segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cem anos sem Machado de Assis


A morte de um dos gênios da nossa literatura completa 100 anos hoje. Machado de Assis escreveu uma obra de relevância universal sem nunca ter saído do estado do Rio.


“Não vou viver com ninguém. Viverei com o Catete, Largo do Machado, a Praia de Botafogo e do Flamengo”.
(Machado de Assis)

Artistas entram em cena na caminhada de Gabeira


Pedro Vieira
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Eduardo Moscovis convocou colegas, e o candidato mostrou-se otimista


Apesar do tempo chuvoso, o Arpoador estava lotado, ontem. Através de um e-mail – criado pelo casal Eduardo Moscovis e Cynthia Howlett – convocando as pessoas para uma manifestação em favor da candidatura de Fernando Gabeira (PV), dezenas de artistas compareceram ao local para prestigiar o candidato. Moacir Góes, Cissa Guimarães, Lydia Matos, entre outros tantos, eram figuras presentes na manifestação. Apesar de estar em terceiro lugar, a manifestação inflou a confiança de Gabeira.

– Eu respeito todas as candidaturas, todos podem ter chance, mas acho que tenho o eleitor mais empolgado, ainda mais depois desta manifestação – orgulhou-se Gabeira, que disse se sentir grato e feliz com o apoio dos artistas.

O idealizador, Eduardo Moscovis, ficou impressionado com as centenas de pessoas que compareceram e contou como surgiu a idéia da manifestação.

– Era para ser uma manifestação pequena. Tive um sentimento de omissão e percebi que há muito tempo não tínhamos um candidato como o Gabeira, que tem propostas, não ataca os adversários e é transparente – explicou Moscovis, que confessou ser alheio à política. – Nunca me envolvi. Esta é a primeira vez que participo de uma manifestação assim.

Sua mulher, Cynthia Howlett, também assumiu estar distante da política, mas não se orgulha disso.


– A última vez que participei de uma manifestação política foi na época do Collor. Acho que era para nós estarmos acompanhando mais – admitiu Cynthia, brincando com o marido. - Normalmente, ele tem a idéia, mas sou eu quem executa.

Candidato de todos

Os candidatos a vereador aproveitaram para tirar uma casquinha da manifestação e levaram seus cabos eleitorais para reforçar as candidaturas. Acompanhando Gabeira, caminharam até metade da praia de Copacabana. A militância também esteve presente e garantiu: que Gabeira não é só Zona Sul.

– Hoje, todos estão preocupados com o meio ambiente. Não é só a Zona Sul, e o Gabeira tem essa preocupação ecológica – afirmou Felipe Cardoso, morador de Cavalcanti, na Zona Norte. – Através dos candidatos a vereador, Gabeira conseguiu atingir pessoas de toda a cidade.

Fernando Gabeira contesta números do Ibope no Rio

Marcelo Auler, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Deputado critica diferença entre instituto e Datafolha

Apontado nas pesquisas como o candidato à Prefeitura do Rio que mais tem crescido - uma alta de quatro pontos nas duas pesquisas mais recentes -, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) contestou ontem os resultados do Ibope. Pesquisa do instituto, contratado pelo Estado e pela TV Globo, o coloca em terceiro lugar, com 10% das intenções de voto, mas a uma distância de 14 pontos do segundo colocado, o senador Marcelo Crivella (PRB). Pelo Datafolha, o candidato verde tem 15% e o bispo licenciado da Igreja Universal, 18%.

“Eu sempre disse que o Ibope estava a serviço do PMDB. Tenho condições de demonstrar que eles têm contrato com o PMDB no Estado inteiro. As pesquisas deles, no meu entender, não têm credibilidade. As pesquisas a que eu dou mais credibilidade são a do Datafolha e a do GPP, onde a situação é muito parecida”, disse, durante uma caminhada ontem de manhã na orla da zona sul do Rio.

Pelas pesquisas, o peemedebista Eduardo Paes (29% tanto no Ibope quanto no Datafolha) já estaria praticamente garantido no segundo turno. A segunda vaga é que está indefinida. Mas, pelo Ibope, Crivella, com 24%, seria o mais provável concorrente. Já pelo Datafolha, três candidatos estariam em empate técnico: Crivella, com 18%, Gabeira, com 15% e Jandira Feghali, do PCdoB, com 13% (pelo Ibope ela tem apenas 9%).

