quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mundo novo


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O oposto dos subúrbios dos subúrbios (exurbs) ou dos subúrbios emergentes (exurbia), de que falei aqui recentemente, que reúnem cerca de 15% da população dos Estados Unidos em espaços pouco povoados nas franjas das grandes cidades, são as megalópoles, que concentram os avanços tecnológicos e o desenvolvimento cultural do mundo moderno. Ao contrário dos suburbanos, que procuram amplos espaços para morar mesmo sem serviços de lazer e cultura, os moradores das grandes megalópoles mundiais querem estar próximos de pessoas com os mesmos interesses e necessidades, e tanto pessoas quanto empresas ganham em produtividade com essa troca de informações e o acesso à tecnologia do conhecimento que só as grandes conurbações oferecem.

O professor canadense Richard Florida, autor da tese de que a escolha da cidade onde uma pessoa vai viver é uma das mais importantes da vida moderna e define o tipo de pessoa que você é, destaca entre as 40 mais importantes megalópoles do mundo a conurbação entre Rio de Janeiro e São Paulo, a Riopaulo.

Por sua vez, o economista brasileiro André Urani também está convencido de que não há sentido em pensar o futuro da região metropolitana do Rio de Janeiro separado do de São Paulo (e vice-versa). No livro "Trilhas para o Rio - Do reconhecimento da queda à reinvenção do futuro", pela editora Campus-Elsevier, recentemente lançado, ele analisa as razões da decadência do Rio e projeta as soluções para o futuro, na certeza de que o território entre as duas maiores cidades do país está sendo conurbado naturalmente. Recentemente, pela primeira vez foi fotografada a conurbação entre São Paulo e Campinas.

A conurbação imaginada por André Urani abrange cidades dos três estados mais importantes do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, em direção a Campos, no Rio de Janeiro, a Campinas, em São Paulo, e a Juiz de Fora, em Minas Gerais. A "Megalópole Brasileira", ou M"bras, é formada por 232 municípios interligados por diferentes aspectos, e equivale a apenas 0,97% do território brasileiro.

No entanto, tem 41,7 milhões de pessoas, quase 23% da população brasileira, 96% residentes em áreas urbanas, contra uma taxa brasileira de 81%. E é responsável por 35% do Produto Interno Bruto brasileiro, com renda domiciliar per capita cerca de 55% maior do que a média brasileira. Mas também, por representar um país ainda fortemente desigual, concentra boa parte dos pobres e indigentes do país.

No prefácio que escrevi para o livro, onde estão registrados esses números, digo que a megalópole brasileira de Urani já chega preparada para o futuro, com uma taxa de analfabetismo que é cerca da metade da do país e, quando se fala de novas gerações, a diferença é ainda mais marcante: entre as crianças de 10 a 14 anos, a praga do analfabetismo está praticamente erradicada. Tem 18,6% do total de estabelecimentos de ensino superior do país e reúne 24% de seus universitários.

No eixo Rio-São Paulo estão localizadas as principais instituições e organizações ligadas à pesquisa, tais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares (Ipen), o Laboratório Nacional de Computação Científica, a Fundação Getulio Vargas.

Para Urani, o que está em jogo é, simultaneamente, o revocacionamento de nossas duas principais metrópoles para o século XXI e o próprio papel do Brasil no mundo. Ele lembra que São Paulo e Rio de Janeiro perderam, nas duas últimas décadas do século XX, as vocações que fizeram delas grandes metrópoles em meados do século passado. "De 1920 a 1980, o crescimento demográfico foi de 4,5% ao ano na RMSP e de 3,3% na RMRJ (a partir de 1954, SP supera o Rio em número de habitantes). Num contexto em que a economia da RMSP crescia espantosos 10% ao ano e a da RMRJ "apenas" 7%".

De 1980 em diante, até 2005, as coisas mudaram drasticamente. Por um lado, o crescimento demográfico arrefeceu: caiu para pouco mais de 2% na RMSP e para 1,1% na RMRJ. Mas o mais espantoso, diz Urani, foi a freada econômica, muito mais brusca ainda: o crescimento anual médio do PIB caiu para 1,5% na RMSP e para 0,6% na RMRJ. Ou seja: nossas principais metrópoles se tornaram flácidas; passaram uma geração inteira encolhendo em termos de PIB per capita, ressalta.

