quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Razão x emoção


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DENVER, Colorado. Ter colocado em segundo plano o combate ao terrorismo e priorizado a retirada das tropas do Iraque, conforme um esboço de programa de governo divulgado aqui em Denver, pode trazer mais problemas do que soluções para o candidato democrata Barack Obama, que continua sob intensa desconfiança do eleitorado. Embora, também, ter colocado questões econômicas no topo de suas preocupações possa render bons frutos. Nesses momentos decisivos, a escolha das prioridades é fundamental. Ao contrário do que esperava, por exemplo, ter convidado um senador especialista em política externa para seu companheiro de chapa provocou uma queda na primeira pesquisa de opinião após o anúncio, realizada pelo Gallup.

Não agradou nem a gregos nem a troianos. Foi entendido por uns como admissão de que não tem experiência suficiente para os grandes temas internacionais, e por outros como uma submissão à política de Washington, pois o senador Joe Biden preside a poderosa comissão de relações exteriores do Senado, onde tem assento há nada menos que 36 anos.

O adversário republicano, John McCain, aproveitou a convenção democrata não apenas para divulgar anúncios com declarações da senadora Hillary Clinton contra Obama, mas também para continuar desconstruindo a imagem dele como líder. A última safra classifica o candidato democrata como "perigosamente inexperiente" num mundo em que crescem os desafios aos Estados Unidos.

A crise na Geórgia continua sendo muito explorada por McCain, mas Obama também está tomando posições mais fortes contra a Rússia, especialmente depois que o senador Joe Biden assumiu o comando dessas questões na campanha.

Biden terá outra função importante, a de desanuviar o clima tenso entre os assessores dos Clinton e os de Obama. Biden é amigo dos Clinton e era tido no início da campanha, quando desistiu de sua candidatura, como um apoiador de Hillary, de quem poderia ser até mesmo um ministro importante. Na noite de terça-feira, o ex-presidente Bill Clinton e Hillary tiveram uma conversa reservada com Joe Biden depois da convenção.

Distorcendo um comentário de Obama sobre a natureza do risco que o Irã representa para os Estados Unidos, McCain alerta que o candidato democrata não sabe o que diz quando afirma que o país não significa uma ameaça séria, e o critica por se mostrar disposto a sentar à mesa e conversar com Mahmoud Ahmadinejad ou Chávez, da Venezuela.

A campanha do democrata teve que se explicar através de nota, onde o verdadeiro sentido da frase de Obama fica claro. Ele diz que grandes presidentes conversam com seus adversários, e cita encontros de Kennedy com Kruschev; Reagan com Gorbachev e Nixon e Mao. E sublinha que, comparados com a antiga União Soviética, nem Irã, nem Venezuela e nem a Rússia de Putin representam um grande perigo.

Uma pesquisa da CNN divulgada ontem indica que a maioria considera McCain mais preparado do que Obama para lidar com questões como terrorismo e Iraque, e também que o candidato republicano é um líder mais forte para enfrentar uma crise internacional, numa proporção de 58% para Obama e 78% para McCain.

Já na questão econômica, que dominou o segundo dia da convenção e teve seu marco no firme discurso da senadora Hillary Clinton, a vantagem é de Obama, e os pontos centrais devem ser energia e impostos, justamente os principais assuntos que estão sendo debatidos aqui pelos democratas.

Na energia, por exemplo, há uma ênfase muito grande quanto à necessidade de programas de combustíveis alternativos "made in USA", o que coloca em risco o etanol brasileiro, inclusive porque no programa dos democratas há uma citação passageira, mas sintomática, de que uma futura gestão do partido se preocupará com a possibilidade de uso da Amazônia para cultivo de fontes de energia alternativa, como biocombustíveis.

Depois que assumiu a dianteira na defesa de novas prospecções de petróleo como solução para a alta do barril, McCain reduziu pela metade a diferença, que ainda favorece a Obama na questão energética.

Mas a vantagem de Obama nesses assuntos já foi maior, especialmente com relação aos impostos. A campanha democrata faz uma carga muito pesada sobre a política de corte de impostos para os mais ricos adotada pela gestão Bush, que seria continuada em eventual governo McCain, enquanto este acusa Obama de demagogia.

