terça-feira, 4 de novembro de 2008

Vai dar Obama na cabeça


Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO


Hoje é a hora H. Hoje é dia de rock. Hoje o pau vai comer na casa de Noca. Não tem mais lero-lero nem lesco-lesco. O mundo vai mudar. É o segundo acontecimento real desde o 11 de Setembro. Obama ou McCain? Quem dá mais? A inteligência que resiste à estupidez ou aqueles 59 milhões de idiotas que elegeram o Bush na fraude do século, na Flórida. Será que vão repetir a fraude? Estranha herança da democracia fundada - furos propositais no sistema eleitoral, zebras programadas. Será que ganha o racismo oculto, recôndito, a KKK na alma de "wasps"?

Se McCain ganhar, o mundo vai piorar. Mas, sem medo de errar, aposto no Obama. Obama é um político jovem que respeita a razão, o progresso, a ciência e a cultura. McCain não é nada.


Nem é lobista de grandes corporações, se bem que amado por elas, nem é empregado do petróleo como Bush. McCain é um fenômeno "paparazzi": a celebridade em busca de si mesmo. McCain luta por sua vaidade de velho que não quer brochar e morrer. Ah, sim... ele era bonito e heróico quando jovem. Um Gregory Peck em aviões de combate, comendo as mulheres.


Agora, quer coroar seu narcisismo como um presidente machinho, com aquela senhora loura, infeliz e plastificada atrás dele. Só isso. Seu orgulho é ter sido prisioneiro na Guerra do Vietnã e, segundo afirma, torturado pelos comunistas. Só não diz que era ele que estava massacrando, bombardeando os miseráveis vietcongues que lutavam na lama. Ele era o criminoso abatido - não a vítima. McCain luta por sua fama. Como está velho, caído, finge uma desenvoltura de caubói ligeiro que não cola e, como teve câncer que pode voltar, pode acabar nos legando aquele pit bull de batom, a perua careta e despreparada Sarah Palin, que seria a "boceta de Pandora" final para o mundo, a mulher de onde sairiam todos os males. McCain é prosa e Obama é poesia. Bush foi o macaco na loja de louças do Ocidente. McCain finge ser uma evolução da espécie dos símios, mas é macaco também. E não me venham os fascistinhas chamá-lo de "sensato conservador"...

Obama é o novo. Obama é o negro sem rancor, o negro pós-moderno, que passou por Malcolm X, pelo Luther King e que atingiu uma espécie de síntese de virtudes políticas que almejamos: tolerância, a ecologia, a inteligência contra a mentira, é antiguerra, pela superação do bipartidarismo numa busca de "entente cordiale", contra os "lobbies", contra a tirania do petróleo, contra o efeito estufa. E não me venham os fascistinhas chamá-lo de "esquerdinha sem programa"...

Obama parece pairar "acima" da política, com um "honesto" messianismo, pois seu programa é quase abstrato. E não faz mal, pois, como dizia Valery: "Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?" Ele dá aos brancos que o apóiam a oportunidade de se absolverem por séculos de discriminação racial. Ele é sexy, um JFK negro, ele é a retomada do presidente que transa, sua mulher tem corpaço, bumbum. Ele diz: "Eu não falo o que vocês querem ouvir; eu falo o que vocês precisam saber!" Doce mentira: ele fala o que todos querem ouvir sim - a magia da mudança, a esperança não se sabe bem de que, alguma coisa pela qual valha a pena viver.

Obama é uma utopia crível, num tempo de tanto horror.

Obama é um trocadilho com Osama... Assim como Osama mudou a América pelo Mal, Obama quer mudar para o bem.

McCain representa a pior face da América: o mundo psíquico dos republicanos. Já morei no interior da Flórida, nos "gloriosos" anos do racismo, e sei do que falo. O imbecil republicano é diferente dos nossos cretinos fundamentais. Lá, eles têm certezas absolutas; aqui, nossos idiotas se escondem pelos cantos, babando de humilhação. O republicano típico acha que sabe tudo. São filhos de um deus duro e implacável. As caras, as fuças típicas dos republicanos parecem dizer: "Não tenho dúvidas, não quero ouvir, já sei tudo, Deus me disse...!!"