A Megalópole Brasileira seria, portanto, uma tentativa de encontrar um nicho de inserção de nossas principais metrópoles neste mundo globalizado do século XXI. "Alqueres (José Luiz Alqueres, presidente da Light, um dos idealizadores do projeto) e eu a chamamos de M"bras (e não, por exemplo, de Riopaulo - como o Florida) porque não queremos passar a impressão de que ela possa ser algo que se dê contra o resto do Brasil. Pelo contrário: será um esforço de recuperar um espaço para a vanguarda brasileira, um portal para a exportação dos conceitos e serviços brasileiros para o mundo".

Um nicho a ser explorado, que vem sendo discutido no âmbito do programa "Rio além do petróleo", projeto do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), com o apoio do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do governo do Rio: a de sermos a "capital mundial da energia e da sustentabilidade", um centro de produção e disseminação de conhecimento e de realização de negócios nestas áreas.

Para André Urani, "ninguém mais no mundo reúne as condições que a M"bras reúne para ocupar esse lugar, com suas reservas de petróleo, sobretudo agora, com as descobertas do pré-sal, seus biocombustíveis, suas usinas nucleares, suas empresas de energia elétrica (Eletrobrás, Furnas, Light, Ampla, Eletropaulo, CPFL), seus centros de pesquisa, seus 50 parques naturais, sendo cinco dos quais nacionais.

Um corisco solto no mundo


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


A administração Bush promoveu a desigualdade e o militarismo. Fracassou por isso. O declínio norte-americano significaria uma ruptura na ordem mundial?

Políticos e economistas de esquerda se apressaram a decretar a morte do neoliberalismo por causa da crise norte-americana. A pá de cal foi a blindagem das gigantes do mercado imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac pelo Tesouro dos Estados Unidos. A operação estatizante seria um renascimento do velho keynesianismo. Afinal, o governo Bush injetou US$ 200 bilhões nas duas megaempresas, o que foi apresentado como solução para a crise do mercado financeiro daquele país. Será o último capítulo da crise imobiliária? Não, o nervosismo de ontem das bolsas de valores no mundo inteiro parece apontar na direção contrária.

Metamorfose

Alguém já disse que o capitalismo é uma eterna metamorfose dos meios de produção e relações sociais, dos credos, costumes e idéias modernas. Por isso mesmo, a antiga União Soviética e o “socialismo real” do Leste Europeu sucumbiram à terceira revolução industrial. A China é a nova potência porque aderiu à economia de mercado e se conectou à economia norte-americana. Os dois países são sócios do mesmo modelo energético e parceiros do mercado financeiro internacional. Um é o símbolo do neoliberalismo; o outro, da intervenção estatal.

A estatização de metade do mercado hipotecário dos Estados Unidos lançou por terra a ortodoxia liberal de que o governo nunca deve se meter no mercado para exercer um papel regulatório. Nem de longe, porém, significa o surgimento de uma nova política naquele país. O histórico de fraudes contábeis, descontrole financeiro e incompetência política do mercado financeiro norte-americano é que libertou o corisco e colocou em xeque o mercado mundial. Porém, é um exagero decretar o fim dos fundamentos do liberalismo. Eles são inerentes ao sistema financeiro globalizado. Como as duas instituições assumiram riscos da ordem de US$ 5 trilhões em contratos, o presidente Bush resolveu honrar os compromissos e evitar um colapso no mercado hipotecário. Com isso, socorreu a banca internacional e o atual sistema-mundo. De pronto recebeu o apoio dos dois candidatos que disputam a Presidência dos Estados Unidos. Os partidos de Barack Obama e John McCain foram coniventes com as causas da crise. Onde estará a mudança?

