domingo, 2 de novembro de 2008

Quanto pior, pior ainda


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Se o governo federal fracassar, a crise também vai atingir os governos estaduais e prefeituras, principalmente os municípios de mais dinamismo econômico e/ou adensamento urbano

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se equilibra, pela segunda vez desde que chegou ao Palácio do Planalto, numa corda bamba. A primeira foi durante a o caso do mensalão, no primeiro mandato, a mais grave crise política de seu governo; a segunda, agora, é a crise econômica que chegou ao Brasil como uma marolinha e foi subindo, subindo, como uma onda de maré que vai arrastando chinelos, toalhas, bolsas, barracas e cadeiras de praia. Na primeira, Lula se saiu muito bem como o “eu não sabia” e o hábil afastamento do governo de todos os envolvidos no escândalo. Na segunda, administra a situação com doses calculadas de baluartismo e otimismo. Ao mesmo tempo, mantém-se a distância segura dos responsáveis pela gestão da crise.


O mar

A marolinha arrasou o crédito, o investimento e o consumo. São pilares da expansão da economia. Além do ataque especulativo dos investidores estrangeiros à Bolsa de São Paulo, sinais de retração da economia vêm de todos os lados. Pequenos bancos e cooperativas de crédito de trabalhadores (a maioria controladas pelos sindicatos) estão na lona, alguns dos quais metidos em operações de risco. O governo socorreu as construtoras com ações na Bovespa, mas há 50 mil construtoras não-atendidas pelo crédito oficial ameaçadas. A Rússia começa a mandar de volta navios carregados de alimentos. A construção naval está perdendo encomendas. Montadoras deram férias coletivas aos funcionários. A Vale do Rio Doce fechou unidades no Brasil, França, Indonésia e China. Esse mar não está pra peixe.

Após a crise de 1929, graças à Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John M. Keynes, que veio à luz sete anos após a Grande Depressão, a intervenção regulatória do Estado na economia sempre foi capaz de mitigar os efeitos da recessão e da depressão. Até os anos 1970, a teoria keynesiana ajudou muitos países a encontrar o caminho do crescimento. Porém, a partir dos anos 1980, foi substituída pelas idéias “neoliberais” de Milton Friedman (1912-2006), Prêmio Nobel de Economia de 1976, e Friedrich A. Von Hayek (1899-1992), que preconizaram o afastamento completo do Estado das ações econômicas reguladoras. O sistema, segundo eles, seria mais eficiente se o mercado fosse livre e soberano. Durante 30 anos a tese funcionou, até que os americanos meteram o pé na jaca e a crise começou.

Para entendê-la, é preciso considerar que a acumulação capitalista aumenta as rendas do capital e da propriedade (lucros, juros e aluguéis) em ritmo sempre maior que o aumento das rendas do trabalho (salários), responsável pela demanda da grande parte do que é produzido. A solução para garantir a demanda e manter o crescimento da produção é o crédito. Graças a isso, o sistema financeiro se impôs cada vez mais ao processo produtivo e gerou uma ciranda de papéis pintados, que vão do dinheiro propriamente dito aos chamados subprimes das hipotecas americanas. Quando a casa caiu, os governos socorreram o sistema bancário para salvaguardar a moeda e restabelecer o crédito. Querem evitar outra grande depressão como a de 1929. Nesse aspecto, é impossível separar o que está ocorrendo lá fora do que acontece aqui no Brasil. O problema é que o crédito exagerado garante o consumo imediato, mas ao mesmo tempo inviabiliza o consumo futuro. A recessão se torna inevitável, apenas pode ser abrandada. Esse é o busílis da crise.

O barco

A expansão da economia brasileira teve dois pilares: um foi a exportação de commodities (minérios, placas de ferro, papel e celulose e produtos agrícolas, etc); outro, a expansão do crédito pessoal, que ampliou o mercado interno e proporcionou a expansão de nossa indústria. No segundo mandato, Lula resolveu apostar na ampliação dos investimentos públicos em infra-estrutura econômica e urbana para alavancar ainda mais o crescimento, além da ampliação dos gastos sociais e das despesas com o funcionalismo. Vem daí a crença de que o crescimento do mercado interno nos bastaria.

