sábado, 25 de outubro de 2008

Luiz Werneck Vianna: 'Vai depender de uma fagulha'


DEU EM O GLOBO


O debate reproduziu muito o programa dos candidatos na TV e não creio que tenha representado o momento da decisão para o eleitor.

Para quem está indeciso, a escolha vai depender muito mais de uma fagulha qualquer a acontecer nas ruas ou de um sentimento.

O debate não deu elementos para alterar o estado de coisas entre eles, embora tenha ficado muito sublinhado que o candidato da tradição convencional é o Paes, com as máquinas articuladas ao estado até as máquinas periféricas das milícias, ligadas a Jorge Babu.

Já Gabeira se reforçou como a candidatura que aposta no movimento das ruas, imprevisível, porque depende da convicção.

Um representa uma política já estabelecida enquanto o outro tenta violar essa regra de ouro.

Vitoriosa ou não, a candidatura do Gabeira já mudou a política do Rio.

Não haverá outra eleição em que o discurso dele não seja consultado.


Com ele, a política está passando por fora das máquinas.


Se é com muita força, nós vamos ver, mas está passando.


Luiz Werneck Vianna é cientista político do Iuperj.

Eleições no Rio: namoro explicito entre Vladimir e Gabeira


Lucia Hippolito
DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO


O último debate entre Fernando Gabeira e Eduardo Paes explicitou com toda a clareza o difícil dilema em que se encontra o eleitor carioca.


Não se trata de escolher entre dois candidatos, dois projetos, duas propostas.


Trata-se e escolher entre dois mundos diferentes.

De um lado, um competente candidato a gerente de uma grande loja de departamentos. Superintendente, talvez. Conhece profundamente o estoque, o preço da grosa de alfinetes, a utilidade de uma boa chave de fenda.

Do outro, alguém que é, em si mesmo um projeto. Uma proposta andante. Um Quixote da boa causa: a honestidade, a correção, o futuro, o sonho, uma nova forma de fazer política, novas práticas, novos métodos.

Um velho-moço contra um moço-velho. Velhíssimo.

No debate ao vivo, Eduardo Paes destilou números, competência, pegadinhas ridículas.

Declarou, depois do debate, que prefere o apoio de Jorge Babu ao apoio de César Maia.

(Jorge Babu, vereador pelo PT, foi preso pela PF junto com Duda Mendonça, coisa de dois anos atrás, em uma briga de galos no Rio. Hoje é acusado de comandar milícias na Zona Oeste.)

Gabeira foi bafejado pela sorte: por sorteio, iniciou e encerrou o debate. Ambos em tom maior, de grandeza. No miolo, foi mediano.

No final, teve seu dó de peito. Foi Gabeira por inteiro. Diferente, ousado, original. Chamou até os adversários para a grande conversação em favor do Rio. Bonito.

Mas o melhor do debate, assistido ao vivo no Rio, foram dois momentos-ternura.

Primeiro momento-ternura: ver Vladimir Palmeira (PT) e Francisco Dornelles (PP) juntinhos no cercadinho dos apoiadores de Eduardo Paes, trocando tapinhas nas costas, é feito a propaganda do Mastercard: não tem preço.

Segundo momento-ternura: Vladimir Palmeira rindo abertamente quando seu velho companheiro de militância, Fernando Gabeira, dava uma estocada em Eduardo Paes, seu recente aliado político.

Vladimir é um soldado do PT. José Dirceu já tentou esmagá-lo várias vezes com seu tacão (embora tenham sido também companheiros de militância estudantil).

Mas com Gabeira, o “namoro” era explícito. Vladimir ria abertamente a cada “saia justa” de Eduardo Paes.

A sopa da vingança, dizia minha avó, toma-se gelada.

O eleitor carioca está diante de uma escolha difícil.

Mas Gabeira mostrou que certos valores não morrem.

A cidade e seu futuro


Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O prefeito de São Paulo a ser eleito amanhã estará chamado, como o foram todos os seus antecessores, a governar uma cidade que é um enigma a ser decifrado e uma potência a ser controlada. Se desejar inscrever seu nome na história, terá de ir além de rotinas e procedimentos-padrão, ser mais que administrador, coordenar mais que comandar.