O redemoinho

Também é temerário acreditar que a desaceleração da economia dos EUA acabou. Há sete meses, outra operação salvou os investidores do banco Bear Stearns e a crise continuou. Os ativos nos Estados Unidos — imóveis, automóveis, ações e os demais títulos privados – continuam desabando. Na Europa, o mesmo fenômeno prenuncia uma longa recessão. E o impacto da crise na Ásia repercute por aqui no alvorecer do dia. A economia brasileira é robusta, porém sacoleja com tudo isso. Na periferia do redemoinho, há chance de escapar de seu centro de atração? Pergunte ao corisco.

O redemoinho ameaça deixar muitos países de pernas para o ar. O esforço do governo norte-americano para salvar seu mercado financeiro, a rigor, interessa a todo mundo. Contraditoriamente, quem mais sofre o baque, a velha Europa, não quer mudança, quer uma saída conservadora. A esquerda foi varrida do poder na maioria dos países, a começar pela Itália de Berlusconi e a França de Sarkozy. Onde está, então, a alternativa ao neoliberalismo? No capitalismo de estado da China, que ninguém sabe ainda como enfrentará a crise mundial e o problema da democracia política? Nos regimes da Rússia e da Índia, que estão longe de serem exemplos de relações entre o Estado e a sociedade? É óbvio que a saída para o Brasil não virá do Oriente.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também classificou a intervenção do governo Bush no mercado financeiro como a “morte do neoliberalismo”. Bebeu nas águas de Immanuel Wallertein, o principal teórico do sistema mundial, que declarou o ano 2008 como o ano da “morte da globalização neoliberal”. A administração Bush promoveu a desigualdade e o militarismo. Fracassou por isso. O declínio norte-americano significaria uma ruptura na ordem mundial? Segundo Wallerstein, haverá um grande realinhamento da política global e das forças econômicas, com o retorno ao keynesianismo e ao capitalismo de Estado. Será essa a aposta política da candidatura de Dilma?

Em casa onde falta pão...


Lucia Hippolito
DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO

...todos gritam e ninguém tem razão


Acusado de fazer uma campanha ruim no rádio e na TV, prejudicando as chances de Geraldo Ackmin chegar ao segundo nas eleições em São Paulo, o marqueteiro da campanha demitiu-se e saiu atirando, em entrevista concedida à repórter Renata Lo Prete e publicada hoje na Folha de S. Paulo.

Entre outras acusações, o marqueteiro afirma que os kassabistas compraram o apoio de vereadores tucanos e que o PSDB kassabista trabalhou o tempo todo contra a candidatura de Geraldo Alckmin.

É uma acusação grave, que deve ser apurada. Mas será que ela engloba todo o problema?

É evidente que o responsável não é nem a campanha no rádio e na TV e muito menos o desempenho do marqueteiro.

O fato é que, mais uma vez, os tucanos não conseguiram se entender antes da largada para as eleições. Da mesma forma como em 2006, quando atropelou José Serra, Alckmin impôs sua candidatura dentro do PSDB, com uma tenacidade que não se confirmou na campanha. (Conseguiu ter menos votos no segundo turno das eleições presidenciais do que no primeiro, feito inédito.)

Alckmin quis porque quis ser candidato. Parecia menino mimado que não quer abrir mão do trem elétrico. E entre os tucanos, mesmo os de alta plumagem, não houve quem o demovesse da teimosia.

Par délicatesse, j'ai perdu ma vie, diz um dos mais lindos poemas de Rimbaud, verdadeiro retrato da alma humana. Pois cai como uma luva entre os tucanos paulistas.

Por delicadeza, falta de empenho, desejo de frear as ambições de José Serra, ou pura preguiça mesmo, os tucanos paulistas mais uma vez se enredaram numa teia que, pelo andar da carruagem, não só vai lhes tirar das mãos a prefeitura da maior cidade do país, como pode ter conseqüências seriíssimas na campanha de 2010, tanto para o governo do estado como para a presidência da República.

Será mesmo que valeu a pena arriscar tudo isso apenas para não desagradar Geraldo Alckmin?

Sobrou para o marqueteiro. OK, só não vale acreditar nisso.