A envergadura da crise mundial, com a retração do comércio internacional e o colapso do crédito privado, colocou em xeque essa estratégia. Diante disso, a oposição aposta na débâcle do governo Lula, de olho nas eleições 2010. Será o caminho mais seguro? Não. Se o governo federal fracassar, a crise também atingirá governos estaduais e prefeituras, principalmente os estados e municípios de mais dinamismo econômico e/ou adensamento urbano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), portanto, estão no mesmo barco. O que os separa é a posição de cada um na embarcação, o grau de responsabilidade perante os problemas e a postura diante da adversidade. Não é a existência da crise mundial e a evidência de que chegou por aqui. Fenômeno objetivo, a crise também pode levar a todos de roldão e favorecer o surgimento de um “salvador da pátria”. Já vimos esse filme.

O terceiro turno

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Iinstituto Vox Populi
DEU EM O ESTADO DE MINAS

Resta um PMDB que, no seu conjunto, ficou quase do mesmo tamanho da eleição passada

Nem bem havia terminado o segundo turno das eleições municipais, na noite do domingo passado, e começava um novo enfrentamento. Até aquele dia, a luta era em torno de fatos, quem teria mais votos, quem venceria e quem seria derrotado. De lá, para cá, trava-se outro combate, agora pelas versões.

Em política, os fatos podem ser, às vezes, menos importantes que as versões. Não são muitas as pessoas que têm a paciência de verificar se elas correspondem, mesmo, à realidade. Faz-se um julgamento rápido de um fato, ele se transforma em lugar-comum, todos o repetem e pronto: some o fato, fica a versão.

No jogo de interesses da política, isso não acontece por acaso. Versões são construídas conscientemente, para servirem a determinados propósitos. Elas não surgem do nada. Como se dizia antigamente, jaboti não sobe em árvore, alguém o coloca lá.

É nesse sentido que se pode dizer que estamos em pleno terceiro turno das eleições, agora para saber quem vai ganhar na guerra das interpretações sobre o que aconteceu este ano, no primeiro e no segundo turnos. Quem for competente nele pode até compensar algum percalço que tenha sofrido.

Exemplo maior disso é a tese da “grande vitória do PMDB”, que vem sendo propagada desde domingo. Ela está em toda parte, virou uma obviedade, e começa a gerar conseqüências políticas de grande importância. De um lado, nas especulações sobre 2010, com a imagem de que o partido teria se transformado na “noiva cobiçada” por todos. De outro, em uma questão concreta e premente, que diz respeito ao equilíbrio de forças no Congresso e à disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Como “grande vitorioso”, o PMDB quer mais do que tem (e que já é muito).

A tese se sustenta em dois fatos, que não justificam a versão. Primeiro, no aumento do número de cidades onde o PMDB elegeu prefeitos. Segundo, em seu desempenho nas capitais.

No conjunto dos municípios brasileiros, o PMDB de fato cresceu, passando de 1.059 prefeitos, em 2004, para 1.203 hoje. Dois comentários: por um lado, com esse crescimento, o PMDB continua menor do que era em 1996 e em 2000, pois, nestas eleições, havia elegido 1295 e 1250 prefeitos, respectivamente.

As 144 prefeituras a mais este ano, por outro lado, estão quase todas na Bahia, onde sim o PMDB teve uma “grande vitória”. De 20, em 2004, foram 114 agora, mais de 65% do crescimento do partido. Ou seja, não houve um fenômeno nacional, mas baiano, com a clara paternidade do ministro Geddel Viera Lima. Tirado o que é dele, resta um PMDB que, no seu conjunto, ficou quase do mesmo tamanho da eleição passada, quando sua tendência de queda histórica viveu mais um capítulo.

Nas cidades médias, o PMDB cresceu em relação ao que era em 2004, mas muito pouco comparado com o tamanho que adquiriu nos últimos três anos. Ou seja, atraindo prefeitos eleitos por outras siglas, ele cresceu mais que nas urnas.

Nas capitais, o PMDB também não teve uma “grande vitória”. Para quem queria conquistar prefeituras país afora, coube-lhe comemorar o acréscimo de apenas uma. No Rio, por mais relevante que seja a cidade, a magra vitória de Eduardo Paes, que teve que mobilizar mundos e fundos, colocando o governador Sérgio Cabral e Lula em seu palanque, para derrotar Gabeira por meio ponto, está longe de ser um resultado extraordinário.

Nas cinco outras capitais em que o PMDB venceu, tivemos a repetição de algo que aconteceu em todo o Brasil, a reeleição dos prefeitos que disputavam no exercício do cargo. Em Salvador, Goiânia, Campo Grande, Porto Alegre e Florianópolis, não foi o PMDB que saiu vitorioso, mas os prefeitos. Como aconteceu com os do PT, do PSDB, do PSB, do PTB, do DEM, do PP e do PCdoB.