Trata-se de algo universal. Estima-se que mais de 50% da população mundial vivam em cidades. Elas crescem por toda parte, transbordam seus centros e se espalham pelas periferias, desafiadoras. Impõem-se como arranjos implacáveis, que “civilizam” sem piedade, redefinem perfis e padrões, sufocam outros modos de ser. Todas as grandes decisões políticas e culturais são tomadas em cidades e estão nelas os principais núcleos geradores de vida moderna.

Vivemos sempre mais em cidades, mas elas são cada vez menos polis. Continuam a nos seduzir, mas não mais nos concedem um estilo de vida desejável. As cidades do nosso tempo estão se convertendo em amontoados de pessoas e não conseguem fornecer a seus moradores condições de usufruírem as vantagens da aglomeração: o encontro, a diversidade, o aprendizado da diferença e do respeito pelo outro, a luta coletiva. Em muitos momentos, assemelham-se a praças de guerra, teatro de batalhas inglórias, de um corpo-a-corpo travado com armas que vão da faca e do revólver à agressão verbal, à chantagem emocional, à ausência de cortesia e delicadeza, à indiferença. Massas de excluídos, sem-teto e desempregados perambulam quase a esmo, em meio a “incluídos” fechados em si e carentes de uma idéia de futuro. São Paulo não é exceção.

São assombrosas as dificuldades para que se reformem as cidades. A política só se ocupa delas como objeto de gestão, não de convívio, mais como espaço de mercados e automóveis que de pessoas. O planejamento urbano já não dispõe de força persuasiva e legitimidade. Está sendo subvertido pela dinâmica do capitalismo global e boicotado pelos mercados. Os interesses digladiam sem projetos e consensos. As cidades parecem à deriva, como se não conseguissem ser alcançadas pela razão política democrática e republicana. Tornam-se alvo fácil da razão técnica exacerbada, de administradores focados em controle e na construção compulsiva de obras e factóides.

É verdade que novas modalidades de gestão despontam no horizonte, anunciando articulações de novo tipo entre técnica e política, decisão e participação, gestão e cidadania. É verdade, também, que a rotatividade política propicia a chegada de novas pessoas e idéias ao governo das cidades. Os próprios moradores se movimentam sempre, ativando a reinvenção urbana. E as tecnologias da informação ajudam a impulsionar redes de comunicação e cooperação que se colam às utopias em gestação.

Não é suficiente. Como tornar sustentáveis nossas cidades e impedir que suas toxinas prejudiquem seus habitantes? Que fazer para livrá-las da racionalidade instrumental do poder e da técnica e abri-las à sensibilidade política, ao prazer estético, ao calor humano da democracia? Neste mundo de mercados escancarados, interessa pouco a cidade competitiva e funcional, produtivista e repressiva. Para vivermos e convivermos com dignidade precisamos de cidades agradáveis, capazes de expressar seus encantos, proteger e promover seus habitantes. Cidades seguras - não a cidade policiada, que veta a vida noturna ou o andar distraído, mas a cidade aberta, dialógica, de todos e para todos, que se auto-organiza.

São Paulo cresceu desordenadamente, com pressa errática. Foi sendo arrumada meio ao acaso, “planejada” a partir de óticas imperfeitas. Tornou-se uma cidade de bairros inventados, de avenidas para automóveis, de poucas praças, em que as antigas edificações são destruídas como coisas velhas, descaracterizadas ou largadas à especulação. Uma cidade de máquinas e negócios, mais que de pessoas, onde se circula e caminha com dificuldade, respirando mal e sem tempo de olhar a paisagem ou os outros.

Mas é absurdo combater as cidades, desprezá-las ou fugir delas. São Paulo nos perturba e incomoda, mas também nos fornece condições para imaginar formas superiores de convivência e luta pela vida. Não deveríamos temê-la, e sim aproveitá-la melhor. É insensato cogitar do recuo a comunidades ideais que negariam os males da modernização e realizariam o desejo de que se estabelecessem relações pessoais intensas, repletas de solidariedade, paz e harmonia.

A idéia de uma cidade sem problemas, conflitos e ruído social é uma ficção descolada da vida contemporânea. Paralisa, em vez de libertar. Cidades não são arranjos abstratos. Nascem do dia-a-dia coletivo, da história e da cultura enraizada, da surpresa e do inesperado, não do planejamento rígido, desejoso de substituir a face naturalmente tensa da cidade por uma harmonia de prancheta. Seu melhor motor é a democracia participativa organizada, impregnada de vida pública e diferenciação.