Embora desponte com possibilidades de alcançar o segundo turno como o segundo mais votado, Gabeira recusa-se a fazer a campanha do voto útil entre os chamados eleitores de esquerda. Ele garante que chegará ao segundo turno com o voto progressista. “Respeito todas as candidaturas, acho que todos, trabalhando, podem ter chance. Com os votos de consciência eu vou chegar lá.”

Para ele, nesta última semana, o importante serão os eleitores conscientes. “Esta semana é decisiva, onde o principal protagonista não é o candidato, é o eleitor. Quem tiver os eleitores mais decididos, mais empolgados e com mais argumentos, vai levar. Estou certo que tenho os eleitores mais confiantes, mais empolgados, mais decididos.”

Em campanha na zona oeste, Crivella preferiu não polemizar com os institutos de pesquisa. “A melhor pesquisa, para mim, é o carinho que tenho recebido do povo nas ruas”, disse, segundo seus assessores. Ele destacou que tem chances de ir ao segundo turno.

Daqui para o futuro


Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Não é exagero dizer que o Brasil anda sem sair do lugar, como quem se esfalfa para fazer quilômetros na esteira. Haja paciência. Não há recordes nem recordistas no desempenho humano sobre esteiras rolantes. Os que saírem vitoriosos das urnas, em número muito inferior aos que entraram, celebrarão como for possível, e os derrotados simularão júbilo cívico por conta da democracia. Como nada muda, a não ser de endereço postal, a democracia segue em frente com a ilusão dos mais novos temperada pelo cansaço dos mais velhos. Faz parte do ritual. Os eleitores vão reincidir na conclusão de que na democracia sempre se volta ao ponto de partida, ou então não é.

A despeito do que possa acontecer e, com toda a certeza, do que vai ocorrer de um jeito ou de outro, o bordão nacional entoará que o Brasil nunca mais será o que era. Uma pena, se for privado do que tem de melhor, que é a disposição para a democracia. Pesquisas adiantam o resultado das urnas, não o futuro cuja existência universal Santo Agostinho negou em suas confissões. Dizia ele que, depois de muito esperar, quando percebia, o futuro já tinha passado. Fugidio por natureza, quando sai de onde está, vai direto para o passado. O presente não é com ele, mas conosco. Não quer dizer muito, mas o que está para acontecer deixa no ar a impressão de conteúdo histórico denso. Vai ver são as mesmas bolhas de sempre. Seja o que for, o pacote estará dialeticamente correto quando sair das urnas, e politicamente resolvido, sem esquecer de apresentar novas dificuldades a velhos problemas.

O Brasil está preparado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais do que grande eleitor no plano municipal, mantém a forma no vazio da própria sucessão, que continua em todas as cabeças, inclusive dos favoráveis ao terceiro mandato. Acredita-se que a hipótese se desfez mas se refaria como bonificação pelos dois anteriores. Um mandato a mais, não faz diferença. A versão segundo a qual o raio não cai duas vezes no mesmo lugar não se aplica ao mandato presidencial no Brasil, onde o precedente da reeleição abriu a porteira. Somos experimentalistas natos. Não haverá mais presidente que se contente com o primeiro mandato, nem argumento que o detenha. Pode-se garantir que, excluídas as mulheres, fogo de morro acima, água de morro abaixo e o terceiro mandato presidencial, ninguém pode impedir quando chega a oportunidade.

Se o desempenho do governador José Serra mantiver a preferência acintosa nas pesquisas, a futura sucessão presidencial manterá curso natural? Não é preciso pagar para ver. É de graça. O Brasil continua politicamente aberto. Os partidos escondem-se exatamente quando deviam apresentar, como responsáveis pelas candidaturas, programas de governo – municipal, estadual ou federal _ e alguém com capacidade pessoal e compromisso de realizar o que for proposto, e proposto por ser viável, não para enganar. No caso de José Serra, o interesse contrário não está nos concorrentes ocultos, mas ao lado dele na mesma social-democracia nominal. O terceiro mandato pode até ressuscitar. Há tempo de sobra.