Se Obama ganhar, teremos a felicidade de não ver mais as famílias gordinhas dos boçais da direita, os psicopatas sorridentes de dogmas, seus hambúrgueres malditos, seus churrascos nos jardins e nas cadeiras elétricas, não veremos mais os meninos mortos voltando do Iraque como sanduíches embrulhados para a viagem, a crueldade em nome da bondade, a fé contra a razão, a santidade da burrice, tudo sob um inferno de cânticos evangélicos e música country. McCain é Nashville; Obama é jazz.

Os eleitores de McCain são paranóicos e precisam de inimigos para viver. Valorizam o martírio, como os boçais radicais do Islã. Em geral, dividem-se em reprimidos sexuais ou sadomasoquistas. Eles odeiam a diferença: os negros, os estranhos, os livres. É patético ver o McCain fingindo de republicano light, de democrata sem ginga. Quando ele declarou: "Eu não sou o Bush!" - mentiu. Ele é o Bush sim; eles são produzidos em série no útero puritano da América, forjados na velha religião do século 17, falando nas "forças do mal", que são eles mesmos, sem espelho.

McCain fala do horror de torturas que teve no Vietnã, mas esquece de dizer que ele não era a vítima; ele era o assassino que bombardeava os vietnamitas pobres na lama.

O legado de Bush é nossa miséria. O Iraque destruído, milhares de homens-bomba disputando a honra de nos matar, o Irã nas mãos de um "Chávez" islâmico , o Paquistão povoado por milhões de fundamentalistas com bomba atômica, embalando o Bin Laden, o desalento da arte, da cultura e do pensamento filosófico, o déficit público da maior nação e, agora, a maravilhosa depressão que assola o mundo, criada pelos vorazes rapazes dos derivativos de Wall Street.

Mas, na qualidade de profetinha autoproclamado, em verdade vos digo: "Chegou a hora deste homem bronzeado mostrar seu valor.

Deus é pai. Obama vai ganhar!"

Um presidente negro?


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Nunca uma eleição pareceu tão decidida, e nunca se viu uma expectativa maior, tanta dúvida sobre o resultado final, sem base em nenhum fato concreto, apenas o receio de que a realidade das urnas hoje acabe sendo diferente daquela que tudo indica ser a tendência natural revelada pelas pesquisas de opinião desde o meio de setembro, a eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Um simbolismo de mudança na maior potência mundial, uma demonstração de maturidade da democracia americana. De fato, não há nenhuma razão para se acreditar que o candidato republicano John McCain possa virar o resultado a seu favor quando 24 horas antes todas as pesquisas indicam a vitória do candidato democrata tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral. Mas muitos acreditam em bruxas neste país.

Segundo o Instituto Gallup, que divulgou ontem sua última pesquisa antes da eleição colocando Barack Obama na frente por 52% a 41%, apenas em duas ocasiões desde 1952 ocorreram erros nas pesquisas: na disputa entre o então presidente democrata Jimmy Carter e o republicano Ronald Reagan em 1980, quando no dia da eleição Carter tinha uma diferença de um ponto percentual a seu favor e acabou perdendo por 10 pontos; e em 2000, quando Al Gore era dado como derrotado pelas pesquisas de opinião e terminou vencendo no voto popular, mas perdendo no Colégio Eleitoral com uma derrota da Flórida tida como viciada.

Este ano, Obama está na dianteira em todas as pesquisas de voto popular e superou o número mágico de 270 votos no Colégio Eleitoral por margem que vai de 8 a 58 votos, dependendo do critério. Há um consenso entre as pesquisas de que Obama vencerá em todos os 13 estados em que John Kerry e Al Gore venceram nas duas últimas eleições, perfazendo um total de 241 votos.

A diferença dele para McCain nesses estados é sempre maior do que as margens de erro, que podem chegar a 4 pontos percentuais nas pesquisas estaduais. Além disso, Obama está vencendo também em três estados em que os democratas ganharam pelo menos uma das duas últimas eleições.

Em New Hampshire, que tem apenas 4 votos no Colégio Eleitoral, Obama está vencendo por uma margem de 10,6, enquanto Kerry venceu em 2004 por 1,3 e Bush venceu em 2000 por 1,3. Em Iowa, que tem 7 votos eleitorais, Obama vence por 15,3, quando Gore venceu por 0,3 em 2000 e Bush ganhou por 0,7 em 2004. No Novo México, com 5 votos, Obama está na frente por 7,3, quando Bush venceu em 2004 por 0,6 e Gore venceu em 2000 por 0,1.

