluído o de assassinos e torturadores, que, na verdade, como destacava Elio Gaspari na "Folha de S.Paulo" há alguns dias, cumpriam determinações de seus superiores. Nessa perspectiva, é mesmo preciso apontar o que há de acomodatício e inaceitável na frase de Pedro Aleixo, furtando-se a confrontar o ditador que toma a iniciativa do AI-5 e é o grande responsável pelas feiúras correlatas. Ironicamente, o destino posterior do próprio Pedro Aleixo é prova adicional da irrelevância de qualquer aspecto dos dispositivos institucional-legais.

Poupar os chefes e punir os sabujos?

O que temos, em outras palavras, é luta política em forma nua e crua, que desbordava o quadro legal do ponto de vista tanto de certa esquerda e suas aspirações e disposições quanto da reação golpista e violenta da direita e dos militares (de maneira em boa medida independente, vale acrescentar, do grau em que haveria, de parte a parte, apego generoso a valores e ideais ou motivação ignóbil). A grande indagação refere-se às razões de que a luta política pudesse assumir essa forma - e a resposta se encontra, por certo, justamente na debilidade das instituições, que não são ajudadas pela adesão vigorosa e autocomplacente de grupos diversos a valores contrastantes. A questão agora é como construir instituições, como melhor transitar para um marco de democracia institucional real, isto é, de instituições que possam de fato enquadrar formalmente a luta política e regulá-la de modo efetivo e estável.

Nas análises de ciência política sobre os processos de transição à democracia, tendia-se a convergir no reconhecimento da necessidade de um realismo capaz de viabilizar compromissos e de permitir avançar além do mero jogo bruto de força física. Até que ponto seguirá valendo a recomendação de realismo, especialmente com relação aos militares, protagonistas decisivos daquele jogo? Nos debates latino-americanos de algum tempo atrás, o realismo assumiu, às vezes, a forma curiosa de simplesmente se fazer caso omisso da interferência militar, ou da presença mesmo legal das forças armadas como ator político, na avaliação das vicissitudes e perspectivas da democracia em diferentes países. Na atualidade brasileira, a pergunta é antes a de até que ponto não estaremos sendo (não estarão sendo os governos) mais realistas do que o rei: será verdadeira a força da ameaça latente de turbulência militar significativa na vida política do país que o pressuroso empenho de acomodação governamental parece contemplar?

Creio que, em nome da construção institucional, é bom esquecer os crimes (autênticos) e os enfrentamentos do passado. Mas não vejo razão para que, diante da postura desafiante adotada pela corporação militar em todas as ocasiões em que sua própria perspectiva a respeito lhe parece questionada, o governo haja como se os militares fossem de fato o poder autônomo e de inclinação hostil que transparecia na declaração do almirante Mário César Flores, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Itamar Franco, no já longínquo ano de 1994: o regime civil brasileiro de hoje, dizia ele no Fórum Nacional, não deve ser visto como a "rendição incondicional" das forças armadas, mas apenas como um "armistício"...

Num mundo mudado, nossa democracia passa com êxito, quase cumpridos dois mandatos institucionalmente tranquilos de Lula e do PT na Presidência, por seu teste crucial. Já é tempo de acabar com o fantasma militar.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PREFEITOS ALIADOS TÊM MAIS VERBA DO FARMÁCIA POPULAR NO ANO ELEITORAL
Julia Duailibi e Pedro Venceslau


Das 351 cidades que receberam recursos em 2008 para o programa, 73% são comandadas por partidos da base

Em ano de eleição municipal, prefeituras do PT e do PMDB foram as mais beneficiadas na obtenção de recursos do Farmácia Popular, um programa do governo federal que subsidia o preço de medicamentos para a população carente.

Das 351 cidades de todo o País que, em 2008, receberam dinheiro do governo federal para instalar as Farmácias Populares, 73% estão ligadas a partidos da base governista. O PMDB, do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, é o líder em conseguir recursos, com 86 municípios beneficiados. É seguido do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com 63 cidades.