Resta o argumento de que cresceu o eleitorado que reside em cidades a serem governadas pelo partido. Ele é certamente maior que no passado, mas daí não decorre nada, se estamos pensando em conseqüências nas eleições presidenciais. Ou alguém acha que a reeleição de João Henrique, em Salvador, afeta a aprovação de Lula na cidade e sua possível influência nas escolhas em 2010?

Se, com resultados reais como esses, o PMDB está tão motivado a ampliar seus espaços de poder em Brasília, imagine-se se tivesse vencido, por exemplo, a eleição em Belo Horizonte. Ia ser difícil conter o apetite de alguns de seus integrantes.

Ajuda planetária


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Assim como a crise financeira atingiu dimensões planetárias, também ganharam as mesmas dimensões os programas de socorro aos países com problemas. Um grupo de 300 banqueiros, reunidos no Instituto para Finanças Internacionais, pressionou para que fossem tomadas medidas combinadas entre o Fed e o FMI para dar liquidez ao mercado internacional de dólar, a fim de impedir que os problemas do sistema financeiro dos Estados Unidos e da Europa se espalhassem, prejudicando economias emergentes. Algumas economias mais frágeis, como as do Leste Europeu e a da Islândia, estão recebendo empréstimos em caráter de emergência do FMI, num novo programa que é considerado um dos maiores da história.

Já o programa de swap cambial do Fed foi concebido para países ameaçados de inadimplência corporativa à medida que os investidores estrangeiros vão embora. Esses países, entre eles Brasil, México e Coréia do Sul, dependem de capital estrangeiro para financiar o comércio e os investimentos.

O economista Claudio Loser, do Centro de Estudos Diálogo Interamericano, de Washington, foi quem melhor resumiu a situação: tanto no Brasil quanto no México, o câmbio se desvalorizou cerca de 40%, um choque muito forte que indica uma debilidade maior do que a prevista, devido à forte vinculação com o mercado de capitais.

Mas foi essa "vinculação forte" com os mercados internacionais que permitiu que nos últimos cinco anos tenha havido, na definição de Ken Rogoff, professor de Harvard, "o mais forte ciclo de expansão da economia mundial, do comércio internacional e da liquidez global da história moderna".

Um exemplo simples de como esse "cassino", como o Presidente Lula qualifica o mercado financeiro, ajudou o fortalecimento da economia brasileira. Entre 72 setores da economia, as instituições financeiras foram responsáveis por nada menos que 28% do aumento de arrecadação este ano. Se a elas somarmos o setor de seguros, outra atividade do setor, chega a 1/3 a contribuição do setor no aumento da arrecadação.

O governo Lula movia o "cassino" ao combinar câmbio valorizado e os maiores juros do mundo, mas cobrava um pedágio, arrecadando Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, IOF e contribuições.

Enquanto todos esperavam que a "marolinha" viria do lado bancário, está cada vez mais claro que, no Brasil, ao contrário do resto do mundo, o que está sofrendo mais é o setor real, com o que a equipe econômica não contava.

No Congresso em Brasília não se fala outra coisa, pois a elite parlamentar é composta em grande parte por empresários. Pelas notícias que chegam a cada dia, os problemas vão do etanol, passando por criação e abate de aves e suínos, até o complexo automobilístico e também o eletrônico: a completa ausência de crédito está provocando paralisia quase absoluta de atividades.

Um exemplo básico das dificuldades peculiares ao Brasil: pintos estão morrendo porque não entregaram rações nas granjas, caso de que não se ouviu falar na Europa ou nos Estados Unidos, e nem mesmo em países vizinhos com maiores dificuldades, com a Argentina.

Uma leitura atenta do noticiário, principalmente nos jornais americanos e ingleses, mostra uma faceta da crise que tem sido mascarada pelas declarações de autoridades brasileiras. O programa de troca de moedas, mais do que um prêmio à boa gestão macroeconômica desses países, como destacou o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, ressalta a fragilidade das duas grandes economias da América Latina, segundo analistas.

Um desses, Steve Hanke, especialista em mercados emergentes do Cato Institute de Washington e professor da Universidade Johns Hopkins, diz que a decisão do Fed mostra que as moedas "são o calcanhar de Aquiles destes países" e "nunca serão sustentáveis a longo prazo".

O grande investidor George Soros, em artigo no Financial Times, sugeriu que os bancos centrais dos países do centro deveriam criar grandes linhas para swaps com os bancos centrais dos países periféricos qualificados, assim como os países dotados de fortes reservas cambiais, como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, China e Japão, deveriam estabelecer um fundo suplementar de desembolso mais flexível.

