terça-feira, 7 de outubro de 2008

Lula e a crise

Se houvesse uma lei sobre “decoro de cargo público” Lula seria o primeiro réu. É um craque em inventar, mentir. Só falta inventar que foi ele quem criou a figura de Deus. Bom, ele é pernambucano, daquela tradição gabolice que afirma, com toda a certeza, que o oceano Atlântico é criação do Rio Capibaribe, o maior Rio do Estado.

Todos os dias inventa algo. Cria adversários fictícios, falsos e na seqüência passa a combatê-los.

Esta manhã, aqui no Rio, repetiu a dose. Raivoso, ou representando um ator em peça de teatro, afirmou que tem muita gente torcendo para que a crise globalizada atinja o país. E afirmou que o Brasil é outro, muito melhor, muito mais forte. Mas, esqueceu de informar ao distinto público que as medidas tomadas lá atrás, como o Proer, ele próprio acusou de neoliberalismo.

Só Lula e mais ninguém ouviu e leu declarações de opositores ou críticos de seu governo falando ou escrevendo essas bobagens.

Muito pelo contrário. É do próprio governo que vem os alertas da crise. Ontem mesmo, o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central convocaram a imprensa para acalmar os empresários e banqueiros. Eles declararam que essa crise é pior e mais duradoura que aquela de 1929. E como se conhece, aquela atingiu o Brasil. E, mais, anunciaram providêcias que foram sacramentas em medida provisória.

O que não pode são os responsáveis pela política econômica falarem uma coisa e o Presidente andar falando tolices nas suas apresentações teatrais.

Só os visionários enxergam o óbvio


Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO


Pego o avião e vou ao Rio votar. Lá embaixo, a cidade se amontoa em milhares de casebres como uma grande inflamação cor-de-tijolo subindo nos morros - uma casca de feiúra e tristeza encurralando a beleza natural do mar e o desenho sensual das montanhas. Lá está o verdadeiro Rio, a metástase crescente de um câncer original de descaso, anomalias populistas e economia precária, fragilizada depois do fim do Estado da Guanabara. Penso: "Não tem solução... Que adianta votar em alguém diante desse labirinto?" Quem vai dar jeito nisso? - pergunta a manchete do O Globo. Sei lá - a cidade está emperrada desde a teimosia da honrada burrice do Geisel, que disse na época: "Não consultei ninguém para acabar com o Est. da Guanabara; eu sabia que era bom." Pois não era, general. O senhor quebrou o Rio e nos fez engolir os vícios do atraso fluminense.

Militares têm a arrogância, o prazer sádico de fazer aquilo de que todos discordam. Assim, destruíram o Palácio Monroe por nada, criaram o imundo minhocão sobre o Centro Histórico do Rio na Praça 15, acabaram com as cachoeiras das Sete Quedas sem avisar ninguém, puseram as usinas nucleares poluentes e perigosas no paraíso de Angra dos Reis. Por isso, olhava o Rio lá embaixo com amargo desgosto.

Só que, a meu lado no avião, ia o economista Paulo Rabello de Castro, diretor do Instituto Atlântico, mais dedicado à busca de soluções do que à angústia dos problemas. Paulo tem fama de visionário para uns e de pragmático para outros. Eu o considero um mix: visionário do pragmatismo. Ensaio com ele um papo desesperançado de carioca típico, mas Paulo revida e dispara várias idéias animadoras, arquejante de fé, anulando meu sorriso desiludido que tanto nos consola, justificando a depressão e o chope. Paulo é rápido e inteligente e fala em possibilidades para o Rio.

"O Rio tem saídas múltiplas - anuncia Paulo, de dedo em riste, comendo o triste, escasso biscoito de goiabinha que a Gol oferece (será que o Nonô Constantino planta goiabais?) - "o Rio pode brilhar de novo..." E, pálido de esperança, me desfia soluções.

Seu programa (imaginário ou realista?) seria uma legislação especial que desse conta do vazio deixado pelo sumiço do Estado da Guanabara, talvez a criação aqui de uma Zona Franca Financeira, algo como Hong Kong. Nas favelas e outras periferias de "invasão", a viabilização de títulos de propriedade aos moradores mudaria a mentalidade das favelas, com os novos e inúmeros proprietários que, defendendo seus bens, se sentindo mais cidadãos, resistiriam melhor a milícias e tráficos. O Rio já é por vocação, vide TV Globo e pólos de cinema, um centro de produção de arte e cultura, de entretenimento, design, moda. Por que não investir fortemente nesse vértice? Nos fundos da cidade, em remotos subúrbios, poderia haver a criação de ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação). Com mão-de-obra abundante, isso possibilitaria condições reais de emprego e desenvolvimento. E a cidade da beleza, com o turismo imensamente incrementado?