Já PSDB e DEM, os dois principais partidos de oposição, vêm na lanterninha: juntos conseguiram cadastrar neste ano apenas 70 municípios no projeto. Para se ter uma idéia, o DEM teve 21 prefeituras no Farmácia Popular, um terço do que o PT conseguiu, embora o partido governe praticamente o dobro de cidades que os petistas. O mesmo ocorre com os tucanos, que governam quase o triplo de cidades que o PT, mas cadastraram apenas 49 cidades neste ano.

O Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria de imprensa, nega qualquer favorecimento. Diz que os recursos são liberados de acordo com o interesse dos prefeitos. A oposição critica.

“Será possível que os quase 900 prefeitos do PSDB no Brasil não tenham interesse em ter uma Farmácia Popular na sua cidade? É claro que isso é uma desculpa esfarrapada”, declarou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). “Esses números refletem o aparelhamento do programa.”

Ao todo, o Farmácia Popular já liberou neste ano R$ 26 milhões para a implementação e manutenção do programa em todo País, segundo os números do Portal da Transparência, que mostra a execução orçamentária do governo federal. Lançado em 2004, o programa já atendeu até hoje mais de 20 milhões de pessoas em 471 farmácias distribuídas pelo País. Há atualmente 142 unidades em fase de implantação.

Nessas farmácias, 96 remédios podem ser obtidos a preços bem abaixo dos de mercado. Preservativos são distribuídos de graça. A cartela de um anticoncepcional fica em R$ 0,42, enquanto o preço numa farmácia é R$ 7. Mas os campeões de venda são captopril, para hipertensão, e sinvastatina, para colesterol.

Especialistas defendem a necessidade de dar acesso a medicamentos para a população carente. Dados do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, por exemplo, mostram que mais de 50% das pessoas interrompem o tratamento em razão da falta de recursos. Mas não há um consenso sobre a melhor forma de se fazer isso. “No Brasil, esse tipo de projeto fica muito poroso a influências políticas e privadas”, afirmou Paulo Elias, especialista em políticas de saúde e professor da Universidade de São Paulo (USP).

Outra crítica ao sistema é que ele rivalizaria com a distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de criar um custo extra para o governo, que tem de criar novas estruturas para distribuição. O médico sanitarista José Ruben de Alcântara, coordenador-executivo da Sociedade Executiva de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), lembra que, pela Lei 8.080, de 1990, todo usuário do SUS tem direito a assistência farmacêutica completa. “Como isso nunca foi possível, o ideal é que os remédios subsidiados fossem vendidos dentro das Unidades Básicas de Saúde. A farmácia deveria ser mais que um comércio, deveria ser mais uma unidade de saúde”, diz Alcântara.

DEU EM O GLOBO

GOVERNO FAVORECE AS PREFEITURAS ALIADAS DO RIO
Leila Suwwan


Cidades comandadas por PT e PMDB receberam mais recursos
O governo federal abriu os cofres para as prefeituras aliadas no Estado do Rio. Levantamento de contratos feitos com as maiores cidades fluminenses, desde 2005, revela favorecimento a municípios comandados pelo PT ou pela ala governista do PMDB. Lindberg Farias (PT), de Nova Iguaçu, por exemplo, conseguiu quatro vezes mais recursos do que o prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), para saúde, educação, entre outros: R$225,90 por habitante, contra R$58 na capital.

Aliados campeões de recursos

Governo federal repassou mais verbas de convênios para prefeitos de PT e PMDB no Rio

As maiores cidades do Rio de Janeiro assistiram nos últimos anos a um escoamento desproporcional das verbas de convênios do governo federal para prefeituras aliadas. Levantamento dos contratos firmados entre prefeitos e ministros do governo Lula, de 2005 até hoje, mostra que os municípios comandados pelo PT ou pela ala governista do PMDB tiveram de duas a quatro vezes mais recursos destinados a projetos de saúde, educação, infra-estrutura, esporte ou turismo etc. Nova Iguaçu, do petista Lindberg Farias, conseguiu quatro vezes mais dinheiro que a capital, comandada por Cesar Maia (DEM), por exemplo.

Entre os 11 maiores municípios do estado, Nova Iguaçu é recordista: foram R$225,90 per capita firmados com a Esplanada, segundo o Portal da Transparência. Os outros "campeões" são Volta Redonda (PMDB), Itaboraí (PT), Niterói (PT) e Duque de Caxias (PMDB), que têm média de mais de R$110 por habitante em contratos feitos no período. Os dois peemedebistas em questão, Gothardo Netto e Washington Reis, são alinhados com o governador Sérgio Cabral.