Essa "receita" está sendo seguida pelo FMI, que em seus programas atuais está utilizando métodos mais flexíveis e praticamente automáticos, sem tanta dependência das famosas "condicionalidades" que engessavam as economias que recebiam a ajuda do Fundo, criando problemas políticos para os clientes-governos.

George Soros também defendeu no mesmo artigo mais crédito de curto e de longo prazo para permitir que os países com posições fiscais sólidas pratiquem políticas de investimento público anticíclico, na mesma direção que está seguindo o governo brasileiro, que já anunciou que reduzirá o superávit primário para financiar obras do PAC. Para Soros, "apenas o estímulo à demanda interna permitirá eliminar o espectro de uma depressão mundial".

Ele prevê que poderá fracassar a Cúpula sobre Mercados Financeiros e Economia Mundial, reunião convocada pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, para o próximo dia 15, com os membros do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) e mais nações emergentes como Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia, se os Estados Unidos não derem o exemplo na proteção aos países periféricos contra uma tempestade que se originou em sua economia.

Por enquanto, no entanto, os Estados Unidos estão cuidando apenas dos interesses de suas corporações espalhadas pelo mundo.

Contagem regressiva


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


“O poder real é decrescente, o que une é a perspectiva de poder”, constata o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, invocando lição aprendida com o tio-avô Tancredo Neves para definir o que, na opinião dele, de fato está em jogo agora no embate entre as forças políticas de governo e oposição.

Por esse raciocínio, o governo Luiz Inácio da Silva entrou em ritmo de contagem regressiva e os partidos já trabalham sob a ótica do que vem pela frente.

Para isso é fundamental que dêem boa impressão, se mostrem vitoriosos, posem de poderosos, escondam dificuldades, passem bem longe de autocríticas (em público, pelo menos), esqueçam episódios nefastos, exibam-se em suas versões mais otimistas.

O governo trabalha para impedir a dispersão da tropa, a oposição se empenha para atrair a maior quantidade possível desses soldados e as legendas que gravitam nas áreas de influência dos dois campos buscam as melhores posições para identificar parcerias vantajosas.

“Os aliados do presidente Lula se abrigam sob o guarda-chuva dele e não do PT”, aponta o governador de Minas, que, com isso, quer dizer o seguinte: sem Lula como candidato, arrefecido o ânimo com a eficácia da transferência automática de votos, o campo está fértil para a revisão de parcerias na coalizão partidária que sustenta o governo.

O companheiro mais cobiçado é, claro, o PMDB. Aécio Neves acha que o PSDB reúne todas as condições para conquistar, senão o partido todo e de imediato, pelo menos boa parte dele de forma gradativa: quanto mais competitivos para 2010 os tucanos se mostrarem, mais próximos os pemedebistas tendem a ficar.

Aécio acha, por exemplo, que o PSDB não deve pensar em chapa puro-sangue para 2010. “Parece pretensioso.” Aos tucanos que defendem Serra para presidente e Aécio para vice, parece mesmo é que o mineiro não quer entregar os pontos da pré-candidatura para presidente.

Seja qual for a intenção subjacente, fato é que Aécio defende abertamente a entrega da vaga ao PMDB. “Se o candidato mais viável for o Serra, será o escolhido com o meu apoio. Mas acho que, se queremos somar, não podemos ter uma chapa pronta, temos de abrir e a primazia no caso seria do PMDB.”

Como se vê, o processo ganhou consistência e velocidade.

Só que do outro lado não tem ninguém dormindo no ponto. O governador de Minas não é detentor exclusivo dos ensinamentos sobre os atrativos do poder. O Palácio do Planalto tem ciência de todos eles e já os pôs em prática antes mesmo do fim do segundo turno das eleições municipais.

Computados os resultados da primeira etapa, desenhado o fortalecimento do governador José Serra na vitória do prefeito Gilberto Kassab em São Paulo, revista a tese sobre a influência da popularidade de Lula nas escolhas do eleitor, os governistas fizeram o primeiro movimento.

Produziram declarações em série de apoio a Dilma Rousseff como candidata oficial à Presidência da República, a fim de não deixar Serra capitalizar sozinho o foco da perspectiva de poder.

Conhecidos os eleitos na segunda etapa, o Planalto orientou o segundo movimento: um recuo tático na briga com o PMDB pelas presidências do Congresso, saudações gerais às vitórias do partido, redução dos danos decorrentes das disputais locais entre os dois parceiros e afirmação enfática sobre a importância do papel do partido no governo.