O PSDB tem endereço histórico à esquerda, embora ilegível desde que o neoliberalismo se dissipou e as variantes perderam o rumo. A democracia se diz imunizada contra o golpismo republicano, mas não avalia o efeito negativo da falência da representação política. Os partidos fazem de conta que não tem gravidade o desencontro entre a opinião pública, de fundamento pequeno-burguês, e a representação política de costas para o eleitor. Tem, e muita. Trará perigo o efeito tardio da pérfida solução de manter aberto, mas vazio de poder, o Congresso Nacional nas duas décadas de controle militar da República. O efeito perverso explica-se com o desinteresse pelo debate de qualidade e o gosto pela ociosidade de alta remuneração, mas sem dignidade política. As conseqüências mantiveram-se ocultas por falta de oportunidade, mas reapareceram por necessidade. As sementes da ditadura eram de uma planta venenosa: deixar o Congresso aberto só serviu para expor o vazio legislativo à execração pública e erodir a credibilidade representativa.


A primavera chegou com buquês de pesquisas que garantem a Lula, por cima da confusão, votos de prosperidade eleitoral da maneira que for possível.

Entrevista - Gilmar Mendes: "O aparato policial do Estado hoje está fora do controle"


Andréa Michael e Felipe Seligman
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Presidente do STF diz que grampo em diálogo serviu para criar uma "reação" e mostrar que país atingiu limite em que "é preciso dizer basta"


PRESIDENTE DO STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Gilmar Ferreira Mendes, 52, afirmou que o aparato policial do Estado está fora de controle e que o grampo ilegal do qual ele foi vítima no último mês de julho serviu para alertar os Poderes constituídos da situação que o país atravessa. Em entrevista concedida à Folha na manhã da sexta-feira, Mendes disse ser contrário a qualquer miniassembléia constituinte, que chamou de "aventura", e afirmou considerar urgente reformas constitucionais ou infraconstitucionais.

O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, diz que é preciso modificar o sistema de eleições e também a elaboração e aplicação do Orçamento, que, segundo ele, deve ser impositivo pelo menos parcialmente e não apenas meramente indicativo, como é hoje.

FOLHA - Depois de 20 anos, o que está ultrapassado na Constituição?

GILMAR MENDES -
Temos de situar esse texto na história. Saíamos de um processo ditatorial, de insegurança total.
Imaginava-se que o porto seguro era a Constituição constitucional, o que levou a um texto mais analítico. Tínhamos um quadro inflacionário muito evidente no governo [José] Sarney, que ao final chegou aos 84,32% ao mês.
Não por acaso a Constituição incorpora direito à revisão de vencimentos, à correção no âmbito da Previdência. Mas a grande vitória do Brasil no campo político foi conseguir maioria constitucional para fazer as reformas, independentemente da alternância de poder.Não sou favorável a uma miniconstituinte. O texto constitucional não comporta esse tipo de aventura.

FOLHA - O que precisa mudar?


MENDES - É urgente uma reforma política. Os senhores [da imprensa] têm registrado a absorção de funções do Legislativo pelo excesso de medidas provisórias, a presença excessiva de suplentes no Senado. Isso passa pela revisão do modelo eleitoral.

FOLHA - Recentemente houve críticas de que o STF, com seus poderes, estaria legislando.


MENDES - É uma crítica inevitável. Não se trata de uma opção do STF em face da moda. Decorre do texto constitucional.
Há um problema de funcionalidade decorrente do próprio mecanismo do sistema eleitoral, que adotamos desde 1932, o modelo proporcional, que dificulta a formação de maioria para um modelo decisório e está produzindo distorções.
De um lado, a intervenção excessiva do Executivo, distorções na realidade orçamentária, que acredito ser um ponto sério de reforma, para ter um Orçamento digno deste nome, real, efetivo, minimamente impositivo. Você pode ter necessidade de adaptação, mas hoje temos grandes problemas, inclusive da manipulação do sistema político, pelas tais emendas parlamentares.A feitura do Orçamento à medida que a fila anda, com a abertura de créditos extraordinários a cada momento para situações que são corriqueiras. É preciso rediscutir.

FOLHA - Isso vai e volta.