Impunidade de raiz


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Justiça tarda e, não raro, falha; ouve-se muito por aí a propósito das razões da impunidade no Brasil. O argumento, embora real, vira pó na boca de qualquer uma das autoridades que constantemente ignoram decisões judiciais, com especial destaque para a corrente indolência em relação ao cumprimento da sentença do Supremo Tribunal Federal sobre a contratação de parentes no poder público.

Estamos prestes a entrar a terceira semana desde que o STF baixou um “cumpra-se” no princípio constitucional da impessoalidade no serviço público, em vigor há 20 anos, e até agora a regra geral é a da solene indiferença.

Descontadas ousadias explícitas - como as do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, e do governador do Paraná, Roberto Requião, que protegeram os parentes nas lacunas da sentença -, as demissões foram exceções.

Nada fora do previsto, diga-se. Estava perfeitamente desenhado no horizonte esse cenário. O Judiciário deu-se 90 dias de prazo por intermédio do Conselho Nacional de Justiça e o Executivo de um modo geral não deu pelota.

O Legislativo, mais visado, move-se à velocidade de um paquiderme: a cada notícia na imprensa sobre o tema, um passo. Ontem mesmo, o Estado publicou reportagem mostrando o quadro da indolência em âmbito nacional e a direção do Senado tomou uma decisão: informou às excelências integrantes da Casa revisora das leis que a decisão do Supremo é para ser cumprida.

Choveu no molhado e inócua permanecerá a ordem “imediata” para que se procedam as demissões, simplesmente porque não há como obrigar os senadores a demitir os parentes. Aliás, não há outra maneira senão a iniciativa própria de fazer valer a sentença em qualquer um dos Poderes da administração pública.

Chamar a polícia, expulsar os familiares, pôr para correr mulheres, maridos, sobrinhos, tios, irmãos, primos de parlamentares, magistrados, poderosos donos de cargos de confiança para distribuir? Impossível.

Como não há punição nem disposição de nenhuma das autoridades máximas em cada nicho de poder País afora de enfrentar suas corporações e as respectivas deformações, trata-se de uma determinação destinada a cair no vazio mais cedo ou mais tarde.

Ou devidamente reformulada por alguma nova legislação, caso o assunto continue a render desconforto.

Por enquanto, busca-se ganhar tempo sob os mais variados pretextos. Assembléias legislativas alegam que estão em processo de “levantamento” de dados sobre os parentes contratados e justificam a lentidão com a ausência dos parlamentares por causa das campanhas eleitorais.

Em escalões mais elaborados, quem não fica impávido posto em silêncio apela à necessidade de maiores esclarecimentos quanto aos limites entre o proibido e o permitido ou invoca o caráter injusto e radical da decisão.

Como se a questão estivesse em aberto e não fosse suficientemente clara a recusa do poder público em cumprir uma decisão da Corte Suprema de seu país.

RetomadaA suspensão do depoimento do ministro da Defesa, Nelson Jobim, marcado para hoje na CPI dos Grampos, não é obra do imprevisto nem causa a menor estranheza.

Se o governo quer esfriar a temperatura do debate sobre as escutas clandestinas, a última coisa que poderia interessar seria a presença de Nelson Jobim na CPI.

Surpreendente e esquisito foi o ministro da Defesa ter aceitado o convite e ainda prometido exibir a prova de que a Agência Brasileira de Inteligência está ilegalmente equipada para grampear.

Gestos ainda carentes de explicação, já que o ministro da Defesa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, deputado “de ponta” na Constituinte, organizador do texto da Carta, não seria tolo muito menos louco de fazer aquilo sem respaldo.

Perdido temporariamente o leme ante a urgência de atender à exigência do Supremo Tribunal Federal por uma atitude “efetiva”, o Planalto retoma o seu padrão de administração de crises e empurra mais essa com a barriga, deixando como está para ver como é que fica.

Quando do episódio dossiê-FHC, a ministra Dilma Rousseff só foi ao Congresso depois de dois adiamentos.

Vale-crise

Agora que o governo federal se sente mais seguro - pelo menos até segunda ordem - na direção do caso das escutas, é hora de conferir o grau de apego do Palácio do Planalto ao plano de privatização de aeroportos, começando pelo internacional Tom Jobim, no Rio.