Na verdade, importante mesmo é evitar que o PMDB comece a cumprir algum papel na oposição. Não pela capacidade do partido de mobilizar o eleitorado, porque o jogo agora não inclui a platéia. Mas muito mais pelo senso de oportunidade do partido, cujos passos podem servir como indicador para mudanças ou permanências de expectativas dentro e fora dos limites do terreno político-partidário.

Em português claro, trata-se de evitar, de um lado, e de tentar provocar, de outro, o conhecido efeito manada.

Controle remoto

Nada há de extraordinário no charivari que se desenha no horizonte por causa da eleição para as presidências da Câmara e do Senado. Trocas de comando tranqüilas são raras no Congresso.

No governo Lula mesmo só houve uma, a primeira. Ainda assim, os ungidos da época - José Sarney no Senado e João Paulo Cunha na Câmara - desorganizaram por um ano o ambiente tentando (inutilmente) mudar a Constituição para se candidatarem à reeleição nos respectivos postos.

Quando se tornaram definitivamente companheiros de governo, em 2006, PT e PMDB tentaram controlar a situação com um acerto de alternância válido para os quatro anos seguintes: nos dois primeiros os petistas comandariam a Câmara, os pemedebistas o Senado; nos dois últimos, trocariam entre si os comandos das Casas.

O problema dos acordos políticos firmados com excesso de antecedência é que no meio tempo entram em cena as novas circunstâncias para atrapalhar. Se de perto já é difícil manejar os fatos, quem dirá de longe.

Quanto mais alto, maior o tombo


Eliane Cantanhêde
DEU ENA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Bush já vai tarde, certo? Depende. Para os americanos e para todo mundo, com certeza.

Mas, para o Brasil, ele teve lá suas vantagens. Não deu a mínima para a América Latina e jogou o abacaxi, fatiado em Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa, para Lula -que, sem a mão pesada de Washington, pode brincar à vontade de "líder".

Pragmaticamente, portanto, tanto faria um democrata ou um republicano na Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2009. Mas as relações políticas e diplomáticas, como os seres humanos, não são assim tão pragmáticas, e a "onda" Barack Obama chegou ao Brasil com a força de tsunami que tem no mundo.

Muito por rejeição a Bush, mas também porque Obama é Obama.

O próprio Lula, contrariando a prudência diplomática, não apenas abriu publicamente o seu voto como o fez num cenário para lá de simbólico: Cuba. Foi da ilha que ele declamou toda a sua simpatia pelo democrata, enaltecendo o "ganho extraordinário" de ter um negro na maior potência do planeta.

Lula reproduziu a avaliação que varre Planalto e Itamaraty: o fenômeno Obama equivale a Chávez na Venezuela, ao índio Evo Morales na Bolívia, ao bispo Fernando Lugo no Paraguai e ao próprio metalúrgico Lula no Brasil. A sociedade está exausta das elites e das fórmulas da desigualdade. Parte para outra.

Obama seria o Lula dos EUA, o que, de certa forma, significa ser uma aposta. Apostas se ganham e se perdem. E o país que espera Obama está sacudido pela crise. São 17 bancos quebrando, a recessão chegando e se disseminando pelo mundo.

Ele tem carisma, discurso, voto e boa vontade internacional, mas não tem algo fundamental: receita mágica para debelar a crise. Até porque ninguém tem.

As pesquisas não permitem certezas na eleição desta terça, mas a tendência é a vitória de Obama. E o seu grande trunfo é justamente o seu maior risco: a expectativa.Quanto mais alta, maior o tombo.

O pato, a manada e as reservas


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Dois econometristas saem para caçar patos. O primeiro atira e erra por meio metro à direita. O segundo dispara, erra por meio metro à esquerda e grita, eufórico: "Acertamos".

Seria engraçado, não fosse o fato de que os jornalistas passamos anos acreditando que, de fato, os dois haviam acertado. Reproduzimos passivamente previsões atrás de previsões sobre tudo (juros, câmbio, crescimento, inflação etc.), mesmo quando os "previsores" erram ano após ano.

Desprezamos um ensinamento básico, o de que a atividade econômica é, no fim das contas, o produto de decisões e atitudes de milhões (ou bilhões) de seres humanos, o que, por definição, torna prevê-las tarefa para oráculos -não para economistas, mesmo para os que se acham oráculos.

Comportamo-nos como manada ao repetir dia após dia, para citar só um exemplo, que os US$ 200 bilhões de reservas blindavam a economia. Só agora entra na agenda a dúvida, exposta aliás separada, mas coincidentemente por dois acadêmicos de extremos ideológicos opostos.