Há outros cinco estados tradicionalmente republicanos, ou pelo menos em que Bush venceu as duas últimas eleições, que estão dando a vitória a Obama por diferenças que estão dentro da margem de erro. Na Flórida, com 27 votos, a margem é de menos de 2 pontos; Virgínia, com 13 votos, a margem é de 4,3; Ohio, com 20 votos, a margem é de 3,2; Colorado, com 9 votos, a diferença é de 5,5 e Nevada, com 5 votos, a diferença é de 6,2.

Esses estados somam 74 votos, retirados da base republicana. Nos últimos dias, McCain está tentando se recuperar pelo menos nos dois últimos, onde, embora a diferença seja maior a favor de Obama, o eleitorado é considerado mais passível de um ataque republicano, além de tentar mudar a situação no Novo México.

A Pensilvânia, um estado tradicionalmente democrata, tem 21 votos e onde Obama lidera por cerca de 8 pontos, é o grande sonho de consumo dos republicanos. Se conseguissem virar o jogo lá, acham que teriam chance de reverter o resultado do Colégio Eleitoral. Mas não há nenhuma indicação de que essa estratégia venha a dar certo.

Outros sete estados estão na disputa, com desvantagem para McCain, já que em todos eles o Partido Republicano venceu nas duas últimas eleições: no Arizona, que tem 10 votos eleitorais, Obama vence por 3,5; na Geórgia, com 15 votos eleitorais, Obama supera McCain com 4 pontos.

Em outros quatro estados, McCain está vencendo, também dentro da margem de erro: Missouri, que tem 11 votos eleitorais, McCain vence por 0,5; na Carolina do Norte, que tem 15 votos, o republicano vence por 0,6; em Indiana, que tem 11 votos, McCain vence por 1,4 e Montana, com 3 votos eleitorais, McCain supera Obama por 3,8.

Embora as pesquisas de voto popular mostrem Obama na frente com uma vantagem de 7,3, segundo o site Real Clear Politics, que calcula a média entre todas as pesquisas, há alguns fatores a serem ultrapassados. Um deles é o voto indeciso, que ainda está em 10%.

Pelas técnicas de pesquisa, esse número deve ser dividido proporcionalmente entre os competidores, o que manteria uma diferença a favor de Obama. Mas há o temor entre os democratas de que esses indecisos na verdade sejam majoritariamente contrários a Obama, com vergonha de se pronunciar.

Esse seria o efeito Bradley, um fenômeno eleitoral que não se sabe se ainda está em vigor nos Estados Unidos atual. O nome deve-se ao prefeito de Los Angeles, Tom Bradley, um negro que se candidatou ao governo da Califórnia em 1982 e perdeu surpreendentemente, depois de aparecer como líder das pesquisas durante toda a campanha.

Um estudo da Universidade de Stanford mostrou que existe uma diferença de até seis pontos percentuais das pesquisas para as urnas quando um candidato negro está na disputa. Há também a esperança dos democratas de que se confirme a alta taxa de comparecimento na eleição, consequência da maior participação de jovens e integrantes de minorias devido à possibilidade de Obama ser eleito.

Segundo os últimos dados divulgados pelo Centro de Estudos Políticos e Econômicos, em Washington, 84% dos eleitores negros se identificam como partidários de Obama, e 10% são indecisos. Apenas 6% apóiam John McCain.

Se houver um resultado apertado, contra todas as previsões, e uma vitória controvertida de McCain, o temor é de que, ao contrário de 2000, se espalhem pelo país movimentos de revolta contra uma possível fraude eleitoral.

Duplamente extraordinária


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Olhando para trás, é impossível discordar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele diz que é "extraordinário" o fato de os Estados Unidos elegerem, eventualmente, um presidente negro.

Afinal, há meio século, pouco mais ou menos, um Barack Obama nem poderia sentar-se no mesmo banco de um branco, imagine então ter assento na Casa Branca. Mas, olhando para a frente, o "extraordinário" é insuficiente. A cor da pele do presidente -branca ou negra- não vai estabilizar a economia (norte-americana ou do resto do mundo), não vai devolver um mínimo de civilização ao Iraque ao Afeganistão ou a Darfur, não vai reduzir nadica o aquecimento global, não vai, enfim, resolver um só dos problemas do planeta.