MENDES - É como se fosse reformar um avião em pleno vôo com seus próprios passageiros.Essas pessoas se perguntam: "O que vai acontecer comigo?".
Dizem: "Mas esse modelo é bom porque ele propiciou a minha eleição". Por isso que é difícil, mas o país reclama. Não temos no Supremo Tribunal Federal qualquer pretensão de substituição do Legislativo.
Mas, muitas vezes, temos atividades complementares.

FOLHA - Por que a súmula do nepotismo não foi cumprida?


MENDES - Trata-se de um fenômeno que é jurídico, constitucional, mas que é político e cultural. Isso existe no Brasil desde sempre. Está sendo cumprida. É uma questão de tempo.

FOLHA - O sr. tem uma formação técnica, mas também ocupou cargos por indicação política. Como o sr. vê essa relação?


MENDES - Acho importante, porque me dá visão mais complexa das coisas. Primo por coerência. As posições que sustentei, por exemplo, no governo Fernando Henrique, eu as sustento hoje com a mesma transparência. E em temas absolutamente antipáticos, que defendo por convicção, como prerrogativa de foro e todos os temas ligados ao Estado de Direito.

FOLHA - Daí as críticas de ter concedido tão rapidamente um habeas corpus a Daniel Dantas?


MENDES - Concedi nesse caso, como em todos os que chegam ao tribunal relacionados a inúmeros anônimos.

FOLHA - No caso da Operação Satiagraha, o senhor declarou recentemente que não era legal a atuação da Abin como polícia judiciária.


MENDES - Disse o seguinte: inicialmente, essa participação foi negada. Depois se disse que houve uma cooperação tópica para assuntos estratégicos. A terceira versão foi a de que participaram dois ou três servidores previamente designados.
Em outro momento se descobrem que eram 52 agentes da Abin, e depois 56 agentes, e não sei se paramos por aí.
Revela-se também uma quantidade enorme de dinheiro despejado nisso. A Abin não foi subsidiária. Pergunto: pode haver uma cooperação nesse nível? Quem autoriza?

FOLHA - Sua opinião.


MENDES - Entendo que não. Isso é indevido e não estou a discutir provas, estou a dizer: que projeto político se escondia atrás disso? Era criar o quê?
Uma super Abin e PF, uma fusão delas duas? Será que foi disso que nos livramos a partir da revelação desses fatos? Que projeto se escondia atrás disso?Que a Constituição não contempla eu não tenho a menor dúvida. Polícia judiciária é atividade da Polícia Federal.
Que possa haver alguma cooperação, pode haver. Pode-se considerar como cooperação quando a presença do órgão de cooperação é maior do que a do órgão que recebe o apoio?

FOLHA - Qual o reflexo disso sobre a legalidade da operação?


MENDES - Sobre isso nem falo. A questão concreta não tem relevância alguma, a não ser no momento em que ela ilumina o projeto institucional que estava por trás disso. E acho que era extremamente perigoso para a democracia. Uma mente perversa pensou isso.

FOLHA - Qual é o impacto institucional do grampo telefônico do qual o sr. foi alvo?


MENDES - No plano institucional, tenho a impressão de que há algum tempo o Brasil denuncia o descontrole dessas áreas e de alguma forma nós até toleramos e legitimamos esse processo, como o vazamento sistemático, a não-punição dessas pessoas.
Isto nos demandava uma reação. Mas quando a questão se alçou a esse plano de ouvir senadores, ministros do Supremo, e quando isso se comprovou, então isso chamou a atenção da sociedade e atingiu aquele limite no qual é preciso dizer basta. É preciso que haja uma reação porque nós estamos na verdade no plano do excesso das anomalias.
Tenho impressão que foi nesse sentido. O presidente se sentiu atingido, os presidentes das Casas se sentiram atingidos, todos se sentiram de alguma forma afetados por isso. Nós todos no Judiciário de alguma forma éramos afetados por isso e também co-responsáveis, porque deixamos isso crescer sem limites.


FOLHA - Mas quem está fora de controle?