Quando Paulo falava, me bateu a certeza inapelável: o verdadeiro visionário enxerga o óbvio que ninguém vê. No caso do Rio e em (outros municípios) nosso labirinto "corrupto-burocrático-indolente-incompetente-paralítico" é tão impenetrável, que a melhor maneira de combatê-lo seria acoplar fatos e obras novas, inéditas, não testadas que reajam contra o sistema velho, criando oposições, alternativas e corroendo velhos hábitos. Uma ZPE nos fundos do Rio pode mudar uma região, econômica, cultural e psicologicamente. Só as coisas podem mudar as coisas.

Em São Paulo, por exemplo, Kassab fez o óbvio: sem ranços ideológicos, teve imaginação, limpou a cidade, civilizou centros decadentes e marginais. No Rio, se Gabeira for eleito, poderá colocar sua vivência de aventura e luta numa administração imaginosa, original, até em experiências público-privadas como foi o Museu do Futebol em SP.

Mas nada que seja parecido com os factóides catastróficos do ex-prefeito atual blogueiro César Maia, que inviabilizou o projeto viário de Lúcio Costa para a Barra através do monstrengo da Cidade da Música, um transatlântico encalhado nos cruzamentos, além do custo astronômico, como apontou o especialista Hugo Hamann, outro dia em O Globo.

Nessa nova fase política para o Rio, S.Paulo, Belo Horizonte, não dá mais para engolir os teóricos do impossível, os analistas críticos do labirinto sem solução. Um pensamento puramente quantitativo, lógico, não dá em nada, como os famosos apelos ao bom senso dos abraços na Lagoa de camisa branca. Não há como resolver por dentro a paralisia. Como limpar a banda podre da polícia? Como transformar a Câmara Municipal em templo de honestidade, como desburocratizar a cidade, como desfazer favelas e tráfico, como resolver a segurança? Quem faria essa grande mudança? Onde haverá tão gigantesca e utópica vontade política, onde arranjar os bilhões e os longos anos de reformas? Quem faria? Um superprefeito com superpoderes, um exército de burocratas arrependidos, uma súbita câmara de vereadores purificados, faxineiros do bem, pelotões de generosos e solidários, uma revolução? Não adianta. Não dá mais pé vermos de um lado os práticos homens do mal, dentro e fora da política, roubando e impedindo o progresso e, do outro lado, os desesperançados teóricos da análise crítica lamentando impossibilidades.

Agora que parece que o Rio de Janeiro vai se livrar de décadas de populistas e mentirosos, pode ser que entremos em nova era política e administrativa. As prefeituras têm de ser o lugar de experimentos imaginosos. Em vez de serem chocadeiras para deputados federais e senadores, as prefeituras têm de ser as células descentralizadas do "novo", centros de experimentação de soluções maiores, células sim que podem regenerar as atrofias do Sistema maior.

Essas coisas graves me surgiram enquanto Paulo falava com seu biscoito de goiabinha e me seguiram até a hora em que votei na maquininha democrática.


O fundamentalismo do século XIX

Matéria publicada hoje pelo jornal O Globo, afirma: ”Cabral e Paes articulam bloco de esquerda”. A pergunta é simples. Qual esquerda? A do século XIX? Aí, decretam: quem não estiver fotografando a bunda da história não é de esquerda. Quem não segue a cartilha do populismo, não é de esquerda. E a cartilha tem regras, mandamentos. E o catecismo da esquerda albanesa, stalinista, diz como é ser de esquerda.

A cartilha diz que só é de esquerda quem exalta o líder carismático; usa e abusa da palavra, se apropria dela; quem fabrica a verdade; quem usa de modo discricionário os recursos públicos; quem não tem paciência com as sutilezas da economia e das finanças; quem divide diretamente, via Estado a riqueza; quem alimenta o ódio entre ricos e pobres; quem mobiliza permanentemente, via Estado, os grupos sociais. quem apela, organiza, inflama os pobres; quem procura sistematicamente um "inimigo externo"; quem despreza a ordem legal; quem mina, domina e, em última instância, domestica ou cancela as instituições da democracia; quem abomina os limites a seu poder.