Quando olhamos São Paulo com atenção, descobrimos que por sob a feiúra se ocultam muitas belezas, por sob o caos há ordem, por sob a desorientação geral pulsam projetos de destino. Quando vamos além das aparências, vemos uma cidade de pessoas que constroem variadas formas de convivência e cultura, que lutam por uma vida melhor e querem governos melhores, capazes de escutá-las.

São Paulo é apenas aquilo que precisamos redescobrir a cada dia: uma cidade de carne e osso, verde e cimento, máquinas e pessoas, ordem e caos. E é nela como construção coletiva, com suas virtudes e contradições, que devemos pensar para agir. Se descobrirmos como politizá-la, organizá-la democraticamente, enchê-la de cidadania e cultura, se soubermos, em suma, urbanizá-la de modo pleno, teremos o futuro.

Que os eleitores amanhã e o próximo prefeito, ou prefeita, procurem assimilar essas expectativas.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004).

Crimes e castigos


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, foi rápido e rigoroso: na quarta-feira leu errado o nome do presidente do Senado numa cerimônia no Palácio do Planalto e, no dia seguinte, a funcionária responsável pelo discurso estava devidamente afastada de suas funções no cerimonial da Casa.

O crime da moça: acrescentou um inexistente “José” antes de Garibaldi Alves, que aproveitou a deixa para uma piada e fez a platéia rir da presumida gafe.

Chinaglia achou gravíssimo: “Não posso minimizar (o erro) na medida em que o próprio presidente do Senado se incomodou, eu nem tinha percebido, mas devo explicações a ele”.

Para ventura do bom senso, Garibaldi preferiu não comentar a menção honrosa.

Talvez porque tivesse se sentido mais honrado se o presidente da Câmara não o deixasse apanhar sozinho por causa da resistência do Senado em cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre nepotismo.

Por imposição constitucional, há dois meses o STF mandou que os Poderes da República demitissem os parentes de agentes públicos contratados em cargos de confiança, até a terceira geração.

Arlindo Chinaglia disse que a Câmara há muito proíbe a prática e que se parentes houvesse de forma irregular nos gabinetes, os próprios deputados deveriam tomar a iniciativa de demitir seus familiares.

Empenhou sua palavra na lisura dos parlamentares, mas não tomou a causa a pulso, não exibiu levantamentos, deixou as coisas correrem por si.

Enquanto isso, Garibaldi sentado na berlinda pagava o preço de uma decisão estúpida da Mesa Diretora - presidida por ele, diga-se - de abrir uma exceção à decisão judicial para os parentes contratados antes do início do mandato do senador ao qual são ligados.

Passou-se a discutir a “brecha”, em detrimento da cobrança sobre o todo. O Senado desde o anúncio da decisão vem tratando do tema. Lá houve prazo para as demissões e, bem ou mal, empurrado e na pressão, apresentou a exoneração de 86 parentes de senadores.

Quantos são os demitidos na Câmara? Se poucos, muitos ou nenhum, ninguém ficou sabendo. E na administração federal saíram quantos? As assembléias legislativas, as câmaras municipais, os governos dos Estados, o Judiciário, estão todos devendo a apresentação do balanço das providências.

Se foram tomadas, merecem divulgação. Se não foram, o poder público, na ilegalidade, está à mercê do Ministério Público.

Não foi apenas Chinaglia quem tratou a proibição do nepotismo como assunto sem maior importância. Mas só ele deu de público um exemplo perfeito sobre proporção entre crimes e castigos, ao afastar a servidora cujo único delito talvez tenha sido pensar em Giuseppe Garibaldi na hora de escrever o nome do Garibaldi sem José.

Torcida organizada

O alto comando do tucanato está em clima de fervorosa reza pela vitória de Fernando Gabeira no Rio. Se ganhar, terá os governos de São Paulo e Minas à disposição.
José Serra avisa que se “muda” um mês para o Rio se for preciso e Aécio Neves oferece toda a equipe para, se eleito, Gabeira usar como quiser.

E por que tanto mimo? Porque seria o primeiro resultado importante do PSDB em muitos anos no Rio, onde o partido entrou em acelerada decadência e hoje é presidido por Zito, um político da Baixada Fluminense cheio de votos e processos.

Na avaliação da cúpula do partido, entrar assim na batalha da sucessão seria um risco. Principalmente porque ali o desempenho do PSDB nas duas últimas eleições presidenciais foi pífio e Lula investiu pesado na aliança com o governador Sérgio Cabral.

Mesmo saco

Saiu de graça a penalidade em forma de multa aplicada pela Justiça Eleitoral à campanha do prefeito Gilberto Kassab, tão óbvio foi o uso da máquina no episódio da transferência do cheque de R$ 198 milhões ao governo do Estado, para obras do Metrô.

Ficou tudo ainda mais barato (em todos os sentidos) em virtude da perda de autoridade moral do PT para acusar alguém de usar a administração pública para fins eleitorais.

A luta continua

Se Marta Suplicy tiver cumprido a ameaça de partir com tudo para cima de Gilberto Kassab no debate de ontem à noite na TV Globo, não terá sido na esperança de virar o jogo na última hora.

A agressividade do segundo turno antecipa o tom da oposição em território paulista, amostra grátis do que enfrentará o próximo presidente da República se o eleito for adversário do PT.

Amarga ilusão

Para que o apoio deste ou daquele partido ou governante influenciasse no voto, seria preciso que os políticos estivessem em alta junto ao eleitorado.

Como não estão, mas se acham todos verdadeiros guias geniais dos povos, dão à regra o caráter de exceção e seguem acreditando no poder da transferência de votos.

Pré-sal e etanol, vítimas da crise


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A crise econômica internacional não atingiu apenas o Brasil com a maior queda mundial das Bolsas de Valores - já chegou a 50% este ano - ou com as perdas das empresas, especialmente as exportadoras, que tentaram especular contra o dólar na crença do real forte. Graves danos colaterais atravessaram o Atlântico e vieram pegar desprevenidos dois dos maiores emblemas da gestão lulista: o petróleo do pré-sal tornou-se da noite para o dia inviável economicamente, e o etanol perdeu sua atratividade, tudo por conta da queda do preço internacional do barril de petróleo, cotado hoje abaixo dos US$70, preço, aliás, previsto para todo o próximo ano.


No quesito pré-sal, que o presidente Lula pretendia transformar em seu carro-chefe na campanha presidencial de 2010, não bastasse o preço do petróleo, só a dificuldade de conseguir financiamento para a caríssima operação de perfuração já tornaria o empreendimento de difícil execução a curto prazo, como planejava o governo.

O preço do barril de petróleo caindo aos níveis em que estão tornaram o petróleo do pré-sal uma radiosa promessa para tempos mais propícios.

O próprio governo, através de seu ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, já havia anunciado que o barril do petróleo abaixo de US$80 não justificaria economicamente o empreendimento.

Os testes em 2010 em dois poços do pré-sal no campo de Cachalote, em plena campanha eleitoral, mantidas as condições econômicas, servirão apenas para a foto do presidente Lula com o macacão amarelo e a mão suja de petróleo, da mesma maneira que quando comemorou a auto-suficiência brasileira do petróleo, que só existe na teoria.

Na prática, continuamos tendo que importar óleo leve e desde 2006, o ano do anúncio oficial da auto-suficiência, continuamos tendo déficit. Em agosto deste ano, por exemplo, o país importou nada menos do que US$818 milhões em petróleo.

Com relação ao etanol, para nosso desconforto, quem está mais empenhado em rever os subsídios dos produtores americanos é o candidato republicano John McCain, que, tudo indica, não vai ganhar.
No último debate presidencial, McCain se referiu ao etanol produzido no Brasil com base na cana-de-açúcar, e prometeu que cortaria a tarifa imposta à importação do produto brasileiro "porque distorce o mercado".

De fato, o custo subsidiado da produção do litro de etanol de milho é de US$0,30 nos Estados Unidos, enquanto o de cana, sem subsídios, no Brasil, é de US$0,22. Brasil e Estados Unidos detêm cerca de 70% da produção mundial de álcool, e outros produtores são Índia, China, África do Sul e União Européia.

Tanto os Estados Unidos quanto a França, o quinto maior produtor mundial de etanol, fazem seu combustível com outros produtos que não a cana-de-açúcar - os EUA do trigo e milho, e a França da beterraba -, mas ambos os países têm que dar fortes subsídios para tornar o produto economicamente viável.

O forte lobby dos produtores americanos foi enfrentado por McCain durante a campanha, e ele não teve receio de defender o fim do subsídio até mesmo em Iowa, onde a produção americana tem seu centro. A ponto de um senador do estado, o republicano Charles Grassley, ter enviado uma carta ao presidente George W. Bush, na ocasião em que foi assinado um protocolo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, dizendo que não compreende por que o país usa o dinheiro do contribuinte americano "para encorajar a produção de etanol em outro país".

McCain afirmou também que cortaria os subsídios à agricultura, outra demanda dos países emergentes nas discussões da Rodada de Doha para abertura comercial internacional.

O economista Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, considera que uma das principais conseqüências da crise, a queda no preço do petróleo, representará em países como os Estados Unidos queda no preço da gasolina e dos demais derivados de petróleo, e comprometerá mais uma vez o mercado das energias alternativas ao petróleo.

"A não ser que o novo presidente americano se convença de que não se deve permitir que a crise retroceda todo aquele processo que já estava acontecendo no mercado americano de venda de automóveis com menor consumo de combustível, preocupação com o meio ambiente (CO) e com a segurança energética", ressalva ele, mas sem muita esperança.

"As empresas produtoras de etanol de milho nos Estados Unidos estão dando gigantescos prejuízos. O Bill Gates é um dos investidores que mais perderam. Tudo isso me leva a crer que, além de um maior protecionismo, característica de todo governo democrático, o grande problema do etanol brasileiro no mercado americano é o de como o novo governo americano vai elaborar a política energética num cenário de preços declinantes do petróleo", diz Pires.

Também o empresário e diplomata Jório Dauster, presidente da Brasil Ecodiesel, produtora de mais da metade do biodiesel do país, lembra que, "embora McCain mereça crédito por defender o acesso livre do etanol brasileiro ao mercado americano, não creio que, se chegasse à Presidência, poderia impor a um Congresso ainda mais fortemente dominado pelos democratas o fim imediato das taxas exorbitantes aplicadas ao produto brasileiro".

Infelizmente, analisa Dauster, "as práticas protecionistas tendem a ser exacerbadas não tanto devido à crise financeira como tal, mas por conta da recessão que está chegando em seu bojo".

Mantido esse quadro, Dauster não crê que possamos "esperar gestos generosos do Congresso para com o Brasil, tanto no etanol quanto em qualquer outra área, seja quem for o novo presidente".(Continua amanhã)

A crise e a casa tomada


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


MADRI - Coube a um escritor a melhor descrição da crise, noves fora a catarata de números e de expressões esotéricas como "swaps reversos".

Trata-se do mexicano Jordi Soler, radicado em Barcelona, da qual emigraram seus pais. Em artigo para "El País", Soler recupera o conto "Casa Tomada", do argentino Julio Cortázar, para explicar tudo. É a história de dois irmãos quarentões que vivem em uma casona herdada, têm um cotidiano banal, "uma vida quase perfeita".

Até que um dia, do fundão da casa, ao qual nunca iam, vem "um ruído impreciso e surdo, como o de uma cadeira caindo sobre o tapete ou um sussurro de conversa". O irmão avisa a irmã: "Tomaram a parte dos fundos". Aos poucos, vão tomando o resto até encurralá-los na garagem.

Pois é, a crise é assim. Sujeito oculto, sem rosto, mas invasivo. No começo, tomou a parte dos fundos (a crise das hipotecas subprime).

Foi avançando, avançando e já sufoca agora a parte da casa -os países ditos emergentes- que todos, governantes e palpiteiros, diziam estar absolutamente blindada.

O mundo parece encurralado. Alguns países na garagem, outros no porão, terceiros em cantos ainda confortáveis (China e seus 8% de crescimento, por exemplo), um completamente exangue (a Islândia). O pior é que ninguém sabe até onde irá o sujeito sem rosto, mesmo porque todos os sábios que faziam previsões desistiram de fazê-las -o que é, aliás, o único ganho com a crise. Não li o conto de Cortázar para poder saber como é o final e se a crise tende a ter desfecho idêntico.

Mas li o texto de Soler, que termina assim: "Damas e cavalheiros, a casa está oficialmente tomada. Mas por quem?"

Será que pelo menos isso os sábios poderiam se dignar a responder -ou se sentem cúmplices?