Escreve Cesar Benjamin, que foi candidato a vice-presidente pelo PSOL: "A maior parte dessas reservas foi formada com capital externo de curto prazo, atraído ao Brasil pelos juros altos e aqui distribuídos em ativos dotados de elevada liquidez. As reservas brasileiras são a contrapartida de um passivo líquido que, ao se mover, pode reduzi-las a pó".Ecoa Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Febraban, no mais recente boletim Fipe:

"Preocupa o anúncio de que "US$ 200 bilhões de reservas blindam a economia" sem ressalvar que o volume de capital externo de curto prazo é quase o triplo desse valor".

Pode ser que ambos errem. Mas já engolimos tantos "acertamos" errados que não custa pelo menos parar para pensar.

Recessão e deflação global


Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Recessão global combinada com deflação fará estragos profundos no setor real da economia, como nos anos 30

SUPERADO o pânico do mercado financeiro internacional no início de outubro, o medo passa a ser a recessão global, que já dá seus sinais. O problema da inflação já foi retirado da agenda dos bancos centrais, pois ela deverá sofrer queda rápida nos EUA e na Europa e é provável uma deflação no próximo um ano e meio. Uma recessão global combinada com deflação provocará estragos profundos no setor real da economia, como ocorreu na década de 30. O Fed reduziu mais uma vez a taxa de juros e se os demais BCs, de forma coordenada, não reduzirem mais aceleradamente a taxa de juros para evitar uma deflação global, a recessão, além de profunda, poderá ser mais prolongada.

As projeções de crescimento global para este último trimestre do ano e para o primeiro de 2009 já foram revistas por todos e se tornaram negativas. O JPMorgan estima para este trimestre queda do PIB à taxa anualizada de 4% nos EUA, de 3% na Inglaterra e de 2% na área do euro e crescimento da economia global de 0,4% em 2009. Esses números poderão ser revistos para baixo, pois a economia da China poderá desacelerar mais fortemente em 2009, para um crescimento de 6% a 7%.

Nos países emergentes, num primeiro momento, a depreciação da taxa de câmbio vai elevar os preços dos bens comercializáveis, ainda que em menor grau do que nas experiências recentes, e no Brasil a indexação fará persistir a inflação de preços administrados. Mas tudo isso ocorrerá num quadro recessivo, tornando desnecessária a elevação da taxa de juros. Nos demais setores, vamos certamente assistir a uma deflação já no próximo ano.

A perspectiva que a crise financeira abriu para o Brasil é de pressão para a redução da taxa de juros. A taxa de câmbio já sofreu mudança de patamar devido à restrição externa de crédito e à inversão no movimento financeiro de capitais, que deverá persistir por longo período. Ainda, dificilmente cairá da faixa de R$ 2 ou R$ 2,10 e, certamente, não responderá à variação na taxa de juros, enquanto a crise financeira não for resolvida, o que levará de dois a quatro anos. Dessa forma, se a política de meta de inflação do BC tem que atuar hoje sobre a inflação futura, temos é que atuar com a perspectiva de deflação -e não de inflação.

O BC tem a oportunidade de uma redução da taxa de juros mantendo a sua credibilidade e aumentando a confiança, que é o que falta hoje. Uma redução nos custos de captação dos bancos, no momento em que há preocupação com seu prejuízo, é o melhor que se pode fazer para evitar uma crise de confiança. Além disso, o problema mais grave e prioritário no Brasil é a contração no crédito que, se não for restabelecido, poderá provocar uma recessão na economia brasileira. As medidas tomadas pelo BC, de redução no depósito compulsório dos bancos, não estão surtindo os efeitos desejados.

Se o BC paga no over ou em títulos públicos 13,75% sem risco, por que emprestar correndo risco desconhecido, dada a situação de incerteza que vivemos? Num quadro de crise financeira, com travamento do sistema de crédito e perspectiva de deflação, nada melhor do que a redução adicional dos compulsórios e a redução da taxa de juros.


YOSHIAKI NAKANO, 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Eleições e crise


Fernando Henrique Cardoso
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Apurados os votos, algumas análises se confirmaram. Primeiro, a despeito das imperfeições e críticas, nosso sistema político é, de fato, competitivo. Segundo, a competição se dá menos entre partidos do que entre lideranças. Estas não deixam de estar ligadas a partidos, claro, mas, quando aprovadas nas urnas, não consagram automaticamente os seus partidos. Terceiro, por mais que partidos e máquinas governamentais tenham capacidade de arrebanhar votos e por mais que as lideranças possam influir, não decidem os resultados eleitorais, pelo menos nas grandes cidades.