A massa manobra


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao fim de cada eleição, quatro questões de imediato se impõem no cenário do dia seguinte: o grau de acerto das pesquisas, o balanço de perdedores e ganhadores, o efeito do resultado presente sobre o pleito seguinte e o chamado recado das urnas.

Antes de conhecidos os resultados do primeiro turno dessas municipais as quatro perguntas de sempre já mobilizavam o mundo político que, evidentemente, fornece as respostas de modo a compatibilizá-las com o interesse dos respectivos grupos.

Desta vez, porém, no primeiro momento houve um inusitado consenso a respeito da derrota de uma tese: a da transferência automática de votos do político popular para seus candidatos, quaisquer que sejam eles, independentemente de seus atributos pessoais.

O prejuízo, claro, foi maior para quem alimentou com mais vigor a teoria, superestimou o tamanho das próprias pernas e ousou passos além de suas possibilidades. Assim, o presidente Luiz Inácio da Silva e o governador de Minas, Aécio Neves, conseguiram construir para si fracassos desnecessários. E até inexistentes do ponto de vista objetivo.

Não tivessem inflado a expectativa dos próprios poderes, não estariam hoje ambos encabeçando o rol dos perdedores.

Tanto fomentaram o mito, que acabaram vítimas, ao inverso, da profecia que cumpre a si mesma.

O presidente Lula celebrou sua capacidade de influência sobre a cabeça do eleitor por toda parte e baixou a guarda: pregou a vitória de Marta Suplicy no primeiro turno, jogou-se de cabeça, tronco e membros na eleição de Luiz Marinho, desfilou de peito aberto em Natal tentando alterar uma preferência inalterável do adversário, não organizou sua enorme "base" partidária, preferiu confiar no improviso da intuição, na força da popularidade e, com isso, em alguns lugares transformou vitórias em derrotas.

O Rio, por exemplo. O candidato de seu fidelíssimo aliado, o governador Sérgio Cabral, chegou na frente, mas o presidente não pôde capitalizar o resultado. Tinha todos, em tese, ao seu lado, e marcadamente não teve ninguém: o PT ficou de fora, bem como Marcelo Crivella, presenteado até com obras do PAC.

Todo o carnaval feito em torno da história da transferência teve um péssimo efeito sobre a pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff. Até agora escorada apenas na mitologia da transposição de votos, sua consistência balança junto com a teoria. E para quê? Por um prazer fortuito de ser visto como o tal.

Em Belo Horizonte deu-se quase igual. O candidato da aliança entre Aécio e Fernando Pimentel, do PT, passou para o segundo turno, mas pareceu ter perdido a eleição. Porque se imaginava que um governador com 86% de aprovação popular junto de um prefeito com 76% de avaliação positiva fossem capazes de eleger com louvor e glamour no primeiro turno até um poste da Avenida Afonso Pena.

E talvez fossem mesmo, se não tivessem tratado o eleitor como fava contada e desfilado com ares de majestades. O desempenho de Márcio Lacerda não abala a opinião do mineiro sobre Aécio e Pimentel.

Mas mostra que é preciso levar em conta o discernimento do público e não menosprezar a capacidade do adversário.

Se é para oferecer um prato feito, que seja no mínimo bem feito, preparado com requinte, a partir de ingredientes de qualidade e ótimo sabor.

Quando o produto não é escolhido com rigor, aumenta a chance de aparecer outro mais atraente e adeus fidelidade. Não há popularidade pessoal que sustente a transferência por si muito menos a qualquer custo.

No meio, há a vontade do eleitor, que pode não ser em sua maioria gente muito politizada nem bem informada, mas com toda certeza tem juízo suficiente para perceber quando está prestes a fazer o papel de massa de manobra.

Nesse caso, o perigo é a reação ao molde da esperteza: vira bicho e come o dono.

Números absolutos

Nesta, como em outras eleições, as pesquisas são postas sob suspeita por causa dos exemplos de resultados diferentes dos previstos. Desde que as consultas passaram a ser vistas como legítimos oráculos de Delfos, não há uma rodada em que não se conclua que os "institutos erraram feio".

Eles dão qualquer explicação técnica, "provam" por x mais y multiplicado por 26 ao quadrado que estava tudo previsto dentro da "margem de erro" e logo as pesquisas já recuperam seu lugar de parâmetro absoluto de medição e comportamento eleitorais.

Como eleição é resultado de expressão de vontade humana, evidentemente que os números em algum momento saem perdendo, mas esse tipo de nuance atrapalha a simplificação do raciocínio e, portanto, fica mais fácil se revoltar contra os porcentuais.