Propenso a aceitar a idéia, mas sempre resistente a executá-la, o governo achou por bem ceder aos apelos capitaneados pelo governador Sérgio Cabral, justamente no auge da discussão sobre a compra de equipamentos de interceptação por parte da Abin.

As manchetes, ocupadas pela guerra de versões entre autoridades durante três dias, abriram-se ao projeto de privatização nos dois seguintes.

Administração de cargos e salários


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Uma das missões da presidente Cristina Kirchner na visita de Estado que fez ao Brasil, até ontem, por ocasião da Independência, foi, segundo integrantes de sua diplomacia, pressionar o Congresso Nacional para aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul. A resistência dos parlamentares brasileiros, senadores e deputados, a esta concessão que o governo petista diz querer fazer ao chavismo surpreende positivamente. No Senado, onde a proposta sequer chegou, o líder contra o pleito do presidente venezuelano Hugo Chavez é simplesmente o senador José Sarney (PMDB-AP), um dos mais respeitados da Casa.

Na Câmara, onde o projeto passou, raspando, na Comissão de Relações Exteriores, os partidos governistas ficaram com Chavez, não por unanimidade, e a oposição contra. Tal foi a dificuldade desta primeira votação que os líderes da aliança do presidente Lula ainda protelam a votação em plenário, à espera de dias melhores que podem resultar desta fase de comportamento mais discreto do presidente venezuelano.

Durante os debates da proposta, na Câmara, a argumentação dos que defendiam Chavez era uma só: o Brasil tem um grande saldo comercial com a Venezuela e por isto seria bom atender ao pedido de seu presidente. Os que eram, e ainda são contra, desfiavam restrições de todo tipo, em que se destaca o descumprimento da cláusula democrática do bloco. O presidente Chavez, por ação e não só por falação, não teria arquivado os riscos a que submete tal cláusula.

O raciocínio de quem está contra é que é preciso prestar atenção no significado real da presença de Chavez no Mercosul, tendo em vista as restrições que lhe fazem os países mais desenvolvidos do mundo, na América ou na Europa, onde é figura polêmica. Os deputados deixaram claro que Chavez, com sua personalidade difícil, criaria problemas de todo tipo para os demais países, em especial o Brasil, com quem disputa liderança. Mesmo apresentando a argumentação mais consistente, os que desaprovavam o atendimento ao pedido de Chaves perderam na Comissão da Câmara. E isto apesar da pressão de vários governadores, em especial os do Paraná (PMDB) e de Pernambuco (PSB), que têm negócios com a Venezuela e determinaram às suas bancadas que votassem a favor de Chavez. Devem repetir o apelo quando o assunto chegar ao Senado.

O esforço de convencer o Congresso poderia ser poupado se a presidente da Argentina desviasse o foco para o governo. Até parlamentares governistas se eximem de responsabilidade com a justificativa de que o próprio presidente Lula não se empenha nesta aprovação. Além de congestionar a pauta com Medidas Provisórias, o governo tem um interesse limitado a dois assuntos. O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que participou do debate sobre a entrada de Hugo Chavez no Mercosul, fez, em levantamento recente, uma radiografia do interesse do governo Lula pelas demandas ao Congresso.

Governo só não se empenha por Chaves

"Uma das características deste governo é que ele não se empenha em matérias legislativas que não sejam aquelas ligadas aos aumentos de salário e ampliação do quadro dos funcionários públicos", registra. A análise da produção legislativa no primeiro semestre deste ano mostra que houve, segundo Madeira, muita produção e pouca relevância: 35 leis trataram de homenagens e denominações; 29, de matéria orçamentária; 17, da criação de cargos ou alterações salariais, 4 dispondo sobre algum tipo de renúncia fiscal e 2 criando empresas. Outras 41 leis trataram de assuntos tão sortidos quanto de relativa importância.