É na campanha que a opinião pública se forma. Têm peso a influência das lideranças, a propaganda, as máquinas partidárias e governamentais, mas é o desempenho do candidato, com seus gestos, discursos e atos, que, finalmente, decide o voto. Ninguém elege um poste. Nada a estranhar nesse processo: é assim que o eleitorado decide nas democracias de massas, com partidos relativamente débeis e personalidades cujo simbolismo ou cujas características podem ou não se ajustar às expectativas momentâneas dos eleitores.

Não se pode dizer que o PT tenha saído eleitoralmente derrotado, pelo bom desempenho que teve nas grandes cidades. Mas saiu, sim, politicamente enfraquecido, pela derrota nas principais capitais, mesmo naquelas em que o presidente Lula se jogou pessoalmente na campanha.

Esse resultado pode ser interpretado de vários modos, todos plausíveis, nenhum conclusivo. Talvez por trás da rejeição ao lulo-petismo nas capitais comece a haver uma sensação ainda não muito nítida, mas presente, de que nem tudo vai tão bem no País, como proclama o presidente, seja devido aos primórdios da crise econômica, seja pela corrupção impune ou, até mesmo, pela “fadiga de material”, depois de tantos anos. Nada disso, entretanto, autoriza a prever os resultados a serem alcançados em 2010, mesmo porque não há conexão direta entre eleições municipais e nacionais. De qualquer modo, as oposições podem sair mais esperançosas, pois o fantasma da avalancha petista ou do eleitor de postes se desvaneceu.

É certo que a instalação da crise econômica no mundo, sem dúvida a maior desde 1930, já está afetando a economia e o sentimento do povo e afetará mais ainda. As oposições não devem, porém, apostar no “quanto pior, melhor”. Que ninguém se iluda: quanto pior, pior. Seria uma vitória oposicionista de curto fôlego, se, ao alcançar o poder, o novo presidente e seu grupo tivessem de continuar apagando incêndios em meio aos escombros deixados na economia real e nas contas públicas pela crise financeira. Não acho que devamos minimizar o que está ocorrendo nem jogar com a crise para construir o futuro eleitoral. O governo já abusou da opinião pública menosprezando a gravidade da situação. No início, mesmo nos Estados Unidos e na Europa, desconheciam-se a extensão e a profundidade da crise, até que se percebeu que ela se havia espalhado por todo o sistema financeiro. A crise de liquidez converteu-se em crise de confiança e tanto bancos centrais como tesouros nacionais foram obrigados a se coordenar e intervir para garantir não apenas a liquidez, mas a solvência do sistema. O custo que o socorro generalizado imporá ao bolso dos contribuintes está por ser avaliado. Certamente eles pagarão a conta dos desatinos cometidos nos países ricos na espiral de endividamento e consumo sem lastro, turbinada por derivativos financeiros.

Entre nós, os efeitos imediatos dessa situação foram a retração de crédito, inicialmente para as exportações, com o corte das linhas de financiamento em dólares, e a desvalorização e a volatilidade acentuadas da taxa de câmbio (o real é uma das moedas mais debilitadas pela crise, apesar das reservas de US$ 200 bilhões). Parte do problema com a taxa de câmbio se deve às posições especulativas anteriormente assumidas por empresas exportadoras que tomaram recursos em dólar, apostando que a moeda americana não sofreria maior desvalorização, e aplicaram esses recursos em reais, para aproveitar dos elevados juros domésticos. Tudo isso nas barbas do Banco Central... Com a mudança no comportamento do câmbio, houve muita procura por dólar para pagamento dos empréstimos contraídos, o que reforçou a desvalorização do real.

Dizer que essa crise não afetará a nossa economia é brincar com o fogo. Haverá, sim, retração, pela diminuição do crédito e pelo encolhimento do mercado internacional e, em menor proporção, do mercado interno. Logo, o crescimento será significativamente menor em 2009 e, provavelmente, em 2010. O governo poderá minimizar a desaceleração se, depois da letargia inicial, agir com presteza e concentrar os gastos naquilo que é essencial: a infra-estrutura e as políticas sociais.