Deixemos assim. Pelo menos até que se resolva discutir o assunto sob a ótica levantada pelo candidato do PV à Prefeitura do Rio, Fernando Gabeira, e questionar a ética dos institutos que prestam serviços também a partidos e não dão publicidade ao fato.

Um pássaro voando...


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A dupla Serra-Kassab surpreendeu para mais. Kassab passou a campanha toda atrás de Marta Suplicy nas pesquisas e passou a apuração inteira dos votos à frente, chegando em primeiro com um ponto de diferença.

Já o trio Aécio-Fernando Pimentel-Márcio Lacerda surpreendeu para menos. A expectativa de uma aliança entre governador e prefeito, entre PSDB e PT, era de vitória em primeiro turno, mas Lacerda, do PSB, não só ficou para o segundo como levou um suadouro de Leonardo Quintão, do PMDB.

O Planalto, a esta altura, mira muito mais em Serra do que em Aécio como inimigo em 2010, mas é difícil imaginar que Lula e Serra vão se engalfinhar no segundo turno paulistano. Se o governador agora está livre de constrangimentos tucanos para apoiar abertamente Kassab, Lula não tem lá muitos motivos para saracotear no chamado "Triângulo das Bermudas": Rio, Belo Horizonte e São Paulo. Aliás, em lugar nenhum.

O primeiro turno mostrou que presidente não transfere voto em eleição municipal, na qual o grande eleitor é a reeleição. E há as dificuldades locais. No Rio, Eduardo Paes, do PMDB, e Fernando Gabeira, do PV, já fizeram duríssima oposição a Lula. Em BH, ele não tem nada a ver com a história, já que a aliança Aécio-Pimentel foi à revelia do PT. E, em São Paulo, Marta chegou ao segundo turno em condições adversas. Convém a Lula entrar nessa, que pode ser uma fria? No resto do país, há situações desconfortáveis, como Salvador e Porto Alegre, nas quais o PT disputa com o aliado PMDB. Apoio a um é encrenca na certa com o outro.

Lula, assim, deve viajar muito neste outubro... mas para bem longe do país. Na semana que vem, Espanha, Índia, Moçambique. Depois, quem sabe um Haiti daqui, uma Cuba dali?

Transferir votos é incerto, não sabido, e dividir derrotas não é com ele. Pernas e AeroLula, para que vos quero?

De eleições e tsunami


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - Em tese, deveria escrever sobre o resultado das eleições municipais, especialmente a paulistana. Mas viajei domingo logo após votar, caí no meio de um vendaval financeiro sem paralelo desde que me lembro como jornalista (sim, nasci depois do "crash" de 1929) e a votação tornou-se quase irrelevante, na comparação.

Além disso, o resultado só reforçou uma observação feita no domingo: a capacidade de o presidente Lula transferir maciçamente votos para seus candidatos é menor do que parecia. Pelo menos o foi em São Paulo. Por isso, a candidatura Dilma Rousseff para 2010 poderá eventualmente ser repensada, como, aliás, disse ao site Congresso em Foco o cientista político Alexandre Barros, da consultoria Early Warning. "O resultado da Marta mostra que, pelo menos por enquanto, a transferência de votos não é tão fácil como o presidente imaginou", argumenta.

De todo modo, a eleição foi um fenômeno de continuísmo acima de tudo: dos 79 maiores colégios eleitorais, 50 definiram o pleito no primeiro turno, e os reeleitos foram 36 (ou 72%).Suspeito até que falar em partidos que ganharam ou perderam mais tampouco parece relevante.

Do meu ponto de vista, a eleição consagra de uma vez o personalismo, que já era forte na política brasileira. Aliás, é fenômeno mundial.

Bom, acabei falando mais do que deveria sobre as eleições. Sei, pelas contas do "Painel do Leitor" e do ombudsman, que é assunto que comove muito mais que a crise global.

Não deveria. Está se formando um tsunami financeiro capaz de repetir o fenômeno natural: ninguém falava dele até que chegou e varreu tudo o que encontrou pelo caminho.

Cada vez mais se fala em recessão global, não apenas desaceleração.

Como somos periféricos, não há de fato muito o que fazer. Informar-se é o mínimo. Gente distraída costuma apanhar mais.