No discurso de terça à noite, em que ajudou a começar a dissolver o mal-estar que há entre seus eleitores e a candidatura de Obama, a senadora Hillary Clinton deixou subentendida uma cobrança: disse que não vê a hora de assistir à cerimônia na Casa Branca de assinatura do programa que amplia a todos os cidadãos os serviços de saúde pública, base de sua campanha, um compromisso que fez Obama assumir, mas que muita gente acredita que ele não cumprirá, pelo menos na extensão sonhada por Hillary.

Nessa pesquisa da CNN, somente em questões de política externa Obama perde para McCain. Mantém uma larga vantagem sobre o adversário republicano na questão de saúde, e é visto pela maioria como o que mais se preocupa com as pessoas, o que traz mudanças e é capaz de unir o país.

E será na base desse apelo emocional, mais do que em qualquer tipo de programa de governo, que o candidato democrata tentará, com o discurso de hoje à noite no Invelco Field, um estádio com capacidade para 75 mil pessoas que já tem mais de 80 mil credenciados e outros 30 mil na lista de espera, que Barack Obama se lançará para a etapa decisiva da campanha presidencial.

Eleição x coroação


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O Barack Obama que foi sagrado ontem candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos não é nem o senador semidesconhecido que se lançou às primárias no início do ano nem o semideus em que se transformou a partir de suas primeiras vitórias contra Hillary Clinton.

Se o presidente Lula fosse comentarista de política internacional, certamente diria que jamais neste planeta um candidato presidencial foi tão deificado como Obama. Deificado, claro, pela mídia e pelo público democrata/independente, que os republicanos não endeusam adversários.

Tão endeusado que os Clinton, marido e mulher, queixaram-se de que a mídia estava favorecendo Obama em detrimento de Hillary, queixa que não costuma ser feita por quem é a quintessência do establishment democrata.

O paradoxal é que o endeusamento cessou a partir do instante em que Obama ganhou as primárias, quando era de esperar o contrário. Começou, então, o previsível processo de demolição, a cargo dos republicanos. Nada de especial. Especial, sim, é o semear de dúvidas entre os próprios democratas, como se o "yes, we can" dos primórdios da campanha tivesse se transformado em "can we?" ou, pior ainda, em "no, we can"t".

Claro que o "sim, podemos" era tão sedutor como oco. Poder, todos podemos tudo, em tese. O problema de Obama é definir o que significa o seu "podemos".

Tantas foram as dúvidas semeadas, que o melhor resumo para o Obama que sai da convenção foi feito por Gerald Baker no "Times" de Londres: "Cancelem a coroação.

Devolvam as medalhas comemorativas. Ponham as camisetas "yes, we can" à venda no e-Bay; a histórica procissão de Barack Obama à Presidência americana foi rudemente interrompida".Obama, claro, pode ganhar, mas já não será uma coroação.

Uso do cachimbo


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não poderia surgir em hora mais imprópria - e simbólica - a proposta do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves, de inclusão do reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal na pauta de votações da Câmara.

O primordial não é o valor ao aumento, mas a motivação do autor: “É uma homenagem à Corte. Temos que tomar essa decisão como uma forma de prestigiar o ministro Gilmar Mendes (presidente do STF), que está nessa cruzada em prol da cidadania”.

Quer dizer, o uso constante do cachimbo realmente tem o condão de entortar a boca das criaturas.

Mesmo na atual conjuntura de degradação galopante do Poder Legislativo, parece quase profana a oferta de vantagens financeiras à mais alta Corte do País, de forma a criar um espaço de interesse comum entre dois Poderes hoje de condutas tão opostas.

Isso no exato momento em que o Judiciário é apontado como usurpador de poderes por assumir a dianteira na resolução de questões deixadas de lado pelo Legislativo, predominantemente voltado para o trato de seus interesses junto ao Executivo.

O líder do PMDB na Câmara talvez não tenha se dado conta - o que só aumenta a gravidade da história -, mas não presta “homenagem” alguma ao Supremo sacando do arquivo um projeto de aumento datado de dois anos atrás e posto de lado por absoluta impossibilidade de convencer a opinião pública de que é justo majorar proventos de R$ 24.500 no Judiciário e, com isso, ainda abrir caminho para o Legislativo reivindicar isonomia.

Antes insulta seus integrantes ao acreditá-los permeáveis aos mesmos métodos adotados pelo Congresso para dirimir conflitos. Rebeldia, resistência, excesso de autonomia, tudo isso os governos resolvem distribuindo favores às suas bases parlamentares.

A proposta do deputado Henrique Eduardo - queira o bom senso seja rechaçada por seus pares e posta em seu devido lugar pelos destinatários da oferenda - traduz o sumo das razões pelas quais hoje se discute o tema do ativismo do Judiciário em contraposição à combinação de anomia e paralisia que assola o Legislativo: a compreensão, ou não, dos papéis.

O Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, percebeu perfeitamente a hora de crescer institucional e socialmente. Deixou de ser um tribunal auto-referido e passou a ouvir as demandas de seu tempo e da gente de seu País.

Se isso ocorreu em prejuízo do papel do Congresso não foi por vocação à posse fraudulenta de prerrogativas. Aconteceu porque o Legislativo, não obstante reiterados alertas, não soube parar de decair. E continua sem saber, como se vê pela proposta de um toma-lá-dá-cá dirigida ao Supremo Tribunal Federal.

Círculo de vícios

A imprensa durante algum tempo vai vigiar, e é até possível que um ou outro político mais notório - ou menos insensível - demita mesmo seus parentes dos cargos ocupados sem concurso.

Mas a multidão de anônimos beneficiados pelo Q.I. (quem indica) familiar de sabe-se lá quantos agentes públicos dos três Poderes passarão incólumes à proibição do nepotismo imposta pelo Supremo Tribunal Federal. Basta a vontade dos padrinhos e a parceria do silêncio em cada um dos nichos de nepotismo espalhados no País todo.

A proteção do anonimato é apenas uma entre as inúmeras modalidades de burla que, tudo indica, levarão a decisão do STF à companhia de outras letras mortas da legislação brasileira.

Uma dessas defuntas está na Constituição e serviu de base à sentença: a obrigatoriedade de obediência aos preceitos da moralidade, impessoalidade e da legalidade na administração pública. Só respeita quem quer.

Como o interesse primeiro a ser atendido pelas nomeações é o “de cima”, a corrente atrelada a ele não é quebrada a menos que o elo inicial deflagre o processo de correção.

E não é essa a disposição até agora demonstrada no Poder Executivo - onde o estratagema é a promoção dos parentes para cargos fora do alcance da norma - nem no Legislativo, onde a solução foi transferir aos parlamentares a iniciativa de entregar a cabeça da família à guilhotina.

Ressalvadas, cumpre repetir, as exceções, a regra geral será a de deixar como está para ver como é que fica. A possibilidade de que fique tudo como está é altíssima, entre outros motivos porque não se assegura a ordem entregando a raposas a guarda dos aviários.

Olavo Setúbal

Prefeito de São Paulo nos idos dos 70, ele parecia à geração que adolescera na ditadura um arauto da opressão. Trinta anos passados e o concurso da maturidade mostraram no reencontro à outrora jovem repórter a prosaica realidade: era apenas um homem de bem tentando fazer a sua parte, inclusive na reconquista da democracia.

Quando a atividade política passou a ser um negócio, voltou aos seus negócios.

Saúde monopoliza programas no Rio


Ana Paula Grabois

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A saúde pública, uma das áreas mais críticas do município do Rio, foi ontem o principal tema na propaganda dos candidatos a prefeito. Eduardo Paes (PMDB) tem como eixo do seu programa no setor a instalação de Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), no modelo criado pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). O candidato aproveitou para explorar a aliança com os governos estadual e federal. "A cooperação entre os governantes é fundamental para resolver de vez os problemas da saúde", afirma Paes, candidato de Cabral, um forte aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O programa mostra o ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PMDB). "A proposta é que o PMDB de Eduardo Paes construa mais 40 UPAs no município do Rio de Janeiro em parceria com o Estado e com o governo federal. Nós vamos levar isso para o Brasil inteiro", diz Temporão.

Fernando Gabeira, da coligação PV-PSDB-PPS, lembra a epidemia de dengue na cidade, critica a atual administração Cesar Maia (DEM) e alerta para a possibilidade de uma nova epidemia devido à falta de prevenção. "A responsabilidade é do prefeito. Nós tivemos uma epidemia de dengue, mas com a prevenção, nós não teríamos a epidemia. Muita gente morreu porque não houve o diagnóstico adequado", disse. O governador de São Paulo, José Serra, aparece e diz que Gabeira é "o nome certo para enfrentar o enorme desafio de governar a cidade do Rio de Janeiro".

Jandira Feghali, médica, diz ter a melhor proposta para a saúde por conhecimento de causa. "Você precisa saber que entre promessa de campanha e o que é possível fazer pela saúde tem uma grande distância. Para prometer alguma coisa, é preciso saber realmente o que deve e pode ser feito", afirma.

Alessandro Molon, do PT, usou mais fortemente a figura do presidente Lula. "Imagina a cidade do Rio de Janeiro governada por um prefeito que é do partido do Lula. Tem coisa melhor para o Rio?", diz Molon, para quem a cidade terá mais investimentos federais se for eleito. Lula não gravou participação para nenhum dos cinco nomes de partidos da base aliada que concorrem à Prefeitura do Rio. Molon contou com a promessa de parcerias do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT), em coleta de lixo, limpeza de rios e lagoas e preservação de florestas.

O candidato Marcelo Crivella, do PRB, prometeu postos 24 horas e a ampliação do programa federal Saúde da Família. Disse contar com a "amizade e a confiança do presidente Lula" para ter entendimentos com os governos estadual e federal. No programa da tarde, Crivella tratou da educação e propôs aulas de reforço e distribuição gratuita de material escolar e de uniformes. Chico Alencar, do P-SOL, disse que a área é prioritária e precisa de qualidade. À noite, Paes e Molon também falaram do tema e criticaram o sistema de aprovação automática nas escolas instituído por decreto municipal.

Fôlego não quer dizer musculatura


Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O interior do Estado é a praia do candidato do PSDB à prefeitura da capital paulista. Geraldo Alckmin é de Pindamonhangaba e ampliou a sua influência para fora da capital quando era deputado federal e foi encarregado de organizar o recém-criado PSDB. Fez com o ex-governador Mário Covas, de quem foi vice, uma dobradinha eleita por dois mandatos. Covas tinha uma grande ascendência sobre o eleitorado paulistano; Alckmin conhecia profundamente a estrutura partidária fora da capital. A chapa "puro sangue" do PSDB foi vitoriosa em 1994 e 1998. Enquanto foi vice-governador, Alckmin era o responsável pela política miúda com os prefeitos. Quando tornou-se governador, não delegou essa função.

Covas morreu em 2001. Alckmin substituiu-o no Palácio dos Bandeirantes e se reelegeu em 2002, com um maciço apoio do interior. Antes disso, em 2000, foi candidato a prefeito da capital. Mesmo apoiado por Covas, ficou em terceiro lugar, numa disputa polarizada entre Marta Suplicy e Paulo Maluf.

Nas eleições para a reeleição de governador, em 2002, e para presidente, em 2006, o tucano conseguiu algum fôlego na capital paulista porque a conjuntura lhe permitiu polarizar com o PT. Mas fôlego não quer dizer musculatura. A pesquisa Datafolha divulgada no último dia 23 mostra que Alckmin despencou no momento em que a candidata do PT e o candidato do DEM, o atual prefeito Geraldo Kassab, ampliaram suas intenções de voto.

Mesmo depois de uma eleição para governador em que foi vitorioso e de uma eleição presidencial em que o Estado de São Paulo o favoreceu, Alckmin mostra que não consegue ser o candidato que naturalmente polariza com o PT na capital paulista. Ele polariza se sua campanha conseguir vinculá-lo fortemente ao seu próprio partido. É o PSDB, e não Alckmin, o anti-PT - pelo menos é assim na capital paulista. Nas duas vezes em que não disputava com candidatos que brigavam pela mesma faixa de eleitorado, Alckmin se impôs como o anti-PT. Nessa eleição, onde briga com Kassab para ser o candidato a disputar com Marta Suplicy num segundo turno, a sua identificação com o PSDB é fluida e a característica anti-PT, diluída. O candidato que ganha porque tem imagem de bonzinho não se basta na hora de polarizar.

Alckmin está no limbo: não é governo, nem oposição

A situação de Alckmin não é nada boa e tende a piorar. Devagar, Kassab tem reduzido a distância em relação a ele. Segundo pesquisas internas do DEM, a diferença entre Alckmin e Kassab já oscila entre 3% e 4% - o empate depende de um aumento de 1,5% a 2% nas intenções de voto para o candidato do ex-PFL. A pesquisa Datafolha demonstra que Alckmin caiu inclusive entre aqueles com mais de 60 anos, onde reinava sozinho na penúltima pesquisa. Na pesquisa da semana passada, Marta ganhou 5 pontos entre os eleitores nessa faixa etária e já está em empate técnico com o tucano: ela tem 28% das intenções de voto; ele, 29%. Alckmin perdeu eleitores na faixa de maior escolaridade para Marta e para Kassab: antes, estava 15 pontos à frente de Marta no estrato com curso universitário; na última pesquisa, caiu de 39% para 32% entre esses paulistanos, enquanto Marta passou para 28% (apenas quatro pontos a menos que o tucano) e Kassab, para 21% (seis pontos a mais que na penúltima pesquisa).

Um dado que não é relevante do ponto de vista estatístico, mas tem importância política, é a distribuição dos votos dos eleitores que se dizem do PSDB. Entre os que se declararam simpatizantes do partido, Alckmin caiu vertiginosos 11 pontos - de 78% das preferências para 67%. Kassab, que não é tucano, tinha 12% dos votos dos pessedebistas em julho e agora tem 19%. Marta, em compensação, tem crescido no eleitorado petista: saltou de 79% para 84% - e, diga-se de passagem, essa é a normalidade. A anormalidade é o candidato simpatizante de um partido votar num candidato que não é o do seu partido.

É difícil uma eleição na capital paulista ser absolutamente previsível - ironicamente, foi assim, da última vez, na eleição de Celso Pitta, que hoje teria dificuldade de se eleger síndico de prédio. E é prematuro jogar todas as fichas num segundo turno entre Alckmin e Marta. Kassab é prefeito e sua administração tem uma alta aprovação, que até agora se converteu apenas timidamente em intenções de voto, mas isso pode ser visto como uma incapacidade eleitoral ou como uma potencialidade - se hoje reverte apenas 35% da aprovação ao seu governo em votos, potencialmente pode elevar esse índice para 100%. Marta tem um eleitorado mais sólido por volta dos 38%. E Alckmin é o candidato da situação que briga com o prefeito e não tem um apoio entusiasmado do governador. A equação não é tão simples que se resuma à polarização PT/PSDB.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Governo paga R$ 106,8 bi em juros

Fernando Nakagawa e Fabio Graner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os governos municipais, estaduais e federal já pagaram este ano mais de R$ 100 bilhões em juros aos credores da dívida pública. Dados apresentados ontem pelo Banco Central mostram que essa despesa somou R$ 106,803 bilhões de janeiro a julho, com alta de 14,9% ante igual período de 2007, novo recorde. Já o esforço fiscal para pagar os juros - chamado superávit primário - também bateu recorde, refletindo a arrecadação de impostos, que não pára de crescer.

Apesar disso, o gasto com juros ainda foi maior que a receita, o que provocou déficit nominal - indicador a que o governo pretende dar mais ênfase a partir de 2010. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, trabalha com a possibilidade de superávit nominal daqui a dois anos. Em sete meses deste ano, no entanto, o resultado nominal foi negativo em R$ 8,579 bilhões. Mesmo assim, o déficit acumulado no ano foi 35% menor do que de janeiro a julho do ano passado e o mais baixo nesse período desde 1993.

A receita em alta também permitiu a queda do déficit nominal em períodos de 12 meses. De 2,06% do Produto Interno Bruto (PIB) até julho de 2007, ele caiu para 1,94% no mês passado.

A despesa recorde de juros pagos aos bancos e investidores é explicada por vários fatores, segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. Um deles é a alta da inflação, que eleva a despesa nos papéis corrigidos por indicadores de preço. Nos sete meses de 2008, o pagamento nos títulos atrelados ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de R$ 22 bilhões, quase igual à despesa de todo o ano passado (R$ 24,7 bilhões).

Outra explicação vem da taxa básica de juros (Selic). Com o aperto monetário iniciado em abril, o custo dos papéis que seguem a Selic sobe. No início do ano, a despesa mensal com esses títulos era de cerca de R$ 5 bilhões. Em julho, já estava em R$ 7,7 bilhões. Também pesam nessa conta o aumento do estoque da dívida e a oscilação cambial, segundo Altamir.

Mas a despesa recorde com juros tem sido compensada, pelo menos em parte, pelo esforço fiscal do setor público. Em sete meses, a economia para pagar os juros atingiu R$ 98,225 bilhões, 23,4% mais que igual período de 2007. Em 12 meses, o valor corresponde a 4,38% do PIB, ligeiramente acima da meta de 4,30% para o ano - quando se incluem os recursos para o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Diante do quadro, Altamir disse ser "factível" cumprir a meta de superávit primário no ano.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, destaca o papel da arrecadação no bom desempenho do setor público. "A arrecadação continua forte no Imposto de Renda e no Imposto de Importação. Além disso, a Previdência tem apresentado números bons e Estados e municípios têm gastado menos devido às restrições da lei eleitoral."

Proposta prevê só verba pública para campanha

Eugênia Lopes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Plano a ser enviado ao Congresso elimina o financiamento misto

Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a proposta de reforma política, que será encaminhada ao Congresso depois das eleições municipais, prevê o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. Segundo o ministro da Justiça, Tarso Genro, a proposta original do governo previa dois projetos de lei sobre o assunto: um que estabelecia o financiamento misto - público e privado -, e outro, só público.

“A orientação do presidente Lula foi para mandarmos apenas o financiamento integralmente público. O presidente entendeu que isso era o melhor”, afirmou Genro. Ele e o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, foram ontem ao Congresso apresentar as sugestões de reforma política elaboradas pelo governo.

São cinco projetos de lei e uma emenda à Constituição que, de acordo com a exposição de motivos do governo, só entrarão em vigência a partir de 2012. “Não queremos estabelecer uma queda de braço entre Executivo e Legislativo em torno da reforma política”, observou Múcio.

O articulador político do governo reconheceu que, das seis propostas apresentadas, a que tem mais chances de ser aprovada é a que trata da fidelidade partidária. Motivo: o projeto de lei permite que o parlamentar troque de partido nos sete meses anteriores à eleição, sem perder o mandato. Neste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram que os parlamentares que mudarem de partido perdem o mandato. “É natural que seja dada prioridade à fidelidade. Afinal, temos duas realidades opostas: antes era a absoluta infidelidade partidária e, agora, o extremo com a perda de mandato”, explicou Múcio.

Junto com o financiamento público de campanha, o governo propôs que o eleitor deixe de votar nominalmente no candidato, passando a votar só no partido. O preenchimento das vagas é feito de acordo com a ordem em que os candidatos dos partidos foram registrados nas listas. Na avaliação dos ministros, esta é uma das sugestões mais difíceis de ser aprovada.

A proposta do governo também torna inelegíveis os candidatos com ficha suja - pelo projeto, quem tiver sido condenado, em qualquer instância, fica inelegível.

BARREIRA

Outro ponto da reforma política trata da cláusula de barreira, que estabelece um desempenho eleitoral mínimo para que os partidos políticos exerçam mandatos no Legislativo. A avaliação é que, com a aprovação da emenda à Constituição, mais da metade dos atuais 27 partidos deixe de existir. “Vai haver a extinção dos chamados ‘partidos mercadoria’, que só existem para negociar tempo de TV”, afirmou Tarso. Segundo o ministro, a cláusula proposta é bem amena e permitirá a manutenção de partidos históricos, como o PC do B.

Para tentar agilizar a tramitação dos cinco projetos de lei e da emenda, o senador Renato Casagrande (PSB-ES) apresentou requerimento de criação de uma comissão mista para analisar a reforma política.

A idéia foi mal recebida pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). “Criação de comissão mista só se for para discutir politicamente a reforma. O trâmite se inicia pela Câmara”, disse Chinaglia, que voltou a afirmar que a Casa tem hoje outras prioridades à frente.

O governo trabalha com a expectativa de que a reforma política só seja votada na gestão do próximo presidente da Câmara, que será escolhido em fevereiro de 2009.

A REFORMA POLÍTICA DO GOVERNO

Lista fechada

Nas eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador), o eleitor deixa de votar nominalmente no candidato e vota só no partido. O preenchimento das vagas é feito de acordo com uma lista elaborada pela legenda. É um projeto de lei

Financiamento público de campanha

Fica proibida qualquer doação privada às campanhas eleitorais. Todo o financiamento virá de recursos da União. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir o montante de recursos.

É projeto de lei
Fidelidade partidária

Permite que os parlamentares possam mudar de partido até o mês de março do ano eleitoral. Hoje, os políticos que trocam de legenda perdem o mandato.

É um projeto de lei
Cláusula de barreira


Fixa desempenho mínimo para mandatos na Câmara e Assembléias. Só poderão exercer siglas que tiverem 1% dos votos válidos na eleição geral à Câmara e distribuídos em, ao menos, 1/3 dos Estados com o mínimo de 0,5% do voto. É emenda à Constituição

Inelegibilidade

Quem tiver sido condenado fica inelegível. A condenação é em qualquer instância da Justiça e tem de ser fruto de uma decisão colegiada do tribunal. Ou seja, não pode ser uma condenação de apenas um juiz. É um projeto de lei complementar

Coligações

Proíbe coligações nas eleições proporcionais. Nas eleições majoritárias, são permitidas. Cria nova fórmula de distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. É projeto de lei

Governo faz proposta de reforma política radical

Gerson Camarotti e Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

Chinaglia descarta aprovação este ano; Executivo quer ainda punir "captação de sufrágio por violência"

BRASÍLIA. O governo enviou ontem ao Congresso proposta radical de reforma política, para tentar forçar um consenso em torno de pontos mínimos. O Executivo adiantou que enviará, em curto prazo, projeto de lei que trata da "captação ilícita de sufrágio qualificada por violência". A idéia de alterar a legislação tem como objetivo evitar situações como as que ocorreram no Rio, em que eleitores e candidatos foram intimidados por milícias, com possibilidade real de sanção.

Mas a aprovação das propostas este ano foi descartada pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que deixou claro aos ministros Tarso Genro (Justiça) e José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) que, se o governo não mobilizar sua base, não será possível avançar. Chinaglia, escaldado pelo fracasso da votação da reforma política, ano passado, lembrou que as prioridades agora são reforma tributária, fundo soberano e mudança na tramitação das medidas provisórias.

Na proposta, estão temas polêmicos como voto em lista fechada e financiamento público exclusivo, fidelidade partidária com flexibilização para mudança de legenda, possibilidade de nova filiação no prazo de seis meses antes das eleições e proibição de coligações proporcionais.

Também há proposições para a inelegibilidade de políticos com ficha suja que já tenham sido condenados em decisão colegiada, e não mais em última instância, e cláusula de barreira para os partidos que não obtiverem 1% dos votos válidos para a eleição da Câmara e pelo menos um terço dos estados com o mínimo de 0,5%.

- As idéias que tiverem maior possibilidade de aglutinação entrarão no debate. É um processo de colaboração institucional. A idéia é extinguir os partidos de mercadoria para negociar tempo de televisão - disse Tarso.

Um projeto de lei específico para cada tema

Para que a reforma não seja inviável, cada tema será enviado num projeto de lei específico. Ontem, foi encaminhado um conjunto de anteprojetos. O governo tenta aprovar uma pauta mínima que possa incluir a fidelidade partidária e a cláusula de desempenho.

No texto enviado ao Congresso, o governo critica a "existência de partidos que se oferecem ou que são cooptados por outras agremiações em troca do seu tempo de propaganda eleitoral". E condena o "aumento do envolvimento entre candidato e financiador, com impacto direto na defesa de interesses não-republicanos e na abertura de canais propícios ao favorecimento ilegal e desvio de dinheiro público".