As restrições mentais do governo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Brasília não tem nenhuma culpa pela crise moral e ética que assola os três poderes. Uma cidade, um país é responsável pelos erros e falcatruas dos governos, sejam os que conservam a máscara democrática ou os que chafurdam nos pântanos das ditaduras.

O único caso que eu conheço de um país ser apontado como desequilibrado mental está no fundo do baú da memória dos velhos tempos do Congresso funcionando no Rio, ainda capital, e que o saudoso deputado Hermes Lima gostava de contar nas rodas de conversa na sala do café. Em reunião de uma Comissão para emitir parecer sobre uma proposta de reforma agrária, o venerando senador Clodomir Cardoso aparteou, sustentando que nenhum país realizaria um projeto como aquele. Hermes rebateu: "Este é o modelo do México". E Clodomir em cima da bucha: "Ora, o México! O México é maluco!".

Já não se pode dizer o mesmo das restrições mentais, expressão cunhada pelo talento do jornalista, escritor, acadêmico e autor das melhores prosas da crônica deste país, o mineiro Otto Lara Resende. Ao redigir o texto da entrevista do marechal Teixeira Lott, logo depois do golpe militar de 9 de novembro de 1955 – que derrubou o presidente João Café Filho, acusado de conspirar contra a posse do sucessor eleito, Juscelino Kubitschek – Otto hesitou diante da rudez da confissão do ministro da Guerra demitido pelo presidente em exercício, deputado Carlos Luz, de que mentira ao negar o fato ao general Fiuza de Castro, já nomeado para substituí-lo, quando perguntou, pelo telefone, se havia algum movimento de tropa. Otto buscou o sinônimo de mentira e não achou nenhum na longa lista de qualquer dicionário. E criou as restrições mentais, de longo consumo nas conversas políticas, com as mais variadas aplicações.

Retomamos o fio da meada. Brasília nasceu perfeita, em parto prematuro, antes de estar pronta para atender à justa urgência da volta do JK-65 da sua perdição. Riscada numa folha de papel pela genialidade de Lúcio Costa, com o traçado revolucionário da Praça dos Poderes reunindo as sedes do Executivo, de Legislativo e do Judiciário e onde começam as lar gás avenidas da Esplanada dos Ministérios, do setor bancário e as vias de toda uma cidade. E com o gênio de Oscar Niemeyer solto na criação de prédios e palácios, que são jóias da humanidade.

Posso depor, pois testemunhei os debates acalorados na Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes. E mantenho duas convicções de mais de meio século. A primeira é que a oposição udenista, com a sua brilhante bancada de oradores, como nunca mais se viu outra igual ou parecida, só não obstruiu até o último fôlego a aprovação da mudança para Brasília porque não acreditou que JK realizasse as obras a tempo de inaugurá-la. E a segunda, por medo do deputado udenista de Goiás, Emival Caiado, com físico de levantador de peso e fanático da transferência da capital para terras vizinhas ao seu Estado. Para o deputado Emival Caiado, a mudança da capital era um dogma, que não admitia dúvida ou discussão. Mas, se Brasília não mentiu, muitos apelaram para as restrições mentais para derrubar, uma a uma, muitas das apregoadas vantagens de mudança, que esvaziou o Rio e negou o sonho dos seus fundadores.

Nos debates parlamentares, os benefícios da mudança para o serrado, além das obviedades do estímulo ao desenvolvimento da região, da interiorização do progresso, os sinos bimbalhavam o sossego, a tranqüilidade de uma capital prevista e construída para acolher uma população de, no máximo, 500 mil habitantes, com previsão para o estouro de 600 mil.

O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, nos amplos palácios, com largos espaços para jardins, garantiriam o sossego, a tranqüilidade do interior brasileiro para o exercício da atividade de cada um, com a independência e a harmonia facilitadas pelas condições ideais. Mentiriam em nome de Brasília. A capital, que o meu compadre e saudoso amigo José Aparecido de Oliveira, quando governador, conseguiu incluir entre os patrimônios da Humanidade, bate recordes vergonhosos do estouro populacional e pode enrubescer de vergonha com os seus 2 milhões, cinqüenta e um mil, cento e quarenta e seis habitantes do último censo. Nada funciona na cidade cercada por favelas, pela violência, pelos traficantes e com todos os vícios do progresso.

A conversa não acaba aqui.