Eleição derruba alguns mitos


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A eleição de domingo teve o mérito de derrubar mitos e devolver à humildade alguns políticos de boa cepa, se é que algum dia eles a tiveram. O maior dos mitos é o da presumida infalibilidade do apoio de um presidente popular, como há muito não se via, como é o caso de Luiz Inácio Lula da Silva. Outro, o de que é possível eleger o "poste", sem antes se combinar muito bem com o eleitorado.

O caso de Minas Gerais é exemplar. Um prefeito, Fernando Pimentel, e um governador, Aécio Neves, no pico da popularidade tiveram de engolir um segundo turno que não estava nos planos de nenhum dos dois. É como se o eleitor dissesse que a nomeação de prefeitos indiretos acabou em meados dos anos 1980, e desde então é o contribuinte quem decide quem governa.

O precedente também não bom, como demonstra o melhor exemplo de "poste" eleito no país - ele mesmo, Celso Pitta, o candidato que Paulo Maluf tirou do colete direto para a Prefeitura de São Paulo, em 1996. "Votem no Pitta, e se o Pitta não for um bom prefeito nunca mais votem em mim." São Paulo votou e se arrependeu para nunca mais. Padrinho e afilhado acabaram em celas da Polícia Federal.

Tem razão o governador da Bahia, Jaques Wagner, quando diz que ninguém elege "poste", se o candidato não tem sinergia com o eleitorado. É o que diz o ministro pemedebista Hélio Costa (Comunicações) sobre Márcio Lacerda, o candidato de Aécio e Pimentel para Belo Horizonte, "um estranho na política", que já teria apresentado tudo o que tem para apresentar na campanha de primeiro turno: o prefeito e o governador.

Maldade de Hélio Costa, é claro. Lacerda ainda pode ser eleito no segundo turno. Quem talvez mais se aproxime de uma explicação razoável para o que acontecer em Belo Horizonte é o assessor para assuntos internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia. Para o "caubói", como MAG é chamado por alguns amigos do PT, o acordo mineiro foi um mau acordo desde que Aécio e Pimentel não fizeram o dever de casa e consultaram outras forças políticas de Minas envolvidas com o assunto.

Neste caso estariam não só os dois ministros do PT, Luiz Dulci (Secretaria Geral) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), como o próprio Hélio Costa e o vice-presidente da República, José Alencar. A palavra que Marco Aurélio não pronuncia é "arrogância", mas é isso o que todos pensam em relação à escolha de Aécio e Pimentel, uma aliança que poderia levar a política nacional a um novo desenho. A torcida contrária era grande e Pimentel ainda terá de se ver com o PT, mesmo se Márcio Lacerda vencer a eleição no segundo turno.

Um parêntesis: há sérias dúvidas se esse desenho transcenderia as divisas de Minas ou que teria vida longa no próprio Estado. Pimentel acredita firmemente que Lula vai eleger presidente a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pretende apoiar firmemente a aposta de Lula e receber dele apoio para suceder Aécio Neves no governo. Tanto que espera ir para um ministério (Turismo), cargo que lhe permitiria melhorar sua imagem no interior. É por isso que, nos bastidores, demonstra irritação com a candidatura de Aécio a presidente. Acha que é para atrapalhá-lo.

A crença de Pimentel na eleição de Dilma, a partir da popularidade de Lula, é difundida não só no PT, mas também na oposição. Essa crença sofreu um abalo na eleição de domingo. Aliás, o próprio Palácio do Planalto, na avaliação que fez das eleições, concluiu que o apoio do presidente ajuda, mas por si só não basta para eleger alguém - o eleitor não é cego, já percebeu alguns erros passados (caso Pitta, por exemplo) e quer saber é quem está efetivamente preparado para administrar.

Não bastaria o candidato ter um bom padrinho e falar em "choque de gestão". O eleitor pode até pensar que será eletrocutado. Em Belo Horizonte, avalia-se no Planalto que o candidato da dupla Aécio e Pimentel pode até se sair bem na campanha do segundo turno, agora que levou um choque de humildade e terá dez minutos no horário gratuito para se apresentar, além dos debates, para convencer o eleitor de que será um bom gestor da cidade. Quanto a Lula, o Planalto não crê que o presidente se saiu tão mal assim.

No caso de Natal (RN), onde a oposição acusa Lula de ter recorrido ao uso de força excessiva, afirma-se que a candidata do PT, Fátima Bezerra, talvez não passasse dos 10%, se não tivesse seu apoio (ganhou o DEM).