"Percebemos uma linha de conduta do governo: aumento de gastos e criação de cargos; as leis sancionadas mostram que houve autorização para elevação de despesas no valor de R$ 33,5 bilhões, por causa do excesso de arrecadação ou superavit financeiro; também foram criados 50.319 cargos efetivos e 8.898 funções comissionadas, totalizando 59.217", contabiliza. O deputado destaca, ainda, com relação à origem dos 128 projetos transformados em lei no primeiro semestre, que 5 foram originários do Judiciário, 64 do Executivo e 59 do Legislativo.

No estudo feito sobre as votações de metade do ano, Madeira diz que o primeiro semestre de 2008 não teve uma pauta legislativa adequada às expectativas da sociedade brasileira. "Diversos assuntos relevantes permanecem numa lenta tramitação, quando não estão parados: cite-se o projeto de lei que propõe regular as agências, a lei do gás, a lei do Cade; o governo foi muito claro na sua agenda de aumento de gastos e criação de novos cargos, e em ambos os casos com uma inovação incompatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois jogou parte dos gastos para 2011/2012".

Segundo o deputado, o seu partido, o principal de oposição, também não colaborou para que o desempenho do Congresso tivesse outro nível. "O PSDB não conseguiu transmitir uma mensagem clara de crítica aos atuais governantes, ou propor melhor projeto, ou chamar a atenção sobre os graves problemas que serão gerados pelas decisões de agora. Faltou o alerta contundente para a farra fiscal e a bagunça institucional".

Em movimento

As pesquisas eleitorais registram dois fatos que vale a pena acompanhar na campanha deste início de setembro. O primeiro é a disputa, voto a voto, pelo segundo lugar em Porto Alegre, entre as candidatas do PT, Maria do Rosário, e do PCdoB, Manuela D"Ávila. O segundo é o crescimento do candidato do PT em Salvador, Walter Pinheiro. Se ultrapassar o atual prefeito, candidato à reeleição que está em terceiro lugar, Pinheiro, segundo os analistas de pesquisa, terá chance de desbancar um dos dois carlistas que estão em primeiro e segundo lugares na disputa, ACM Neto, do DEM, e Antonio Imbassahy, do PSDB. A tradição na cidade é um carlista contra um não carlista, e não a disputa entre dois do mesmo grupo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Tucanos paulistas

Marcos Coimbra
DEU NO ESTADO DE MINAS


"Passada a metade do período de propaganda eleitoral, a eleição em São Paulo está indefinida. A certeza é de que a decisão será no segundo turno"

Terminada metade do período de propaganda eleitoral, a eleição em São Paulo se mostra indefinida em um aspecto fundamental. Ninguém tem dúvidas de que a decisão vai se dar no segundo turno e que Marta Suplicy estará nele. Ela lidera com folga as pesquisas, mas não mostra ter condições de vencer já em 5 de outubro. Ninguém aposta na possibilidade de crescimento dos candidatos que estão nos postos inferiores, de Maluf para baixo.

Mas ninguém é capaz de dizer se o adversário da ex-prefeita será Alckmin ou Kassab. O candidato do PSDB parecia favorito ao posto, mas o bom desempenho do prefeito nestas semanas deixou o quadro incerto.

A explicação dessa situação tem uma dimensão atual e outra antiga. Olhando para o que está acontecendo, é nítida a vantagem de Kassab sobre o ex-governador em dois aspectos. De um lado, tem muito mais tempo de antena que ele, na razão de quase dois para um. Enquanto um telespectador comum tem cerca de 17 chances ao dia de ver um comercial seu (supondo que seus 8min44seg diários serão usados em inserções de 30 segundos), só tem nove de ver um de Alckmin.

De outro lado, a campanha do atual prefeito se mostra mais bem focada, usando soluções adequadas de estratégia e forma. O mesmo não se pode dizer do material que é veiculado por seu oponente direto.

Mas não são apenas os fatos de agora que se devem invocar na discussão do que ocorre em São Paulo. A disputa entre dois candidatos vindos do mesmo grupo político, com apoios fundamentalmente iguais, mas que concorrem, com ânimos cada vez mais acirrados, não começou na eleição de 2008.

O primeiro ato dessa história aconteceu em 2004, quando José Serra chegou à conclusão de que deveria disputar a eleição municipal. Depois da derrota para Lula em 2002, ele assumira, com toda justiça, a presidência nacional do PSDB, cargo que o deixava no palco para voltar a ser o candidato do partido na eleição seguinte. Fazendo a avaliação que Lula deveria disputar com vantagem sua reeleição, Serra preferiu o caminho da prefeitura. Ganhou e estava conformado a lá permanecer. Até jurou que não deixaria o cargo.

Veio o mensalão e um novo ato começou. Serra achou que Lula ia perder e se entusiasmou. Só que Alckmin tinha passado à sua frente na fila dos presidenciáveis do partido. Serra bem que tentou, mas, no embate entre o trator e o picolé de chuchu, Alckmin não cedeu.

Serra teve de se contentar em disputar o governo do estado, sem grande tristeza, pois, àquela altura, Lula já voltara a ser favorito. Como mais valia um pássaro na mão que dois voando, Serra cedeu. Mas as mágoas ficaram.

O terceiro ato se passou logo em janeiro de 2007. Serra fez sua primeira reunião pública de secretariado na presença do antecessor. Quem ouviu seu discurso ficou com a impressão de que tomava posse à frente de um governo de oposição, pois pouco do que recebia como legado foi sequer reconhecido. Ao contrário, críticas voaram para todos os lados, atingindo as principais marcas da gestão do correligionário. Daí em diante, essas situações sempre se repetiram.

No início de 2008, tivemos o quarto ato desse drama. Serra montou seu jogo, no qual queria um candidato a prefeito inequivocamente identificado consigo. Mais, que fosse uma candidatura que indicasse sua estratégia para disputar a eleição presidencial de 2010: em coligação com o DEM, apoiado pelo PMDB (pelo menos parte dele). Quanto a Alckmin, que acatasse e ficasse quieto.

Quem faz da força sua marca registrada tem de aceitar reações iguais a seus atos. Quando Alckmin percebeu que não teria mais espaço no PSDB do estado que ele governara com índices altíssimos de popularidade (mais altos que os de Serra), que ia desaparecer, ele reagiu. Paradoxalmente, o picolé passou (de novo) por cima do trator: Alckmin impôs a Serra sua candidatura a prefeito.

Quem vai com Marta para o segundo turno? Tão combalidos estão os dois que a questão pode ser irrelevante. A guerra tucana pode ter abatido ambos.


A flor murcha da gratidão


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O isolamento no fim de semana em Nova Friburgo justifica, mas não consola o atraso com que chego com a flor murcha da gratidão para a homenagem dorida da saudade ao amigo impecável, a quem devo tudo o que aprendi em técnica e esperteza em televisão: Fernando Barbosa Lima foi um exemplo de ética, criatividade e competência. Não conheço outra biografia que se compare à do criador do Jornal de Vanguarda, que revolucionou o noticiário na telinha, e de mais uma centena de programas, todos com sucesso e com a sua marca identificadora.

Não foi o único a ensinar o caminho ao iniciante na casa dos 23 anos e que tem lugar cativo na minha gratidão. Odylo Costa, filho patrocinou a minha promoção ao bloco da meia dúzia dos grandes jornais na década incomparável dos anos 60, quando o Rio se despedia do crachá de capital do Brasil com a inauguração de Brasília inacabada, um canteiro de obras no desterro do cerrado. Levou-me para o Diário de Notícia e mais tarde para o Jornal do Brasil. E para a sua curta passagem pela direção da Rádio Nacional, então a maior emissora do país.

Aqui e acolá, a troco de cachês que nem sempre eram pagos, participei de programas de debates políticos e de mesas de inflamadas discussões sobre futebol.

Mas, com o Jornal de Vanguarda foi diferente. O convite foi feito por Tarcísio Holanda, excelente repórter político, com lugar cativo no imortal Jornal de Vanguarda.

No livro Nossas câmeras são os seus olhos, lançado em 2007 pela Ediouro e em que tive o privilégio de assinar o breve e despretensioso prefácio, Fernando dá a receita do jornal revolucionário que assinala a mais profunda mudança no modelo de então da notícia lida pelos locutores.