Diante da gravidade do quadro, as oposições e o governo precisam agir responsavelmente. É dever daquelas exigir transparência nas medidas adotadas pelo governo para evitar favorecimentos indevidos a grupos e setores econômicos à custa dos impostos pagos pelo povo. Por outro lado, não deve faltar apoio ao que for necessário e urgente. Todavia, se as oposições quiserem ganhar as eleições presidenciais, terão de ampliar os horizontes de esperança, unindo-se, o quanto antes, em torno de uma chapa que, pela competência, pela seriedade de atitudes e pela trajetória política, desperte a confiança de que o País pode e deve avançar ainda mais rápido e melhor do que tem avançado nos últimos 15 anos.


Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

Mesmice e mudança


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


“Change” – não se trata de slogan publicitário, invenção de marqueteiro, mote novo para velhas camisetas, modismo. O mundo quer mudar, precisa mudar, se permanecer como está, arrebenta.

E, desta vez, diferentemente dos grandes traumas históricos como a Revolução Francesa (1789) e a Primeira Guerra (1914-1918), o clamor pelas transformações é desarmado, pacífico. Civil e civilizado. Em vez de revoluções, contra-revoluções, quarteladas e guerras sangrentas (que trouxeram mais injustiças do que reparações) a arma da mudança está sendo exibida sem medo: o voto. Voto enérgico, convicto, individualizado, livre de fanatismo e truculência.

A sonhada era da mudança só se efetivará se conduzida através da democracia representativa. No grito ou no conchavo, através de golpes ou trambiques ficará tudo na mesma. Genuínas mutações serão possíveis desde que processadas dentro de sistemas onde possam ser livremente implementadas e questionadas.

Qualquer que seja o desfecho da eletrizante disputa eleitoral americana na próxima terça-feira – mundo civilizado está torcendo para a vitória de Barack Obama – evidencia-se que os EUA jamais serão os mesmos. Sarah Palin, a barbie convocada para ser vice do republicano John McCain, é uma caricatura feminina de George W. Bush que por sua vez é uma grosseira caricatura de Ronald Reagan. Uma superpotência não pode resignar-se à condição de álbum de charges.

Barack Obama não é apenas o primeiro candidato negro ou afro-americano com chances de ocupar a Casa Branca. Ele é o único líder político americano que teve a audácia de aposentar os ressentimentos e se assumir como pós-racial. Mais do que isso: pós-religioso, pós-ideológico e pós-nacionalista. Obama encarna a mudança – na biografia, na pessoa, no gesto, nas idéias. Será testado no colégio eleitoral americano, mas tem consciência de que a sua tutora é a opinião pública mundial.

A campanha eleitoral brasileira, embora em outro âmbito, prometia mudança e substância. Ficou na promessa. A surpreendente coligação belo-horizontina PT-PSDB não passou de jogada entre coronéis da nova geração, puro oportunismo, nenhuma fresta inovadora, nenhum contrapeso conceitual.

A grande surpresa – legítimo fenômeno político – foi o desempenho de Fernando Gabeira. Sua derrota por apenas 55 mil votos num eleitorado de cerca de três milhões e meio de votantes não é uma "vitória moral", é uma conquista concreta, inalienável.

Sozinho, com poucos recursos e quase sem suporte partidário, Gabeira enfrentou as máfias ligadas ao crime organizado, neutralizou o poderoso lóbi evangélico, atropelou a tropa de choque do MR-8 a serviço do PC do B e bateu a máquina dos governos municipal e estadual. Foi abatido pela singular abstenção (quase 972 mil ausentes, cerca de 21%), produzida pela antecipação do Dia do Servidor Público para a segunda-feira.

Sua bandeira: mudança. Seu mostruário: ele próprio. Uma postulação política superior, também pós-ideológica, uma coleção de propostas límpidas despojadas do abominável jargão tecnocrático, a honestidade de apresentar-se como gente, a maneira inteligente de tornar ostensiva a estultice dos rivais, foram recompensadas por este formidável retorno eleitoral.

Gerenciado da mesma forma transparente e determinada, este ativo político poderá transformá-lo no agente da grande virada que o Rio aguarda há quase meio século, desde que a capital foi despachada para o Planalto Central.

Embora não seja carioca da gema (nasceu em Juiz de Fora), Gabeira representa a quintessência da sofisticação do Rio. Sem ela, a Cidade Maravilhosa continuará como terra-de-ninguém ou, na melhor das hipóteses, linda trincheira na guerra entre milícias, gangues e polícia.

Uma mudança real em Washington mudará o mundo. A continuada pressão por mudanças no Rio poderá injetar esperanças num cenário desbotado, onde impera a mesmice e o dèjá-vu, interminável festival de reprises.

» Alberto Dines é jornalista