Já Luiz Marinho, candidato em São Bernardo do Campo, pelo qual Lula mais se empenhou nessas eleições, não ganhou por pouco, no primeiro turno. Não fosse o apoio do presidente, talvez nem tivesse chegado ao segundo, como passou a acontecer com o PT depois de 1988, quando venceu pela última vez na cidade que é o berço do partido. E local de moradia de Lula depois que ele deixar a Presidência.

Nos arredores do gabinete de Lula diz-se que não foi surpresa Gilberto Kassab ter passado para o segundo turno, na eleição de São Paulo, à frente da candidata do PT, Marta Suplicy. A surpresa das pessoas seria decorrente apenas do fato de as pesquisas de boca-de-urna terem apontado para um resultado diferente. A avaliação é que a eleição de 2008 foi a eleição da continuidade e nada mais natural que o prefeito, tendo uma gestão bem avaliada, chegasse bem no final do turno.

O erro maior teria sido da campanha da candidata do PT. Certa de que estaria no segundo turno, Marta deveria ter escolhido o adversário, que seria aquele que estabelecesse maior contraste com sua candidatura, e, ajudando-o no início, começar um trabalho de desconstrução do candidato.

Se houve essa escolha e o escolhido foi Kassab, isso não ocorreu, mas certamente ocorrerá no segundo turno. Lula fará depoimentos mais efetivos sobre a importância da vitória de Marta, deve viajar a São Paulo (há limitação de tempo), mas não se envolverá tanto a ponto que possa dar ao governador José Serra, no caso de vitória de Gilberto Kassab, o prazer de dizer que derrotou o presidente.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Argentina neutraliza doença holandesa com retenções


Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Depois da grande crise de 2001 e 2002, ninguém poderia prever que a Argentina cresceria a taxas elevadas que vem crescendo. Nos primeiros anos, a explicação encontrada foi a de que o país estava recuperando o nível de renda anterior por meio da utilização de capacidade ociosa. Na medida, porém, em que as altas taxas persistiram, argumentou-se que a explicação estava no aumento dos preços das commodities exportadas pelo país - explicação mais razoável mas insuficiente, já que o Brasil, que igualmente se beneficiara da melhoria das relações de intercâmbio, crescia a taxas muito menores.

Na verdade, o crescimento acelerado da economia argentina decorre da política macroeconômica em curso, que neutraliza a doença holandesa. Até hoje muitos se recusam a aceitar isso - os neoliberais no exterior porque não perdoam a Argentina haver logrado uma redução de sua dívida externa; um grande número de argentinos, porque os maus resultados econômicos dos últimos 60 anos os tornaram pessimistas. E a persistência de inflação em torno de 20% ao ano os anima. Mas o que a Argentina vem fazendo é muito semelhante ao que fazem as economias asiáticas novo-desenvolvimentistas que crescem aceleradamente no mundo: mantém o orçamento público equilibrado, a taxa média de juros em nível moderado e a taxa de câmbio, competitiva.

Deste tripé macroeconômico, a política mais difícil é a de manter a taxa de câmbio em um nível de verdadeiro equilíbrio, ou seja, em um nível que torne competitivas as indústrias locais que utilizem a tecnologia mais avançada existente no mundo. Manter a taxa de câmbio nesse nível é difícil porque nos países em desenvolvimento existe uma tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que decorre do populismo cambial interno, de duas recomendações vindas do Norte (que o país cresça com poupança externa e que combata a inflação usando o câmbio) e da doença holandesa. Apreciar a taxa de câmbio é prática populista clássica: com a depreciação, os preços dos bens comercializáveis caem, os salários reais aumentam e durante alguns anos o país vive um auge populista. É uma pratica que, de forma paradoxal, o FMI passou a apoiar a partir do início dos anos 90, ao adotar a política de crescimento com poupança externa. Além disso, como não interessa aos países ricos que países de renda média sejam competitivos internacionalmente, desconsideram a doença holandesa, e seus economistas neoliberais ensinam que "no longo prazo é impossível administrar a taxa de câmbio", não obstante essa tese venha sendo desmentida por quase todos os países que lograram crescer rapidamente.

A terceira causa da sobreapreciação da taxa de câmbio, a doença holandesa, merece uma explicação um pouco mais completa. Existe doença holandesa em um país quando recursos naturais abundantes e baratos geram "rendas ricardianas" que tornam a "taxa de câmbio de equilíbrio corrente" (a taxa que equilibra intertemporalmente a conta corrente) mais apreciada do que "taxa de câmbio de equilíbrio industrial" (a taxa que viabiliza indústrias utilizando tecnologia no estado-da-arte mundial). As rendas ricardianas decorrem dos diferenciais de produtividade dos recursos naturais que, tornando os produtos beneficiados por essas rendas mais baratos, são compatíveis economicamente com taxa de câmbio mais apreciada. A gravidade da doença holandesa varia de acordo com a diferença relativa entre essas duas taxas. Em um país produtor de petróleo no qual os custos de exploração ainda são baixos, essa doença pode ser gravíssima, impedindo qualquer outra indústria; já em um país como a Argentina, no qual a origem da doença é a fertilidade da terra, a gravidade da doença é menor e indústrias muito competitivas podem continuar a vender no mercado interno se contarem com modesta proteção tarifária (uma forma incompleta de neutralizar a doença holandesa). Além de variar de commodity para commodity exportada, a gravidade da doença varia também em função das mudanças do preço internacional da commodity: quando ele aumenta, ela se agrava; quando diminui, diminui sua gravidade e pode mesmo desaparecer.

A forma clássica de neutralizar a doença holandesa, ou seja, de transformar as rendas ricardianas em uma bênção, é o governo estabelecer um imposto ou uma retenção sobre as vendas e exportações do produto proporcional à gravidade da apreciação que causa. Uma retenção, portanto, diferente de produto para produto, e é variável de acordo com o preço internacional do produto. É exatamente isso que vem sendo feito com competência na Argentina. Se esse sistema for completado com a criação de um fundo de investimentos no exterior para impedir que os resultados do imposto sejam internalizados, melhor, porque deixará de haver pressão do lado da demanda sobre a taxa de câmbio. Mas mesmo que isto não ocorra (como é o caso da Argentina), a retenção garantirá, do lado da oferta, que o câmbio não se aprecie.

Este é talvez o mecanismo que os leigos (e muitos economistas) têm mais dificuldade de compreender. Suponhamos que haja apenas uma commodity causando doença holandesa, que a taxa de câmbio de equilíbrio industrial em um país seja de três unidades e a de equilíbrio corrente de duas unidades de moeda local (pesos, no caso argentino) por dólar. O efeito da retenção é deslocar a curva de oferta da commodity para cima. Uma retenção de 33% fará essa "mágica" que nada tem de mágica. Graças a ela, a exportação da commodity, que antes da retenção era viável para o produtor a uma taxa de duas unidades de moeda local, agora só é viável economicamente à taxa de equilíbrio industrial de três unidades por dólar. Assim, o produtor deixa de oferecer seu produto à taxa de câmbio anterior de duas unidades por dólar, que devido à retenção se tornou inviável para ele. Em conseqüência, a taxa de câmbio que, sem a retenção, seria de duas unidades por dólar (já que ela tende a ser definida pelo custo marginal mais baixo), permanece em três; a doença holandesa está neutralizada, já que não sobreaprecia a taxa de câmbio.

Nesse sistema, embora aparentemente seja o produtor de soja, ou de trigo, ou de carne que "paga" o imposto, na verdade quem o paga são os consumidores ou os cidadãos argentinos, porque o preço de todas as commodities fica mais caro. Mas eles o recuperam por meio da retenção: recuperam-no no curto prazo porque os recursos da retenção são receita de seu próprio Estado; mais do que, o recuperam no médio prazo, porque a indústria do país prospera, o país se desenvolve, o emprego, os salários e os lucros aumentam. Não é o produtor que paga, porque se todas as retenções fossem retiradas, a taxa de câmbio baixaria para duas unidades por dólar, e ele estaria pagando da mesma forma os mesmos 33% de retenção sob a forma de câmbio mais apreciado, ao mesmo tempo em que a economia do país, vítima da doença holandesa, deixaria de crescer, ou voltaria a crescer lentamente, além de ficar sujeita a crises crônicas de balanço de pagamentos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas.

Na jugular


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Com a subida de tom verificada na campanha presidencial a partir deste fim de semana, é previsível que o debate desta noite, na Universidade de Belmont, em Nashville, no Tennessee, seja mais agressivo do que o anterior. Os dois candidatos foram "na jugular" do adversário, na definição de um político. A agressividade com que os republicanos retomaram críticas e acusações que vêm sendo exploradas desde o início da campanha contra Barack Obama tem a ver com o crescimento nas pesquisas do candidato democrata desde que eclodiu a crise financeira em Wall Street. Do lado democrata, um filmete relembrando um escândalo financeiro ligado a John McCain está sendo espalhado pela internet.