Sei que é óbvio tudo o que está escrito antes, mas o entusiasmo que despertou Barack Obama na maioria da mídia norte-americana (e do resto do mundo) tende a sepultar o óbvio e, por extensão, a fazer crer que o importante é o resultado eleitoral em si, não a ação que o governante adotará depois dele. Nesse ponto, fico com o presidente Hugo Chávez, da Venezuela: "Que um negro chegue à Presidência dos Estados Unidos não é pouco; que esteja à altura da história é outra coisa".

Podem apostar à vontade no declínio do império, mas, hoje por hoje, os EUA são a única superpotência do planeta, e, por extensão, seu presidente é o único capaz de liderar a tal de "change" ("mudança") de que tanto fala Obama.

Nenhuma mudança, boa ou ruim, se fará sem os Estados Unidos ou contra os Estados Unidos.O problema é que "os EUA aparentemente estão para eleger o mais inexperiente, menos testado e menos conhecido candidato que jamais concorreu ao cargo", como escreveu ontem Janet Daley, do "Daily Telegraph".

A eventual eleição de Obama é, pois, duplamente extraordinária.

Ninguém é perfeito


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Ao vencer as primárias democratas em Iowa, onde tudo começou, Barack Obama comemorou: "A esperança venceu o medo". Onde você já ouviu isso? Pois é, Obama nos EUA, como Lula no Brasil, fez a campanha da "esperança", da "mudança".

Uma guinada pró-John McCain hoje não é impossível, mas é improvável. Em dando Obama, os democratas terão a Casa Branca e uma maioria, tanto na Câmara como no Senado, provavelmente impermeável às manobras obstrucionistas dos republicanos.

Obama terá, assim, legitimidade eleitoral, segurança no Congresso e uma imensa simpatia internacional, aliadas a um imenso carisma pessoal e a um poderoso discurso de "transformação".

Para dentro dos EUA, espera-se que ele interrompa o "ladeira abaixo" da maior economia do planeta, que atropela a Europa e causa engarrafamento no mundo.

Para fora, espera-se que Obama faça um mea-culpa pelos erros dos EUA e adote uma política externa aberta, dialogando com amigos e com "inimigos", inclusive Chávez, forçado a rever a retórica: como chamar Obama de "diabo", como faz com Bush?

O mundo precisava dos EUA. Agora, os EUA não mandam mais sozinhos e precisam do mundo. Até para sair da própria crise.

Com a expectativa "para dentro" e "para fora", Obama deve manter a tradição democrata de subsidiar a produção interna em detrimento da importação de países como o Brasil, mas deve fortalecer o ansiado "multilateralismo". E os "emergentes", novamente como Brasil, terão cada vez mais voz e respeito.

Em outras palavras: Obama pode não agradar os exportadores brasileiros, mas deve investir num equilíbrio melhor entre as nações. O preço compensa. E, afinal, ninguém é perfeito.

Fusão Itaú-Unibanco: bom para o sistema, coitado do cliente.

Fidelidade de resultados


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As teorias circulantes sobre traições partidárias esperadas para muito em breve por ora não passam de teorias. No papel, agüentam-se firmes, chegam mesmo a fazer sentido. Quando cotejadas com a realidade, porém, revelam-se desprovidas de lógica e não param em pé.

Comecemos pelo caso mais notório, o do PMDB. A propagada hipótese de o partido transferir seu apoio do governo à oposição não é uma fabulação; tem base no modo de operação pemedebista e sustenta-se nos gestos e nas palavras de lideranças do partido.

Nenhuma delas se preocupa em disfarçar o entusiasmo com a desventura do PT em São Paulo nem se empenha em esconder que a aliança não é incondicional, muito menos implica adesão automática à candidatura presidencial governista em 2010.

Mas dessas lideranças e de outras menos desinibidas lideranças não se ouviu, nem se ouvirá tão brevemente como se imagina, uma palavra sobre a disposição do partido de devolver ao Palácio do Planalto seus seis ministérios, a presidência, a diretoria comercial e a diretoria de tecnologia e de infra-estrutura dos Correios, a presidência de Furnas, a vice-presidência de governo do Banco do Brasil, a presidência da Eletronorte, a presidência da Transpetro e a coordenação do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Em valores absolutos, os pemedebistas ocupantes desses cargos estão sentados sobre o equivalente a R$ 40,5 bilhões em recursos federais. Isso para só falar dos melhores postos, desconsiderando todo o plantel de menor, mas substancioso, porte.