Conta Fernando Barbosa Lima: "Com a inauguração da TV-Excelsior do Rio, em setembro de 1962, o Jornal de Vanguarda entrava no ar". E adiante: "O Jornal de Vanguarda, quando assumi a direção do jornalismo da Rede Excelsior, trouxe uma revolução na linguagem e no espírito do telejornalismo – um verdadeiro ‘Show de Notícias’ - como foi chamado em São Paulo".

Lista alguns dos principais apresentadores, "cerca de oito ou nove pessoas dentro do estúdio". Em vez de buscar pessoas de rádio, sua base era formada por jornalistas que vinham da imprensa escrita. Um marco, como se vê. A lista é incompleta: desenhistas como Borjalo, Appe e Millôr Fernandes, humoristas como Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta), comentaristas políticos como Tarcísio Hollanda e o comentarista internacional Newton Carlos, Gilda Muller fazia a parte feminina, e havia cronistas como Ricardo Amaral, Maneco Muller, Ibrahim Sued, José Lewgoy e Reinaldo Jardim, além da equipe de grandes locutores, como Cid Moreira, Luiz Jatobá, Célio Moreira, Fernando Garcia, Jorge Sampaio e Moacir Lopes.

Mas, é impossível ressuscitar no texto batucado na cadência da saudade, o impacto da novidade que quebrava todos os padrões na explosão da ousadia. No palco, com fundo neutro para não desviar a atenção, meia dúzia de banquinhos de três ou quatro pés: truque para obrigar a postura correta, de busto empinado, sem o derreado relaxamento das poltronas.

O rodízio disparava, com os dois, três minutos de cada um. E a câmera acompanhava a velocidade alucinante da passagem dos comentaristas anunciados pelos locutores.

Não podia durar muito. O Jornal de Vanguarda foi assassinado pelo Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, no governo do general-presidente Arthur da Costa e Silva, que oficializou a ditadura e instituiu a censura à imprensa.

Fernando Barbosa Lima resume o fim: "Toda a equipe se reuniu convicta de que um programa como o Jornal de Vanguarda não poderia ser submetido à censura total imposta pelo AI-5. Decidimos então tirar o jornal do ar – a última frase da última edição foi: um cavalo de raça mata-se com um tiro na cabeça".

É golpe


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O que está em andamento na Bolívia é uma tentativa de golpe contra o presidente Evo Morales. Segue uma linha ideológica e táticas parecidas às que levaram ao golpe no Chile, em 1973, contra o governo de Salvador Allende, tão constitucional e legítimo quanto o de Evo Morales.

Os bloqueios agora adotados nos Departamentos são a cópia de locautes de caminhoneiros que ajudaram a sitiar o governo Allende.

Outra semelhança: Allende elegeu-se presidente, em 1970, com pouco mais de um terço dos votos (36%). Mas, três anos depois, sua Unidade Popular saltou para 44%, em pleito legislativo, o que destruiu qualquer expectativa da direita de vencê-lo política ou eleitoralmente.Foi na marra mesmo, o que deu origem a um dos mais brutais regimes políticos de uma América Latina habituada à brutalidade.

Evo Morales também se elegeu com menos votos do que obteve agora no chamado referendo revogatório, o que demonstra um grau de aprovação popular até surpreendente para as dificuldades que o governo enfrentou desde o primeiro dia, em parte por seus erros e em parte pelo cerco dos adversários.

A luta dos Departamentos pela autonomia, eixo da crise, é também legítima e precede Evo Morales.

Mas passou a ser apenas um biombo para encobrir as verdadeiras intenções, cristalinamente reveladas a Flávia Marreiro, desta Folha, por Jorge Chávez, líder "cívico" de Tarija, um dos Departamentos rebelados contra o governo central: "Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz".

Cena mais explícita de hidrofobia e racismo, impossível. Nem o governo nem a oposição no Brasil têm direito ao silêncio, escondendo-se um na não-ingerência em assuntos internos e outra em preconceitos similares.