Coube à candidata a vice Sarah Palin, uma espécie de franco-atiradora política, reiniciar os ataques explorando a relação passada de Obama com o ex-pastor radical reverendo Jeremiah Wright, ou com William Ayers, professor de Chicago que participou de um grupo terrorista nos anos 60 do século passado, na luta contra a guerra do Vietnã.

Obama e Ayers, anos depois, conheceram-se em Chicago trabalhando com comunidades carentes, mas Obama sempre repeliu os métodos usados por ele.

Palin disse que considerava perigoso um político que, por achar que os Estados Unidos precisam ser mudados, não se incomodava de se aproximar até de um terrorista. E que as relações dele com o pastor Wright "deveriam ser mais discutidas".

Ao mesmo tempo, uma propaganda oficial da campanha republicana diz que é "desonrosa" a declaração de Obama de que as tropas americanas "matam civis e queimam casas" no Afeganistão, e chama de "arriscado" apoiar um político "liberal" - que, nos Estados Unidos, significa ser de esquerda - que tem votado sempre contra o financiamento das tropas americanas.

Acontece que mesmo as análises menos favoráveis a Barack Obama, como a do marqueteiro Karl Rove em seu site, indicam que ele já pode até mesmo ter atingido o número mágico de 270 delegados no Colégio Eleitoral.

De acordo com as últimas pesquisas, Obama está liderando em estados cruciais como Ohio, onde historicamente os republicanos que são eleitos vencem; na Pensilvânia e Minnesota, dois estados em que John Kerry venceu e onde McCain está se empenhando para reverter o quadro.

Segundo o "New York Times", em nove estados em que Bush venceu a última eleição os democratas estão com chances de reverter o quadro: Colorado, Flórida, Indiana, Montana, Nevada, Novo México, Carolina do Norte, Ohio e Virginia.

A maior parte das mudanças está claramente relacionada à situação econômica, e as críticas que Obama tem feito às posições de McCain, ligando-o sempre que pode à gestão do governo Bush, têm surtido um efeito devastador na campanha republicana.

A reação agressiva que a campanha democrata teve foi também uma novidade, fazendo supor que Barack Obama possa ter uma atuação mais vibrante no debate de hoje à noite.

Já no fim de semana a campanha democrata enviou milhões de mensagens pela internet com um link para o site KeatingEcomics.com, onde está sendo exibido um filmete de 13 minutos, desde o meio-dia de ontem, relembrando o caso da Lincoln Savings & Loan Association, que quebrou devido a uma série de procedimentos irregulares em 1989.

A idéia é difundir a noção de que essa cruzada a favor da regulamentação do sistema financeiro não corresponde à atuação parlamentar do senador McCain.

A investigação do comitê de ética do Senado levou a que cinco senadores, entre eles McCain, fossem acusados de tentar interferir no processo aberto pelo Federal Home Loan Bank Board, sendo que McCain foi advertido, no início dos anos 1990, por ter agido "de maneira imprudente" no episódio, e outros senadores foram censurados publicamente.

Os senadores, que ficaram conhecidos como "os Keating Five" ("Os cinco de Keating") chegaram a ir a uma reunião em que a questão foi discutida com os investigadores, pressionando para que as investigações não prosseguissem, a ponto de um deles ter dito que eles não deveriam insistir, pois o caso seria encaminhado à Justiça.

No inquérito do comitê de ética, cujos trechos das audiências estão no filmete de campanha de Obama, os senadores são acusados de terem se vendido ao banqueiro.

O senador McCain, embora não tenha sido punido com rigor pelo Comitê, foi o único que recebeu diretamente vantagens do banqueiro, além, é claro, do financiamento de campanha que todos os outros também receberam.

McCain era amigo pessoal de Charles Keating, e usava sua casa nas Bahamas para passar férias, e se deslocava no avião privado do banqueiro. Além disso, sua mulher, Cindy, tinha sociedade com Keating em um shopping center. McCain foi obrigado pelo Senado a pagar as viagens de avião.

Com o ataque direto às posições de política econômica de seu adversário republicano, Obama quer mostrá-lo muito mais próximo da política do atual governo do que ele pretende, e o acusa de não ter aprendido as lições do episódio.

Por sua vez, revivendo as acusações de que Obama é um esquerdista ligado a radicais de diversos calibres, McCain e Palin exploram o único filão que parece lhes restar: incutir o medo entre os eleitores, num momento em que o país passa por uma crise financeira que está claramente atingindo a auto-estima da sociedade.