MENDES - Acho que o aparato policial. Claro que há outros problemas, mas obviamente que se tolerou esse tipo de coisa e o aparato policial, com suas negociações com a mídia, se autonomizou diante do próprio Judiciário. A Operação Têmis [Deusa da mitologia grega que era convocada em julgamentos de magistrados], por exemplo. Se deu esse nome por quê? Sendo uma investigação que começou no âmbito do próprio Poder Judiciário, mas quando ela vai para a polícia ela ganha esse nome. Pensado para denegrir a imagem do Poder Judiciário.O relator [ministro do STJ Felix Fisher] decide não prender os eventuais envolvidos e é desqualificado por delegados da Polícia Federal. As representações que ele fez para o Ministério Público resultaram arquivadas. Ontem, eu li os episódios envolvendo o ministro Fisher e me senti um pouco envergonhado de não ter reagido.

FOLHA - Mas ficar preso ao debate não tira o foco das investigações?


MENDES - Isso não tem nada a ver com o combate à impunidade. Estou falando como quem trabalhou na lei de interceptações telefônicas, na lei dos crimes organizados, na lei de lavagem de dinheiro, eu estava no Ministério da Justiça nesse período. Não se trata de nenhuma transação. Agora, combate ao crime organizado dentro dos ditames do Estado de Direito. É possível combater o crime organizado dentro das regras do Estado de Direito? É e é isso que se quer.

FOLHA - E o projeto de lei para punir o vazador que aborda também a punição de jornalista. Isso fere um preceito fundamental?


MENDES - Não conheço o projeto do governo, mas tenho a impressão de que nós temos hoje um tal descritério e um tal descontrole no vazamento que temos que fazer uma séria atuação nesta área. Que se abra inquérito imediatamente ao vazamento. Hoje temos um problema muito sério e isso é um problema do governo.

Um capitalismo que se dê ao respeito


Fábio Wanderley Reis

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em matéria dedicada ao plano do governo dos Estados Unidos para o resgate das finanças do país, diz a revista "The Economist", na edição de 25 de setembro, que "a idéia de qualquer resgate é profundamente perturbadora para qualquer capitalista que se dê ao respeito". A sugestão é a de que um capitalista que se preze não deve ter por que ir ao Estado de chapéu na mão - ou, de modo mais amplo, a de que um capitalismo autêntico prescinde do Estado, a não ser como provedor de segurança institucional-legal para as transações privadas.

As proporções da crise financeira agora vivida pela economia americana trazem a indagação de como relacionar essa perspectiva com a idéia do "espírito animal" dos capitalistas - ou, em outra expressão de Keynes, com a tendência do capitalismo à "selvageria". Um Estado limitado a garantir o quadro legal geral é, como tudo indica que teremos de aprender de novo de maneira penosa, compatível com formas de atuação dos capitalistas que nada têm a ver com certo cavalheirismo vitoriano apontado por alguns entre os supostos da economia neoclássica, redundando antes na busca irresponsável e gananciosa de ganho. E o Estado (tal como, para fazer justiça, a própria "The Economist" vem frisando há tempos) tem necessariamente de exercer ativamente a vigilância e a fiscalização que neutralizem as tendências "selvagens". Um capitalismo que se dê ao respeito será aquele em que o Estado contenha a selvageria.

O drama crucial envolvido reside num aspecto que tem sido destacado, especialmente por autores de inspiração marxista, com a fórmula da dependência estrutural do Estado e da sociedade capitalistas em relação aos interesses dos donos do capital. Uma face benigna dessa dependência se tem em que os interesses "animais" dos capitalistas - ao criar empresas, crescimento econômico, oportunidades de emprego - podem apresentar-se legitimamente como correspondendo ao interesse público. A perversão disso, ou a face maligna, tem a ver com o fato de que a assimilação dos interesses dos capitalistas ao interesse público torna-se imperiosa, se certamente não mais legítima, justamente quando a selvageria faz desandar as coisas, como agora, e ameaça a todos com a catástrofe. Nesse momento, em vez da mera assimetria de ganhos em favor dos capitalistas, o que temos é a necessidade - com cheiro de chantagem - de que as perdas sejam socializadas, e o Estado, com os contribuintes a reboque, deve comparecer não como mero regulador, mas como ator decisivo, capaz de proteger os capitalistas (não necessariamente, por certo, cada um deles) das consequências de seu próprio destempero.