Não faz o menor sentido imaginar que o PMDB esteja sequer cogitando a sério da possibilidade de dar, agora, um salto no escuro deixando para trás tudo o que conquistou ao custo de uma revisão doutrinária radical.

Dizer num dia cobras e lagartos de um presidente e, no outro, passar a vê-lo sinceramente como um gênio é tarefa extenuante. Requer, no mínimo, um período de gozo e relaxamento.

Se tiver de acabar, não será antes de o partido conseguir montar seu esquema de eleições estaduais para tentar repetir com os governadores o desempenho obtido agora com os prefeitos.

Para isso talvez não precise do governo quando a disputa estiver bem perto e, se na ocasião, os oposicionistas estiverem arrebatando corações eleitorais. Mas, daqui até lá, não vai dispensar os instrumentos necessários à construção de uma boa base de operações.

Por esse raciocínio, é óbvia a conclusão: não obstante todo o jogo de aparências, no momento ao PMDB não interessa sair. Ao contrário, nessa altura gostaria de mais espaço para entrar.

A tese sobre o golpe de mão que o DEM, uma vez fortalecido na Prefeitura de São Paulo, daria no PSDB em geral e em José Serra em particular nem carece de bons argumentos para se contraditar.

O partido chegou lá por obra e graça da fidelidade ao governador tucano que, não tendo nascido exatamente anteontem, não descuida do controle. Além disso, sozinho o DEM não vai a canto algum. Seus experientes e realistas dirigentes não perdem de vista que, com os tucanos, podem voltar ao poder federal.

Ainda que pudesse trair, não seria a opção mais sábia. A conversa do DEM não é de independência. A questão ali é segurar os defensores da fusão com o PSDB, convencendo-os de que a posição de anexo dos tucanos é de ótimo tamanho para a atual dimensão do partido.

Unidade e ação

O crescimento do PMDB desde a adesão total ao governo Lula desmente a história de que o partido é forte porque está sempre dividido.

Lição sobre a força na união absolvida, até por pragmatismo, o PMDB pode surpreender e ficar todo junto de um lado só, o potencialmente vencedor.

Marionete

Os prefeitos eleitos do Rio e Belo Horizonte andam precisando de um bom amigo que lhes informe a diferença entre a fidelidade e a subserviência desmedida.

Para se eleger, Eduardo Paes seguiu a cartilha do governador Sérgio Cabral; correu literalmente atrás de uma palavra amiga do presidente Lula, foi humilhado por Marisa Letícia, pegou na mão de quem antes jamais pegaria.

Depois de eleito, Márcio Lacerda já se fez duas vezes porta-voz de provocações ao governador de São Paulo, José Serra: comparou em tom pejorativo a tendência paulista de “centro-direita” à ação mineira de “centro esquerda” e acusou a existência de “apoio financeiro vindo de São Paulo” na campanha de seu adversário, Leonardo Quintão.

Compreende-se que ambos sejam gratos aos governadores de seus Estados, sem os quais nem sonhariam em chegar à frente das respectivas prefeituras.

Mas, considerando que provocações e bajulações são atos pessoais e intransferíveis, o prestador de serviços corre riscos. Um deles é perder o respeito do público; outro é contratar inutilmente inimigos para o dia de amanhã.

Governo avança na reforma política


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Está praticamente finalizado o projeto de reforma política em consulta pública no Ministério da Justiça. A proposta contém novas cláusulas para a disputa presidencial de 2010. Entre as novidades, uma que altera o critério para a distribuição do tempo de rádio e televisão das coligações partidárias. Mudança polêmica, pois interfere nos cálculos atuais dos eventuais candidatos à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se o projeto em curso for aprovado, o tempo dos candidatos, nas eleições majoritárias, deixará de ser calculado pela soma do tempo dos partidos integrantes da coligação partidária. A duração dos programas eleitorais passaria a ser estabelecida, então, em função do tempo do maior partido da aliança. "É um Ovo de Colombo", acredita o secretário de Assuntos Legislativos do MJ, Pedro Abramovay.

O projeto tem o mérito, sem dúvida, de praticamente acabar com a venda do tempo de rádio e TV, prática comum entre algumas das chamadas legendas de aluguel. Para o secretário Abramovay, tem sobretudo a virtude de levar a que as alianças eleitorais sejam efetivamente feitas em termos programáticos, republicanos, e não mais em função tão somente do tempo de televisão, como ocorre atualmente.