No Rio, R$ 57,72 per capita em convênios

As cidades onde os interesses políticos esbarram com os do PT nesta eleição, ou se desalinham da base aliada nacional, tiveram pior desempenho, com média de menos de R$60 por pessoa em recursos de convênios federais. São elas: São João de Meriti, Petrópolis, Rio, Belford Roxo e São Gonçalo. Na primeira, o prefeito Uzias Mocotó, ex-PMDB e atual PSC, é próximo a Garotinho. Em São Gonçalo, a prefeita Aparecida Panisset (PDT) se aliou ao DEM para enfrentar o PMDB nas eleições. Em Belford Roxo, a prefeita Maria Lúcia dos Santos (PMDB) quer fazer a sucessora contra o PT.

A capital assinou contratos no período que resultaram em valor per capita de R$57,72, metade do que conseguiram aliados de Lula. Mas Cesar Maia evita criticar o governo:

- A prefeitura se sente muito bem tratada pelo governo federal. Todos os ministérios respondem positivamente a nossas demandas. Nunca houve discriminação, e as parcerias são totais. O ministro Patrus Ananias poderia ser do DEM, e o governo Lula nos trata muito melhor que o de FH.
Já Lindberg atribui seu sucesso à equipe especial que montou para solicitar e administrar projetos em parceria com o governo federal:

-Temos muitos projetos, isso falta nas prefeituras. E executar todas as exigências do governo é uma luta. Montamos uma equipe altamente qualificada. Nosso responsável por convênios já foi diretor da Caixa.

Mas ele admite que "ajuda" ter bom trânsito nos ministérios e ser amigo do presidente da República:

- Conquistei lá uma confiança. A turma de Brasília, o próprio presidente e a (ministra) Dilma (Rousseff, da Casa Civil) ficam impressionados com as prefeituras que não conseguem executar. Mas eles sabem que aqui a coisa anda, está azeitada. Agora, reconheço que a relação de amizade ajuda. Gasto um tempo grande em Brasília.

Governo diz que não há discriminação

O último colocado entre as cidades com mais de 200 mil habitantes é Campos dos Goytacazes, reduto de Anthony Garotinho e onde o prefeito, Alexandre Mocaiber (PSB), da base aliada, foi recentemente acusado de desvios milionários pela Polícia Federal. Chegou a ser afastado, mas voltou ao cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O município conseguiu angariar em Brasília apenas R$10,36 per capita, dos quais 72 centavos foram pagos. O convênio mais expressivo assinado entre o governo federal e Campos, desde 2005, foi pago por força de uma emenda parlamentar para a compra de um ônibus escolar.

A Secretaria de Relações Institucionais informou que o pagamento de convênios "depende da apresentação dos projetos e atende a critérios e exigências rigorosamente técnicos". Diz que o atendimento ocorre sem discriminação e justifica o fato de partidos aliados serem mais atendidos: "É natural que as prefeituras ligadas aos 14 partidos da base do governo recebam mais recursos simplesmente porque o número de prefeitos da oposição é muito menor. Como exemplo, podemos citar a prefeitura do Rio, ligada a um partido da oposição, que tem recebido uma série de recursos do governo federal por meio de convênios com diversos ministérios".

Além dos parcos recursos de convênios federais, a prefeitura do Rio tem um dos piores desempenhos na implantação de um dos programas-modelo do governo federal, o Saúde da Família. O Rio tem 149 equipes de saúde da família - que prestam atendimento a 8% da população. No início do mandato de Cesar Maia, eram 57 equipes (3% de cobertura). Em todo o estado há 1.385 equipes, que cobrem 30% da população - em 2005 eram 1015 equipes e a cobertura, de 23%.

O programa depende da iniciativa municipal, segundo o Ministério da Saúde, que não comenta o caso do Rio. Cesar Maia diz que os critérios do programa não se ajustam à realidade da cidade e culpa a violência:

- Poderíamos ter, talvez, uns 100 mil atendimentos a mais se os médicos aceitassem trabalhar em favelas. Se os candidatos reclamam que não podem entrar, os médicos têm medo. É o único problema.