Mas a crise de agora traz novidades importantes. Em primeiro lugar, com respeito ao quadro geral da nova dinâmica econômica globalizada e seus correlatos. A intensa financeirização e as criações do "espírito animal" quanto a ela levaram antes a crises várias em países mais ou menos periféricos. Mas, enquanto o jogo corresse bem nos países centrais, era difícil imaginar que a ação coordenada em nível transnacional para contrapor-se às crises viesse de fato a ocorrer com a eficácia necessária: que cada país fizesse o "dever de casa" da prosperidade que a globalização dos ricos prometia. Atingido o coração do sistema econômico mundial, porém, torna-se muito mais realista a expectativa de de que venhamos a ter medidas de impacto eventualmente planetário, até pelas assimetrias econômicas mesmas do mundo globalizado.

Além disso, a expectativa de novidades parece justificar-se também pela maneira específica em que se dá o impacto da crise nos Estados Unidos. Para começar, temos a coincidência de sua manifestação mais dramática com o auge da campanha para a eleição do sucessor de George Bush. Se as coisas podem talvez acomodar-se sem ressonâncias mais negativas quando se trata simplesmente de negociações mais ou menos sigilosas entre agentes poderosos do mercado e altos representantes sobretudo do poder executivo, as ressonâncias são grandemente amplificadas quando o Sr. Mercado tem de ir ao Congreso, como diz também "The Economist", em circunstâncias em que, por outro lado, um presidente pato-manco mercadista e dedicado a cortar impostos dos ricos tem de ir contritamente à televisão tentar atrair a bênção dos eleitores para o que aparece aos olhos de muitos como doação de dinheiro à rica e odiada Wall Street - e doação feita a toque de caixa, antes que o mundo acabe e enquanto o patrimônio modesto de muitos se derrete. Na pergunta dirigida pelo senador John Tester, Democrata de Montana, a Hank Paulson, secretário do Tesouro, e Ben Bernanke, presidente do Fed, relatada por Timothy Egan em blog do New York Times: "Por que temos uma semana para decidir se vamos apropriar 700 bilhões de dólares ou se o sistema financeiro do país vai pelo ralo?"

Diante da incúria evidente a todos os condenados a sofrer as consequências, o que agora é difícil imaginar é que continue tudo na mesma.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

A volta a Keynes e a insanidade dos mercados


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O agravamento da crise nos mercados financeiros recolocou o nome de John Maynard Keynes e suas idéias no centro do debate econômico. Sempre que os excessos de uma economia sem regulamentação ocorrem, esta volta às idéias do grande economista britânico se repete. Talvez tenha sido uma crítica sensata e inteligente aos limites do chamado livre mercado sua grande contribuição ao pensamento humano. Por isto sua presença imaginária seja tão forte nos dias de hoje.

Para mim, o grande legado de Keynes continua sendo seu raciocínio brilhante na análise dos fenômenos econômicos reais. Keynes sempre procurava entender estas questões respondendo, inicialmente, a uma pergunta simples, mas definitiva: "Qual é o problema que estamos tentando resolver?"

Esta metodologia, mais de engenheiro do que de economista, está sempre presente nos momentos mais ricos de sua vida. O leitor que quiser constatá-la deve ler seu trabalho "How to pay for the War".

Uma vez conhecido em detalhes o problema a ser enfrentado, ele partia para a elaboração de uma possível solução dentro do quadro teórico disponível para as economias de mercado. Por isto sempre disse a meus alunos que não seguissem com rigor religioso o arcabouço teórico de Keynes, pois ele envelheceu com a evolução das economias de mercado, mas que aprendessem sua forma única de pensar a economia.

Para entender a grave crise financeira de hoje, vamos seguir o método keynesiano de pensar. Se assim o fizermos, chegaremos a um ponto central para explicá-la: a utilização sem limites da securitização de operações de crédito ocorrida nestes últimos anos. Uma das grandes invenções financeiras modernas, sua utilização em um ambiente de regulamentação frágil, acabou por arrastar os mercados a uma situação gravíssima. Para sair desta armadilha, que ameaça arrastar a economia do mundo para uma recessão profunda e extensa, será necessária a mobilização de recursos fiscais em grande proporção, de forma a salvar da insolvência um grande número de instituições financeiras.

E por que a securitização de créditos pode ser responsabilizada por isto? Porque sua utilização - sem controle adequado, repito - destruiu duas cláusulas pétreas do sistema bancário: a relação formal e operacional entre credores e devedores e o controle quantitativo da alavancagem das operações de crédito.

A primeira cláusula é responsável pelo conhecimento da capacidade de pagamento dos devedores individualmente e pela possibilidade de, diante de um problema de inadimplência, uma negociação direta entre credor e devedor. No caso dos derivativos criados pelo agrupamento de devedores em um único contrato, estes mecanismos tradicionais não podem ser exercitados de forma eficiente em um momento como este. Ao se agrupar devedores espalhados por diferentes regiões geográficas e sem um cadastro individual conhecido, perderam-se muitas décadas de conhecimento da atividade bancária.

Tudo foi substituído por um tratamento estatístico, altamente complexo e não testado em condições extremas. A ilusão de que as agências de rating de crédito detinham uma tecnologia sem possibilidade de falhas fez com que estes títulos se espalhassem pelo mundo. Passaram a fazer parte das carteiras de investimento um número imenso e diversificado de investidores institucionais, todos certos de terem uma avaliação correta dos riscos incorridos.

Outro problema desta metodologia é que havia um claro conflito de interesse na ação das agências, na medida em que estas eram remuneradas por serviços prestados aos emissores destes títulos. Recentemente foram divulgados e-mails trocados por funcionários destas empresas e que revelam procedimentos inadequados.

Por outro lado, a utilização descuidada da securitização enfraqueceu de forma importante a limitação quantitativa da relação dívida em circulação e capital do sistema bancário. Ao retirá-los dos livros dos bancos - e, portanto, dos limites do acordo da Basiléia -, a securitização permitiu uma expansão sem controle do crédito ao setor privado, principalmente aos indivíduos. Este excesso, em um ambiente de grande confiança na economia, levou ao crescimento desmedido do endividamento do consumidor, principalmente nos Estados Unidos. Não por outra razão, o consumo dos americanos representa hoje mais de 70% do PIB na maior economia do planeta.

Pior ainda, a certeza de que o risco de crédito nas operações securitizadas seria repassado para terceiros fez de um grande número de intermediários financeiros apenas uma fonte geradora de ativos. Remunerados em função do volume de contratos que conseguiam produzir, sem assumir riscos de inadimplência, qual o incentivo de se buscar devedores com capacidade inconteste de honrar seus compromissos? Na forma como operou o sistema bancário, nenhuma exigência de coobrigação de crédito existia na cadeia de negociação destes títulos. No caso das cessões de operações de crédito dentro do sistema bancário, este é um cuidado que esteve sempre presente no passado.

Este sistema operou trilhões de dólares, durante mais de cinco anos, sem que os órgãos reguladores atentassem para os riscos envolvidos. Como sempre acontece, esta verdadeira corrente da felicidade continuou até que as restrições financeiras reais dos devedores se impusessem e criassem a crise iniciada em julho do ano passado. Várias outras disfunções foram aparecendo ao longo do processo e também contribuíram para a dimensão da crise atual. Cito apenas uma para ilustrar esta minha observação: os próprios bancos aumentaram ainda mais a oferta de crédito ao utilizarem os chamados conduits para contornar os tênues limites de endividamento bancário em funcionamento.

O resultado deste período insano de crescimento descontrolado é a constatação de que será necessária uma injeção de capital no sistema financeiro de mais de US$ 1 trilhão para estabilizar a percepção de risco dos bancos. Este número é uma prova do descontrole dos últimos anos e nos mostra a incapacidade que tem hoje os BCs e outras instituições públicas de acompanhar a evolução criativa - ou destrutiva - do sistema financeiro moderno.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

"Temos medo, e o medo transformou-se numa indústria"


DEU NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS (LISBOA)

Concita de Gregorio. A escolha da ex-jornalista do 'La Repubblica' para comandar os destinos do 'L'Unità', não gerou consenso. Críticos dizem estar em risco o importante diário do país. As mulheres aplaudem a opção, sinal da mudança dos tempos. O DN traz-lhe o pensamento da nova directora do mítico jornal comunista

"Vivemos no eterno presente, sem memória e sem perspectivas", afirmou ao diário espanhol El Mundo a nova directora do italiano L'Unità. Concita de Gregorio, a ex-jornalista estrela de outro título italiano de esquerda, o La Repubblica, iniciou funções em Agosto, e tornou-se na primeira mulher a segurar no leme do mítico jornal do Partido Comunista Italiano, fundado pelo filósofo Antonio Gramsci em 1924.