Na prática, isso significa que se o governador José Serra for o candidato do PSDB a presidente em coligação com o Democratas e o PMDB, numa reedição da aliança que reelegeu Gilberto Kassab prefeito de São Paulo, o tucano disporia apenas do tempo do PMDB, que das três siglas foi a que elegeu mais deputados federais (o critério que determina o tempo de cada partido). Na hipótese de uma aliança PT-PMDB-PSB-PCdoB, o tempo seria também o do PMDB, partido que elegeu 89 deputados, em 2006, contra 83 do PT.

A importância do tempo de rádio e TV ficou muito clara nas eleições municipais: Kassab partiu de um dígito nas pesquisas, tornou-se conhecido e pôde casar a boa avaliação de sua administração com o candidato. O horário eleitoral gratuito apresentou João da Costa, em Recife, e Márcio Lacerda, em Belo Horizonte, aos eleitores.

Aprovada a mudança, o PMDB, partido que já saiu fortalecido das eleições municipais ganhará mais poder de barganha. Se fizer coligação com o PT, como deseja o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será um problema para a oposição: PSDB e DEM saíram, respectivamente, com a terceira e a quarta bancadas da eleição de 2006. Ou seja, com o terceiro e o quarto tempo de rádio e TV, se vingar a nova regra.

Apesar de constar como prioridade nos dois programas de governo de Lula, a reforma política só agora entrou de fato na agenda do governo. O projeto ficará em consulta pública até o próximo dia 15. Não chega a ser um sucesso de público, mas tem recebido contribuições de organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A intenção do governo é enviar o projeto ao Congresso antes do final deste ano.

Apesar do ceticismo em relação à reforma, o secretário Abramovay está otimista. Ele destaca que, desta vez, o governo entrará na discussão com uma proposta concreta, ao contrário do que ocorreu quando o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tentou mas a votação empacou na questão da lista aberta ou fechada de votação. "É um legado que o presidente Lula quer deixar: o peso de não ter enfrentado essa questão seria grande", afirma.

Na realidade, Lula está aborrecido com o fato de governar com uma coalizão de 14 partidos e a cada votação ter de negociar individualmente com os parlamentares ou com facções partidárias, ideológicas ou regionais. O presidente, segundo assessores mais próximos, estaria convencido de que a saída para o impasse é a reforma política.

Difícil será o entendimento entre os partidos. As pequenas siglas, por exemplo, perdem com a mudança do critério de partilha do tempo de TV, mas também com a reedição da cláusula de barreira, já livre dos vícios que levaram o Judiciário a retirá-la da cena política, e com a proibição de coligações nas eleições proporcionais.

Esta é uma antiga aspiração dos partidos maiores, que perdem espaços para aqueles menores que costuma abrigar nas alianças eleitorais. Em São Paulo, por exemplo, o PT teve uma votação para eleger 14 vereadores, mas ficou com apenas 11 cadeiras - as outras três ficaram com os partidos da coligação.

Fácil deve ser a flexibilização da fidelidade partidária, uma proposta com trânsito no governo e na oposição e entre os presidenciáveis de 2010. Permitiria, por exemplo, ao governador Aécio Neves trocar sem problemas o PSDB pelo PSB, partido ao qual está aliado em Minas Gerais, para disputar a Presidência.

O projeto abre uma "janela" para que os atuais detentores de mandato possam trocar a camisa já para as próximas eleições. "A idéia de que o sujeito possa se candidatar por outra legenda que não aquela pela qual foi eleito é própria da democracia", argumenta Abramovay.

A proposta prevê que a troca se dê no final do mandato, seis meses antes da eleição. Historicamente, afirma Abramovay, o troca-troca partidário ocorre entre a eleição e a posse de um novo governo. Esse, sim, seria um movimento aético, na visão do secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

A "janela" também foi defendida no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) pelo cientista político Murilo Aragão, da consultora Arko Advice. Para o conselheiro, "a fidelidade partidária é muito boa, mas no momento a decisão do TSE somente congela um sistema que está estragado".

Se tudo ocorrer de acordo com os cálculos do governo, a reforma poderá ser discutida e aprovada em 2009. A tempo de alguns itens valerem para 2010, pois é certo que outros, como a lista fechada de votação, somente serão aprovados com longo prazo de implantação.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras