sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Câmara lembra, nesta sexta, 29 anos da Lei da Anistia

Diógenes Botelho
DEU NO PORTAL DO PPS

A Câmara dos Deputados promove nesta sexta-feira, às 15 horas, sessão solene em homenagem ao 29º aniversário da Lei da Anistia. O ex-deputado Modesto da Silveira, que encaminhou a aprovação da lei no Congresso Nacional, é presença confirmada no evento. Apontado como o advogado que mais defendeu os presos políticos durante a ditatura, chegando a ser sequestrado pelos agentes represssores do regime militar, ele antecipou ao Portal do PPS um pouco do que pretende abordar na sessão da Câmara.

Aos 81 anos, segue firme em sua luta pelos direitos humanos e pela radicalidade democrática. Não tem receio de entrar em assuntos polêmicos, como a revisão da Lei da Anistia. Para ele, a melhor tese hoje é a que se discute na ONU de que a anistia é para aqueles que são vítimas de tirania e ditaduras em geral. "Esses podem ser anistiados. Agora, os fabricantes de ditaduras e tiranias não devem receber anistia nenhuma. Porque senão você estará estimulando novos golpes para o futuro, sobretudo para países como o Brasil e o Chile, onde eles (os militares) se autoanistiaram previamente pelos crimes que já tinham cometido e que ainda iriam cometer no futuro. Isso é uma coisa inédita e inaceitável pela humanidade. Imagina você, a lei era de 79 e a ditadura foi até 85. E os que vinham praticando crimes, torturando, estuprando, furtando e se corrompendo continuaram fazendo as mesmas coisas".

De acordo com Modesto da Silveira, a anistia aprovada no Brasil foi uma "teratologia jurídica". Ele lembra que o que foi aprovado no dia 28 de agosto de 1979, não era o que os integrantes da resistência ao regime militar, como ele, desejavam, que era a anistia ampla, geral e irrestrita para os perseguidos políticos e não para os perseguidores. "Mas como a ditadura ainda durou muitos anos (até 1985), eles (os militares e seus sustentadores políticos) àquela altura tinham condição de impor o tipo de anistia em que concordariam. Até porque o Congresso Nacional era composto de muitos biônicos", relembra.

Porém, naquele momento histórico, ressalta, "ou aceitávamos aquela ali, negociando, ou não teríamos anistia nenhuma". Para Modesto da Silveira, já foi um grande passo, permitindo tirar muita gente da cadeia e receber de volta os milhares de exilados que estavam por toda a parte do mundo.

Confira no final de semana entrevista completa com Modesto da Silveira.

Clique no link abaixo e veja um vídeo sobre a Anistia
http://www.agenciabrasil.gov.br/media/videos/2006/08/28/Anistia_Editado.flv/view










Sem novidades na AL


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DENVER, Colorado. Os planos do democrata Barack Obama para a América Latina, divulgados durante a convenção aqui em Denver em entrevistas de assessores e através de documentos, não parecem conter grandes novidades nem anunciar mudanças substantivas, na opinião de dois especialistas, a professora da Universidade do Novo México Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina, e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa. Ambos consideram que, até o momento, nenhum dos candidatos surgiu com propostas concretas para a América Latina e não acreditam que elas surgirão. "Suas políticas parecem ser derivadas de posições genéricas, tanto domésticas quanto internacionais", comenta Kathryn Hochstetler.

Na questão do etanol, por exemplo, a relutância de Obama em cortar os subsídios aos produtores locais e a taxação ao produto brasileiro tem duas origens, segundo a professora: ele é senador por um estado agrícola, Illinois, e terá que tomar medidas protecionistas se pretende receber os votos dos trabalhadores que apoiaram Hillary Clinton em alguns estados nas primárias.

A idéia de uma nova Aliança para o Progresso tem a ver com a tentativa de Obama se comparar com John Kennedy e também bate com sua orientação geral sobre política externa, que é de volta ao multilateralismo e busca de pontos de interesses comuns com os aliados.

No entanto, a professora Hochstetler acha que ele terá muitas dificuldades para colocar em prática as idéias, porque herdará um país fraco economicamente, com altos déficits orçamentários e despesas obrigatórias como as guerras do Iraque e do Afeganistão.

"O público americano também se fechou em um isolacionismo e não é muito entusiasmado com a idéia de resolver o problema de outros países quando há tantos problemas internos", comenta.

A única chance de mudar esse panorama pessimista seria aproveitar planos existentes no Congresso de revisão dos programas de ajuda externa dos Estados Unidos e conseguir realocar recursos, "mas não creio que isso gerará dinheiro suficiente para grandes mudanças", lamenta a cientista política.

Também Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp não crê que vá haver mudanças fundamentais nas relações do futuro governo norte-americano com a América Latina. "A região simplesmente não está na tela dos radares dos formuladores de decisões em Washington", diz.

As razões seriam várias: a América Latina não é ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, não tem armas nucleares nem terrorismo e não é uma área com grandes atrativos econômico-comerciais para as empresas americanas, que olham para outras regiões.

Além disso, ressalta Barbosa, a política externa dos EUA, nos primeiros anos do próximo governo estará às voltas com outras grandes prioridades: guerra do Iraque e Afeganistão, conflito no Oriente Médio entre Palestina e Israel, a nova Rússia, a crescente presença da China, a crise financeira internacional.

Para Rubens Barbosa, tirando os artigos de Barack Obama e de John McCain na "Foreign Affairs", sem nada de novo de cada um dos candidatos sobre a América Latina, tudo o que se lê sobre o pensamento dos dois sobre a região é atribuído a assessores. Ele se refere à entrevista dada pelo assessor para América Latina Daniel Restrepo, que menciona que haverá uma nova atitude em relação à região, destacando os seguintes pontos:

- Política ativa em relação à Venezuela e a Cuba. Estabelecer um diálogo com as lideranças dos dois países;

- O que é bom para os povos das Américas é bom para os EUA, que tem de ser um sócio e não um salvador;

- Ocupar o espaço vazio que Bush deixou na região e que permitiu o avanço da Venezuela;

oferecer uma outra visão e outra relação com todos os países do continente.

- Deixar de influir nas eleições: aceitar quem ganhar, mas buscar aperfeiçoar as democracias;

- Venezuela: falar diretamente com Chávez, no momento e no lugar escolhido por Obama;

-- Cuba: levantar gradualmente as sanções e reunir com as lideranças do país. Normalização das relações;

- Colômbia: Acordo de Livre Comércio;

- Criação de um fórum mundial de energia com o Brasil, México, os países do G-8, entres outras nações.

Rubens Barbosa considera "tudo muito genérico". "Eles não têm um pensamento claro. Alguma novidade sempre haverá, pois vai ser difícil superar o Bush em termos de platitudes em relação à região". Ele concorda que o Congresso, que continuará a ser controlado pelos democratas, seguirá protecionista em matéria de comércio exterior e dificilmente aprovará qualquer medida de abertura comercial proposta pelo futuro presidente.

"O cenário internacional não abre espaço para uma agenda de reforma das instituições multilaterais, em especial nas Nações Unidas", porque o interesse nacional dos EUA não mudará "nem drástica, nem rapidamente, e é isso que vai determinar a posição dos EUA", lamenta.

De nosso lado, Barbosa considera que "parece piada, se não fosse trágica," a decisão dos governos de instruir seus embaixadores em Washington, inclusive a Venezuela, a entregar uma carta a Obama para falar de Mercosul.

Para ele, o que de mais importante vai ocorrer na política externa dos EUA para a região, se Obama vencer, será a gradual normalização das relações com Cuba.

Na opinião do ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, o continuado alheamento dos EUA na região é bom para o Brasil, que tem mais liberdade de ação. E para a China, que já é o segundo parceiro comercial de muitos países sul-americanos, inclusive o Brasil.

Breve notícia de um tabu


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O Orçamento é a principal política pública. Perdoe o leitor por começar com uma tremenda obviedade. Mas é uma obviedade necessária, na medida em que, no Brasil, o Orçamento sempre foi tratado como peça de ficção, por vários motivos.


O principal deles, nos anos de superinflação: como acreditar em uma peça em que se previa, no fim de um dado ano, gastar no ano seguinte x milhões de uma dada moeda se todo mundo sabia que os milhões estariam reduzidos a mil ou a uma mera centena no ano em que o gasto efetivamente ocorreria?

Graças à estabilização da economia, nos últimos anos a mídia passou a tratar o Orçamento com a seriedade que ele merece. Mas a seriedade ainda não consegue desafiar o tabu dos juros.

Vamos aos fatos: o pagamento dos juros é a rubrica que mais recursos públicos consome. Só nos sete primeiros meses deste ano, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,54% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da economia de um país).

Para o ano que vem inteiro, inteirinho, o Orçamento prevê para as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, a menina dos olhos do presidente Lula), apenas R$ 21,2 bilhões, a quinta parte, portanto, do que vai para juros.

Mesmo que se some aos investimentos a parte correspondente às estatais (R$ 50,1 bilhões), tem-se, portanto, R$ 71,3 bilhões de investimentos em todo o ano de 2009 e R$ 106,8 bilhões de juros em sete meses de 2008.

Não, não estou propondo o calote no pagamento da dívida. Só estou expondo uma outra obviedade: há algo de errado em um país que gasta tanto com juros e tão pouco com investimentos produtivos ou com o funcionalismo (4,93% do PIB em 2009 contra os 6,54% dos juros, só entre janeiro e julho).

Por que esse assunto é tabu que nem se ousa ao menos discutir?

Trocando em miúdos


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo entregou nesta semana, conforme prometera, sua proposta de reforma política ao Congresso. Segundo o presidente Luiz Inácio da Silva, não se trata de uma imposição, mas de uma contribuição para o aperfeiçoamento das instituições com vistas a torná-las “mais transparentes, eficazes e representativas”.

Tomemos a palavra do presidente pelo valor de face e examinemos o poder de influência da reforma sugerida sobre a melhoria da transparência, da eficácia e da representatividade das instituições brasileiras e suas chances de transitar da teoria à prática.

O cardápio é enxuto: listas fechadas de candidatos a deputado e vereador; financiamento público de campanha; piso de votação nacional para a legenda conseguir acesso aos legislativos; restrição aos candidatos “fichas-sujas”; fim das coligações em eleições proporcionais; e extinção - como princípio - da proibição da troca de partido sem uma boa e justificada razão.

Nem uma palavra sobre voto obrigatório, alteração do sistema eleitoral de proporcional para distrital ou qualquer mecanismo que abale a atual estrutura e modifique de fato a relação entre representantes e representados, o ponto central de qualquer reforma política digna desse nome.

Os seis itens dividem-se entre superficiais e inexeqüíveis, sendo a maioria dotada de ambos os atributos.

Lista fechada com voto proporcional não muda coisa alguma; mantém o poder concentrado nas mãos das cúpulas e não estabelece uma ligação direta entre eleito e eleitor. Ademais, não faz muito tempo o tema foi rechaçado no Congresso.

Financiamento público de campanha não passa pelo crivo da sociedade - que não aceitará dar dinheiro à corporação tida como a mais desacreditada do País - além de ser visto com desconfiança pelos partidos de oposição, pois fortalece quem tem o poder de manejo do Orçamento.

A exigência de votação mínima de 1% no território nacional para dar ao partido direito à representação legislativa já foi derrubada uma vez na Justiça e volta agora na forma de emenda constitucional.

De difícil aprovação. Precisa dos votos de três quintos dos parlamentares e, de saída, contará no mínimo com o repúdio das 15 legendas que, segundo cálculo do Ministério da Justiça, seriam varridas pela regra.

No tocante à melhoria institucional, o cotidiano tem demonstrado que o defeito não está na quantidade de partidos.

A proposta de vetar candidatos condenados em qualquer instância judicial colegiada aproveita a onda em torno dos “fichas-sujas” e nada mais. Se passar no Congresso, cai no Supremo que se baseou no preceito constitucional da presunção de inocência para liberar os processados sem condenação definitiva.

Passemos ao largo da proibição das coligações proporcionais - por insignificante ante à enormidade do problema - e vamos ao que interessa: a derrubada do rigor imposto pela Justiça à mudança de partidos.

O governo sugere a abertura de uma “janela” de sete meses a cada quatro anos para que o parlamentar ou governante mude de partido sem perder o mandato.

Aqui, sim, há chance real de aprovação, inclusive porque parece ser, por ora, o único objetivo dessa reforma que não aperfeiçoa nada. Antes ressuscita o troca-troca, piorando o que a Justiça acabou de aprimorar.

Abraço do afogado

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, é um homem de vastíssima cultura e reconhecido saber jurídico.

Mas, no que tange à política, revela-se desprovido de malícia ao avalizar a proposta de aumento de salários para os ministros do STF.

Ladina, a sugestão parte de um Poder desmoralizado ao qual certamente não desconforta a companhia do Supremo junto às tropas do mau combate.

Na conta do custo-benefício entre quem destrói e quem constrói o próprio conceito, perdeu o Judiciário no quesito nome a zelar, quando Gilmar Mendes aliou-se ao Congresso concomitantemente à aprovação no Senado de 1.138 novos cargos comissionados para os tribunais de Justiça.

Acontece

O PMDB de vez em quando tem uma idéia, mas nesta semana está impossível: teve duas.

Propôs “homenagem” ao Supremo na forma de aumento de R$ 1.225 no salário e resolveu patrocinar a integração de Renan Calheiros na posse do posto de figura de destaque público no partido. Teria, para isso, obtido o apoio do presidente Lula.

Vale lembrar o seguinte: no discurso, Lula passa a mão na cabeça de seus denunciados, mas não tem o poder de recuperar reputações.

Políticos envolvidos em escândalos podem até ser absolvidos por obra de minudências jurídicas ou pelas graças de ações corporativas, mas não sobrevivem às evidências.

Além do renome, perdem as cordas vocais. Muitos até recuperam os mandatos, mas continuam privados da antiga imponência.

Entre a Argentina e a Venezuela


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A primeira imagem da sucessão de 2010 será produzida na próxima terça-feira, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará na plataforma P-34, no Campo de Jubarte, na altura do Espírito Santo, para a primeira extração da camada do pré-sal.

O debate mal começou e já traz latente o risco de que se promova uma nova "argentinização" da sucessão presidencial, a exemplo daquela que marcou a campanha de 2002. Desta vez, são as vítimas que ensaiam o papel de algozes.

Na convenção tucana que sagrou o atual governador de São Paulo, José Serra (PSDB), candidato à Presidência da República, em junho de 2002, tocou o seguinte jingle: "Quero Serra, porque o Brasil quer mais. Avançar, melhorar, corrigir. O que eu conquistei, não vou jogar para cima. Com todo o respeito, não vou ser outra Argentina".

Oito anos depois, há muitos candidatos ao papel de Argentina, a começar pela Venezuela, país que nada em petróleo enquanto sua população se afoga na pobreza. É pouco provável que Lula, tantas vezes acusado de chavismo, o faça abertamente, mas não há dúvidas de que o presidente usará seu prestígio popular para convencer o eleitorado de que aquele a quem ungir candidato terá mais legitimidade para usar os recursos do pré-sal em seu benefício. Apenas no mês de agosto, o tema foi tratado em cinco discursos oficiais:

"Na hora em que a gente for buscá-lo (o petróleo), precisaremos nos lembrar do seguinte: este país tem uma dívida histórica com a educação do seu povo. Este país tem uma dívida histórica com os pobres, que não são poucos" (Inauguração da expansão da Alunorte, 14/08).

"Acho que Jesus Cristo, passando pelo Brasil, deve ter parado em uma plataforma ali perto da Bacia de Campos, e falado: "Eu vou ajudar esses meninos um pouquinho. Vou jogar um pré-sal, um petróleo mais fundo, para eles terem mais trabalho, mas eles vão buscar". A ajuda foi tão boa que nós encontramos." (Inauguração da usina de biodiesel da Petrobras em Quixadá, 20/08)

"Isso (o pré-sal) coloca o Brasil numa situação ainda mais privilegiada e com possibilidades enormes de ter um novo ciclo de crescimento, que possa durar 10, 15 ou mais anos, para a gente recuperar a quantidade de décadas que o Brasil ficou estagnado, não conseguiu crescer e só gerou desempregos". (Inauguração do terminal de regaiseficação de gás natural liquefeito, São Gonçalo do Amarante, 20/08)

"Esse petróleo é de 190 milhões de brasileiros, e nós vamos fazer valer a idéia de que ele é nosso. Daí porque eu disse que nós temos que utilizar esse petróleo para resolver um problema crônico de investimento na educação do nosso povo, para tirá-lo do atraso de 50 anos a que foi submetido. Ao mesmo tempo, utilizar uma parte desse dinheiro para resolver o problema dos miseráveis deste país, das pessoas que ainda não conquistaram sua cidadania. Já começou a melhorar". (20º aniversário da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, Brasília, 21/08)

O risco da mistificação no debate do pré-sal

"O pré-sal é um passaporte para o futuro e sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações e o combate à pobreza". (Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Brasília, 28/08)

A proposta para o pré-sal que está sendo gestada por comissão interministerial ficará para depois das eleições municipais. É também a partir das urnas apuradas que os partidos começam a medir forças para a sucessão presidencial. É inevitável, portanto, que a discussão do pré-sal, desde a forma de exploração até a destinação da receita, coincida com a campanha presidencial.

A candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, cai como uma luva para esta plataforma de campanha. É egressa do setor energético, já ocupou a pasta das Minas e Energia, e capitaneou no governo a bem sucedida concessão das rodovias federais, sempre citada pelo presidente como exemplo de contrato privado em benefício do interesse público. Não por acaso, comanda a tal comissão interministerial.

O governador Marcelo Deda (PT), do Sergipe, um dos Estados banhados por royalties do petróleo, acha inevitável a coincidência. "São riscos inevitáveis da democracia. Teremos que decidir entre arquivar um debate estratégico ou arquivar as eleições?".

Lembra o lançamento do Real, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a cédula da nova moeda em pleno ano eleitoral. "Isso nos levou equivocadamente a enfrentar o Real", diz. "Feliz o país que pode escolher seus governantes sob uma perspectiva de riqueza e não de escassez".

O debate em torno da apropriação da receita dos novos campos de petróleo não pode ofuscar a discussão sobre como conseguir os recursos para tirar o óleo de 7 mil metros abaixo do fundo do mar. Mas não dá para colocá-las em redomas de vidro como se a política e a economia regessem interesses independentes.

A perspectiva de uma sucessão dominada pelas opções de desenvolvimento de um país que enriquecerá é mais alvissareira do que a a toada do mensalão que embalou a de 2006. Se é pedir demais que vítimas e algozes da mistificação do debate político desta vez se entendam em torno de uma campanha mais madura, resta apostar que o eleitor, nessas maratonas bienais a que é submetido, tem aprendido a identificar o interesse público nas artimanhas da disputa pelo poder.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

A reforma política da Dilma


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A suspeição é inevitável: quando o governo preguiçoso deixa para os dois últimos anos e quebrados do segundo mandato – com a candidatura da ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff assumida em declarações explícitas do presidente Lula – para encaminhar ao Congresso o primeiro pacote de proposta de reforma política é de uma evidência cristalina que está ajeitando as coisas para facilitar a eleição da sucessora favorita.

O projeto reformista que o governo chocou durante quase seis anos de profundas meditações e entre dúvidas de tirar o sono é radical e novidadeiro. E, ao mesmo tempo, uma tentativa de buscar o consenso em torno de obviedades.

Levada ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) pelos ministros Tarso Genro, da Justiça, e José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, sofreu o primeiro contratempo com a advertência do escaldado político paulista de que a aprovação das propostas neste final de ano, com a campanha eleitoral para a eleição de prefeitos e vereadores esvaziando o Congresso, é praticamente impossível. E, se o governo quer mesmo corrigir alguns dos muitos defeitos de uma legislação deformada por remendos do oportunismo terá que se dedicar em tempo integral à articulação da sua dispersa maioria e consertar as muitas rupturas deixadas pela luta eleitoral.

Para o presidente da Casa, as prioridades consensuais que dificultam a tramitação da reforma proposta pelo governo são a reforma tributária, a mudança radical na tramitação das medidas provisórias que trancam pauta para a votação nos três dias úteis da semana parlamentar e o fundo soberano.

Mas, reconheça-se que o governo chegou pisando macio. Na verdade, não está propondo um pacote fechado de reforma política, mas um embrulho com os presentes em saquinhos. E como não há segredo a preservar, os emissários deram o serviço completo. A proposta inclui, em projetos separados, um para cada tema, o voto em lista fechada que seduz as lideranças e parlamentares de prestígio, com vaga cativa na cabeça da relação de candidatos, garantia da reeleição para mais quatro anos de fruição de um dos melhores empregos do mundo.

Só esta proposta tem potencial explosivo para rachar a maioria parlamentar. A lista fechada é uma burla legalizada do voto. E que só é admissível em países com sólida tradição partidária, nos quais o eleitor não se sente constrangido nem enganado quando vota na legenda e não no candidato. Os quocientes eleitorais que a legenda atingir elegerão os candidatos de acordo com a relação decrescente da lista partidária.

A ampla maioria do baixo clero, que só deve crescer, não cairá na ratoeira armada pela elite que mingua a cada eleição.

No mais, não há novidade. É o menu de sempre: financiamento público de campanha para evitar novo escândalo do caixa dois, com o distinto público pagando a despesa; a quimera da fidelidade partidária quando se conta pelos dedos de uma das mãos os partidos que podem ser levados a sério, mais o molho da fidelidade partidária e a oportuna proposta da inelegibilidade de candidatos com a ficha suja que tenham sido condenados em decisão colegiada e não em última instância.

O governo da gastança atirou o cascalho de projetos de reforma política de morro abaixo para recolher, entre os que passarem no teste da viabilidade, os que se encaixem no painel da ministra-candidata.


Ou de quem a substitua se ela não tiver fôlego para completar a maratona.

Freire: Reforma Política do governo repete as da Câmara e muda decisões do STF


Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

"O governo não inovou; está fazendo jogo de cena", diz Freire. "Vamos ver se, desta vez, ele mobiliza sua base para aprovar a reforma", provoca o presidente do PPS, lembrando que na última apreciação da matéria foi a própria base de Lula que derrubou propostas que agora voltam a ser apresentadas pelo Planalto.
"Acho que, como sugestão, o Congresso deve agradecer, porque parte dessa matéria já tramita na Câmara, com propostas semelhantes ou idênticas às enviadas pelo presidente e a outra parte é fruto de decisão do Supremo Tribunal Federal", disse o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, sobre o anteprojeto de reforma política entregue pelo Palácio do Planalto à Câmara. Ele referia-se ao substitutivo do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), que já começou a ser votado pelo plenário da Câmara, e às deliberações do STF a respeito de fidelidade partidária, da chamada ficha suja e da cláusula de barreira.

O sistema de listas fechadas para eleições proporcionais, defendido na proposição de Caiado, foi derrotado justamente pela base do governo, em deliberação no plenário da Câmara. Entretanto, é um dos pontos sustentados no anteprojeto do Planalto. O financiamento público exclusivo de campanha não foi a voto, mas as discussões sobre o assunto já começaram na tribuna. O governo, no entanto, fez constar a matéria do texto de sua autoria. "O governo não inovou; está fazendo jogo de cena", diz Freire. "Vamos ver se, desta vez, ele mobiliza sua base para aprovar a reforma".

Chinaglia

Na reunião de líderes desta quarta-feira, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, anunciou que a proposta do Planalto chegaria e que seria enviada para os líderes para o início das negociações. Justificou que o texto de Caiado não permitia acordo. Ou seja, deixou claro que engavetaria o trabalho da Casa em favor da proposição do Poder Executivo. Na avaliação de Roberto Freire, o governo está usando a reforma "mais uma vez" com o objetivo de fazer marketing político e "lançar mão do diversionismo, para fugir de assuntos que não lhe interessa discutir, como corrupção".

O governo desconsiderou ainda o projeto de lei complementar do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que abre prazo de 30 dias antes do prazo limite para filiação com vistas a disputar eleições para que os candidatos trocassem de partido. Mandou uma sugestão idêntica, embora o PLP do parlamentar já tenha sido aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e esteja pronto para apreciação do plenário.

Decisões do STF

O Planalto ignorou, também, que a suprema corte já tomou decisão a respeito da cláusula de barreira e a participação nas eleições de candidatos com "ficha suja". Incluiu no anteprojeto os dois assuntos. Mas o STF já declarou inconstitucional a cláusula de desempenho (que exige dos partidos o mínimo de 1% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados). Considerou-a antidemocrática e contrária ao pluralismo político. Assim, mesmo que seja aprovada em forma de emenda constitucional, corre o risco de, mais uma vez, cair por inconstitucionalidade, pois fere cláusula pétrea da Constituição.

A inelegibilidade dos candidatos que respondem a processo por crimes praticados contra a administração pública pode ter melhor sorte porque, embora o STF tenha decidido que a punição só pode ser aplicada com sentença transitada em julgado, existe a possibilidade de o Congresso corrigir uma brecha deixada pela lei. O governo sugere que o candidato se torne inelegível se a segunda instância confirmar decisão contra ele.

Governo banca duas propostas polêmicas

Editorial
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O governo encaminhou ao Legislativo uma proposta de reforma política que nas questões da fidelidade partidária e da cláusula de barreira fica no meio do caminho das decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a lei atual, mas está longe de ser uma solução de conciliação entre as liberalidades pretendidas por parcela dos partidos representados no Congresso e os rigores instituídos por decisões das cortes superiores de Justiça. Ao propor as eleições proporcionais por listas partidárias e o financiamento público de campanha exclusivo, o governo Lula se mete em questões polêmicas que, segundo o exemplo das tentativas anteriores de mudar estruturalmente as regras eleitorais, inviabilizam o entendimento entre os partidos, dada a divergência de interesses que essas questões encerram.

A mais polêmica proposta do governo talvez seja a que institui a lista fechada para as votações proporcionais. Por essa proposta, nas eleições para deputados estaduais e federais e vereadores, os partidos apresentam ao eleitor uma lista de candidatos cuja ordem é definida em convenção.

A proporção de votos que a lista tiver corresponderá ao número de parlamentares a que o partido tem direito - e serão eleitos os primeiros da lista, até que se complete o número de parlamentares correspondente aos votos obtidos. Por exemplo, se o PMDB tiver 20% dos votos a deputado federal num Estado com direito a 10 parlamentares, serão considerados deputados os dois primeiros nomes de sua lista escolhida pela convenção. Os deputados estaduais, os deputados federais e os vereadores não mais disputarão individualmente o voto e será o partido, em última instância, a definir quem será eleito.

Teoricamente, essa proposta acaba com o personalismo e valoriza não apenas o voto partidário, mas reafirma o conceito consagrado pelo STF de que o voto pertence ao partido, não ao candidato. Na prática, porém, tende a favorecer a burocracia partidária, que terá um enorme poder de excluir dissidências. Será praticamente impossível a um parlamentar que mantenha divergências internas com a cúpula partidária conseguir um lugar na lista que lhe permita voltar ao mandato, na medida em que sua votação individual deixa de contar a seu favor, mas passa a somar um "coletivo" de votos que vai favorecer os ungidos pelas direções partidárias guindados aos primeiros lugares da lista. No caso do PT, a vigência das listas fechadas tende a favorecer uma estrutura onde a burocracia partidária já tem enorme peso e a reduzir mais ainda a democracia interna.

O financiamento público exclusivo é outra questão polêmica. É, de fato, uma crítica fácil a de que os políticos não fazem jus ao dinheiro público, e que portanto eles que se virem com o financiamento privado. Mas apenas isso. Bater nessa tecla significa andar em círculos: como teoricamente o político não merece o financiamento público, ele deve procurar o financiador privado; e ele é intrinsecamente corrupto, segundo esse entendimento, porque se financia privadamente. A discussão aqui deve ser outra. As regras devem ser claras e o eleitor tem que fiscalizar o cumprimento delas - a referência da corrupção ou não deve ser a lei, e não prevalecer o senso comum de que todo financiamento público ou privado favorece a corrupção. Nesse debate, deve se levar em conta as experiências passadas. Durante a ditadura, e até o impeachment do presidente Fernando Collor, o financiamento era teoricamente público - mas financiava-se privadamente o caixa dois, com toda a corrupção que isso representou. O financiamento privado foi instituído como uma forma de "legalizar" as contribuições de pessoas físicas e jurídicas a campanhas, no pressuposto de que, se elas eram inevitáveis, melhor que fossem feitas à luz do dia.

O mensalão não foi o único caso, mas uma evidência escandalosa de que o caixa dois continuou convivendo com a mudança de legislação. E de que, seja público ou privado, o financiamento de campanha deve ser, sobretudo, objeto de fiscalização permanente. O poder econômico, isso é reconhecido pela lei e pela jurisprudência, desequilibra o jogo eleitoral e neutraliza qualquer medida que pretenda zelar pelo equilíbrio da disputa.

A reforma política de Lula

Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como quem diz que está fazendo a sua parte, o governo acaba de levar ao Congresso uma proposta de reforma política que se desdobrará em cinco projetos de lei e uma emenda constitucional, a serem encaminhados depois das eleições municipais. As questões abrangidas são as de sempre - sistema eleitoral, financiamento de campanhas, fidelidade partidária, cláusula de barreira -, com uma novidade: a questão dos chamados “fichas-sujas”. Numa iniciativa que terá a aprovação da sociedade, o Planalto quer tornar inelegíveis os candidatos que tenham sido condenados em decisão colegiada (não de um juiz apenas), seja qual for a instância judicial. No começo do mês, como se recorda, o Supremo Tribunal Federal (STF), considerando que a lei das inelegibilidades é omissa a respeito, decidiu que os políticos que sofrem processos só perdem o direito de se candidatar se tiverem sido condenados em sentença inapelável. O governo pretende vedar a brecha na legislação.

Não está nada claro, porém, o destino do projeto - aliás, a dúvida se estende a quase todos os demais itens da proposta do Planalto. A relutância do Congresso em mudar as regras do jogo pelas quais os seus membros se elegeram parece invencível, para desalento dos reformistas dos principais partidos. É de recear que não seja diferente desta vez, menos, como não poderia deixar de ser, em relação ao ponto que fala diretamente ao interesse dos próprios políticos, por abrandar a lei da fidelidade partidária. No começo do ano, a Justiça Eleitoral e o STF, ao entender que os mandatos legislativos pertencem aos partidos e não aos eleitos, puseram fim à farra do entra-e-sai pelas legendas, punindo os transgressores com a perda do mandato. Agora o Planalto propõe a infidelidade com data marcada: apenas nos anos eleitorais, até a sete meses da votação. A norma impediria a habitual dança das cadeiras entre o pleito e a posse dos novos governos, que assim engordam as suas bancadas.

A reforma apresentada ao Congresso revive a cláusula de barreira ou de desempenho. Emenda constitucional prevê que deixarão de ter existência parlamentar os partidos que não obtiverem, na eleição para a Câmara dos Deputados, 1% dos votos válidos em pelo menos 1/3 dos Estados, com um mínimo de 0,5% em cada um. Calcula-se que, nessa hipótese, mais da metade dos atuais 27 partidos brasileiros sairia de cena. Seriam preservadas, de toda forma, as pequenas agremiações históricas, como o PC do B. “A idéia é extinguir os partidos-mercadoria, que só existem para negociar tempo de TV”, diz o ministro da Justiça, Tarso Genro. Ocorre que uma limitação mais severa - patamar de 5% dos votos - foi aprovada em 1995 para entrar em vigor em 2006, mas o Supremo a julgou inconstitucional por ferir o direito das minorias. A lei condenada não distinguia entre partidos históricos e de aluguel.

A rigor, a cláusula de desempenho se tornaria supérflua se viesse a ser aprovada a proposta - que não é nova - de proibir as coligações nas eleições proporcionais, em que as siglas de aluguel mercadejam os seus minutos no horário gratuito em troca de vagas na chapa comum. Sem isso, os pseudopartidos dificilmente elegeriam algum representante - e a fragmentação política teria os dias contados. Também para combater as “alianças interesseiras”, segundo Genro, o Planalto quer que nas eleições majoritárias o tempo de rádio e TV de cada coligação seja aquele a que tem direito o maior partido da chapa, e não mais a soma dos tempos das siglas coligadas. Estranhamente, porque no ano passado a Câmara derrubou projeto semelhante, o governo sugere a adoção do voto em listas partidárias fechadas, no lugar do voto em candidatos individuais, para deputado e vereador. Até os articuladores políticos governistas duvidam que a mudança seja aprovada.

Para o presidente Lula, de todo modo, o mais importante é a implantação do financiamento público exclusivo das campanhas. Ele vetou o plano inicial de também oferecer ao Congresso a alternativa de um sistema misto, público e privado, como existe nos Estados Unidos. Pesquisas atestam que a idéia de gastar dinheiro do contribuinte para eleger políticos - que é como a opinião pública define a questão - é rejeitada pela grande maioria dos brasileiros.