"[Vivemos] na total ausência de responsabilidade. Só pensamos em nós mesmos", afirmou a jornalista, filha de mãe espanhola e de pai italiano. "É um problema estrutural. Temos medo: do outro, de perder, de não sermos fortes. E o medo transformou-se numa indústria. Esse é o nosso consenso: o medo", concluiu Concita, natural de Pisa e mãe de quatro filhos romanos (dos 23 aos cinco anos).

A esquerda também não está confortável no mundo real, afirmou, num espanhol perfeito, refere o título da Prisa. "Está a mudar de era, passando pela fase pós-ideológica, tentando entender a realidade. Está há 30 anos na jaula ideológica, opinando sobre qualquer coisa, seja o que for, com preconceitos e de orelhas tapadas." Por isso, tem forjado o "berlusconismo, anestésico para as cabeças (...), êxtase de lotaria, comerciantes desonestos e política cabaret, ética das pernas bonitas e do milio- nário golfista, modelo de arquétipo social Alberto Sordi [actor e cantor italiano], insolente e bajulador à vez, temperado com alguma visita a Putin ou a Kadhafi".

Talvez tenha sido por isso que Concita de Gregorio aceitou a proposta de Renato Soru, fundador da Tiscali, uma operadora de Internet, e governador da Sardenha, para dirigir o L'Unità, especula o jornal espanhol. De Soru, um dos homens mais ricos do mundo segundo a norte-americana Forbes, diz ser um "empreendedor muito moral, fora de moda e pouco falador, um anti-italiano". Além disso, a jornalista de 43 anos afirma que não aceitou o cargo "para fazer carreira, nem pelo dinheiro, nem para gritar", mas "para baixar o tom de voz, para falar das coisas reais, e para tentar explicar onde está a substância e onde estão os truques".

Receitas e dicas para mulheres?

"Já chega de opinião, agora precisamos de factos", escreveu Concita de Gregorio no seu primeiro editorial do L'Uni-tà, publicado no dia 26 de Agosto. A escolha da jornalista para dirigir o diário foi uma surpresa para muitos italianos, pouco habituados a ver mulheres em posições de poder. "Aposto que agora vamos ver muitas receitas simples para mães trabalhadoras, e conselhos sobre como se comportarem como prostitutas quando os maridos chegarem a casa", escreveu no diário de direita Il Giornale o italiano Paolo Guzzanti, um colunista e jurista conservador.

De acordo com a associação Save the Children, que avalia as condições das mulheres e das crianças com base nos rendimentos, participação política e saúde, a Itália está no segundo lugar dos países mais atrasados da Europa ocidental em termos de direitos das mulheres e equidade social (ranking liderado por Portugal). Neste contexto, a escolha de Concita de Gregorio é vista como assinalando uma possível mudança cultural no país.

"Fiquei muito surpreendida. É realmente um sinal de que os tempos estão a mudar, e de que Itália está a aproximar-se dos Estados Unidos da América e do standard dos países europeus" mais avançados, afirmou Anna Mazzone, editora da revista Formiche.

"Na Itália, temos tido a percepção de que não é suposto que um jornal político cubra direitos ou questões sociais relativas às mulheres", disse uma jornalista do L'Unità, que preferiu manter o anonimato. Razão que terá levado as mulheres a aplaudir a decisão. "Estou feliz como uma criança por, finalmente, ver uma mulher a dirigir o jornal", afirmou Maria Anna Sabelli, uma médica de Milão que é leitora há 30 anos.

Relativamente ao rumo que o jornal vai tomar, Concita de Gregorio garante que "vai ser diferente". Porque é preciso "indicar caminhos", "outras vias", que permitam chegar a "outros mundos possíveis". Apesar de confiante, a nova directora sabe que isso é algo que "vai levar tempo", e que precisa da contribuição de "todos, um por um". "Os jornais", conclui, "são objectos insubstituíveis, cuja lentidão é uma garantia para se dizer a palavra justa, e aprofundar, um antídoto para este tempo veloz em que a objectividade está morta."